Opinión - Bloomberg

Derrota da esquerda no Chile serve de lição a outros governos da América Latina

A vitória da direita no referendo para nova Constituição no país neste último fim de semana pode ser o início de uma nova tendência

Foto: Bloomberg
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Bloomberg Opinion — A ascensão da esquerda na América Latina nunca foi grande o suficiente para ser chamada de onda e agora já está recuando.

A tendência que levou governos de esquerda a vencerem eleições em vários países latino-americanos nos últimos anos ficou abalada com a votação deste domingo (7) no Chile, quando grupos de direita assumiram o controle decisivo do complicado processo de escrever uma nova constituição.

A eleição, vencida por um partido que defende o legado de Augusto Pinochet, coloca a agenda progressista do presidente Gabriel Boric em xeque pouco mais de um ano após sua posse. Também posiciona a direita do Chile para um retorno ao poder nas eleições de 2025.

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São más notícias para Boric, de 37 anos, o mais jovem líder eleito do mundo, cuja eleição coroou uma fase de forte demanda popular por uma nova constituição, iniciada com as revoltas de outubro de 2019.

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Uma vez no cargo, porém, o carismático presidente descobriu que os chilenos estavam mais interessados em domar a insegurança, a inflação e o desemprego do que em uma reforma constitucional.

Nos três anos e meio desde o início do processo, o Chile passou de um apoio esmagador a uma reformulação da constituição, e da escolha de um grupo difuso de radicais e ativistas para liderá-la, a uma rejeição de suas ideias e perda de interesse no projeto.

Na votação de domingo, o partido mais votado foi o que menos quer mudanças na constituição.

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O lado bom para Boric é que a eleição acabou e as atenções se voltaram para o obscuro processo de revisão constitucional, que envolve uma comissão de especialistas e um comitê técnico, bem como o conselho constitucional eleito no domingo.

Um referendo para uma nova Carta Magna não deve acontecer até 17 de dezembro, dando ao governo tempo para focar em preocupações mais cotidianas e talvez até colher os frutos de uma economia que dá sinais de melhora.

Enquanto isso, o processo traz uma lição não só para o governo do Chile, mas também para os partidos de esquerda atualmente no poder na maior parte da região: ideologia e princípios podem ajudar a ganhar eleições e manter as bases mobilizadas, mas em última instância, os líderes eleitos são julgados pelo desempenho da economia.

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Nesse sentido, as diferenças filosóficas entre os vários líderes de esquerda da região importam menos do que se eles podem melhorar o padrão de vida da população, principalmente em uma região que ainda sofre com os duros efeitos da pandemia.

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O argumento de que a América Latina estava passando por uma nova “maré rosa”, semelhante à que aconteceu no início deste século, nunca foi convincente.

Primeiro, porque por trás do rótulo de esquerda estavam líderes de diversas ideologias, desde o moderno socialismo europeu de Boric até o movimento camponês de Pedro Castillo, no Peru, que durou 16 meses no poder.

E segundo, porque na maioria dos casos, esses votos representaram um sentimento contra os governos no poder durante a pandemia. Também vale notar que várias dessas eleições — na Colômbia, Brasil e Peru, por exemplo — foram decididas por uma margem mínima.

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A votação no Chile ocorreu apenas uma semana depois que o partido conservador Colorado manteve o poder no Paraguai. E na principal eleição presidencial da região este ano, na Argentina, a aliança peronista de esquerda, atualmente no poder, deve perder.

A noção de que a esquerda é a força dominante na política — não apenas no Chile, mas na América Latina — sempre foi uma simplificação exagerada.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

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