Eletrobras: Governo terá batalha jurídica para reverter venda, dizem advogados

Ação no STF aumenta a preocupação sobre reestatização; para especialistas, medida teria custo alto e prejudicaria o ambiente de negócios

As ações da companhia vêm caindo desde o início do ano, em meio a discursos de reestatização
09 de Maio, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — Uma eventual tentativa do governo Lula de reverter a privatização da Eletrobras (ELET6) tende a enfrentar obstáculos jurídicos e teria um custo elevado para os cofres da União para compensar os acionistas, de acordo com advogados especializados consultados pela Bloomberg Línea.

Além disso, a reestatização, se efetivada, traria prejuízos intangíveis ao ambiente de negócios no país, segundo especialistas.

O risco de a empresa voltar a ter controle majoritário do governo já estava no radar desde a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições no ano passado e ganhou mais força nos últimos dias depois de a Advocacia-Geral da União (AGU) entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra uma medida que limita os votos dos acionistas à proporção de 10% do capital da empresa.

O dispositivo coloca a União em desvantagem, pois tem 43% de participação no capital votante da Eletrobras.

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No sábado (6), Lula falou sobre o assunto em Londres após cerimônia de coroação do Rei Charles III. O presidente disse que o país precisa “voltar a sorrir” e que vai tentar “desmontar” esses “absurdos”, referindo-se à privatização da elétrica.

Depois das falas de Lula e do processo no STF, as ações preferenciais da Eletrobras fecharam em queda de 1,74% na segunda-feira (8), em um dia de alta de 0,85% do Ibovespa.

Os papéis acumulam queda de 15% neste ano, em meio a declarações cada vez mais frequentes de reestatização por parte do governo, e são negociadas 9% abaixo do preço do dia da privatização (14 de junho de 2022).

É possível reverter a privatização da Eletrobras?

Na avaliação da sócia da área de Energia e Recursos Naturais do Demarest, Rosi Costa Barros, seria necessário haver uma justificativa muito forte, como uma ilegalidade, para anular o processo de privatização.

“A privatização da Eletrobras foi um ato jurídico perfeito. O governo está questionando o processo, mas é preciso um argumento muito forte para revertê-lo, seria muito complicado”, afirma a advogada.

Uma das alternativas do governo para retomar o controle da empresa seria a recompra de ações. No entanto, um mecanismo de proteção previsto no estatuto da companhia chamado “poison pill” visa a dificultar a compra de fatias de minoritários por outros acionistas, exigindo o pagamento de três vezes o valor das ações.

No caso da Eletrobras, o governo teria que pagar uma quantia vultosa para recuperar sua participação, em um momento de ajuste fiscal. No fim das contas, o dinheiro sairia do bolso do contribuinte, destacam analistas.

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Para o sócio de infraestrutura e regulatório do Demarest Advogados, Bruno Aurélio, embora complexo, o processo de recompra das ações por parte da União é possível. No caso de uma anulação, entretanto, a situação é ainda mais difícil.

“A administração pública pode rever seus atos, mas teria que haver uma motivação muito severa. Se a União insistir nessa tese, passa uma instabilidade ao mercado”, analisa. “Mesmo que haja uma justificativa bastante razoável, do ponto de vista de imagem será preciso explicar muito claramente [a motivação]. Ainda assim estamos vivendo hoje em um ambiente polarizado, seria muito ruim”, acrescenta.

O sócio de M&A (fusões e aquisições) do escritório Mattos Filho, Victor Gelli, exalta o bom momento vivido pelo setor elétrico, com oportunidades impulsionadas principalmente pelo movimento de descarbonização.

No entanto, ele vê com preocupação as discussões sobre reversão da privatização da Eletrobras para o ambiente de negócios. “A reversão do processo não é fácil e seria muito custosa. Seria um grande retrocesso”, avalia.

Reestatização ‘não está em pauta’ no momento, diz ministro

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou na segunda-feira (8) em entrevista à CNN que reestatizar a Eletrobras poderá ser um tema eventualmente discutido pelo governo, mas que isso “não está em pauta neste momento”.

Ele negou que a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) impetrada na última sexta-feira (5) no STF pela AGU seja uma tentativa de reverter a privatização da Eletrobras. Na ação, o governo pede a suspensão, em caráter liminar, de dispositivos com efeitos retroativos até o julgamento final no STF.

Conforme o ministro, o objetivo é restabelecer os direitos políticos da União na companhia. Ele afirmou que, atualmente, o governo federal detém participação de 43% no capital social da Eletrobras (considerado o controle direto e outras formas de participação, como a fatia detida pelo BNDES), mas só exerce direito a voto na proporção de 10%.

O conselho de administração da elétrica tem nove membros, mas a União só tem direito a uma cadeira.

“Apesar de a ação estar restrita à questão do voto, na prática seria uma quase reversão, porque a União viraria controladora novamente”, analisa a sócia do Demarest.

A privatização da Eletrobras ocorreu em junho do ano passado por meio de uma capitalização, com oferta pública de ações. A União não exerceu seu direito de compra de novas ações, diluindo assim sua participação na empresa. Com isso, a fatia do governo ficou em torno de 35%.

Para concluir o processo, foi aprovada uma lei em 2021 que autorizou a desestatização da Eletrobras.

Risco para o ambiente de negócios

Relatório do banco UBS BB desta segunda-feira afirma que as recentes medidas tomadas pelo governo federal têm afastado cada vez mais os investimentos do setor de serviços públicos e regulados, com mudanças constantes “que geram incertezas regulatórias”.

“A ADI proposta pelo governo federal soma-se a outros atos que criam um ambiente de incerteza regulatória”, diz o banco, citando a medida provisória que retira poder da Agência Nacional de Águas (ANA) de editar normas de referência para o setor de saneamento, entre outras alterações no marco regulatório.

O UBS BB acrescenta que a ADI pode “causar prejuízos à Eletrobras” e, se aprovada, levaria o governo federal a exercer uma maior influência sobre a empresa, pois teria mais poder de voto.

O BTG Pactual lembra em relatório que o processo de privatização da Eletrobras “foi amplamente debatido e aprovado pela Câmara dos Deputados, Senado e Tribunal de Contas da União” e que os acionistas injetaram R$ 31 bilhões na empresa.

“Os investidores participaram da oferta porque houve a oportunidade de investir em uma empresa muito melhor administrada, com grande espaço para crescimento com disciplina de capital e influência limitada do governo. Por isso, o limite de 10% dos votos foi fundamental para o sucesso da operação, sem isso, o custo de capital exigido pelos investidores para participar seria muito maior, o que provavelmente levaria ao insucesso do processo”, observou o banco.

Para o BTG, a tentativa de contornar decisões já aprovadas “é um precedente preocupante não apenas para o setor, mas para outras empresas privadas e reguladas”, destacou.

Os papéis da Eletrobras acumulam queda de quase 20% neste ano, em meio a declarações cada vez mais frequentes de reestatização por parte do governo.

Governança

Para o presidente da Thymos Energia, João Carlos Mello, que atuou como consultor na privatização da Eletrobras com o BNDES, o princípio que norteou as premissas do processo foi a futura governança da companhia.

“Elaboramos o processo pensando sempre que a gestão e a governança da empresa iriam mudar”, afirma o consultor.

Ele destaca que, desde a conclusão do processo, a gestão da Eletrobras mudou, com diversas vice-presidências sendo estabelecidas, cada uma com suas metas.

Sobre o tamanho da companhia, Mello pontua que mesmo antes da privatização o quadro de funcionários já vinha diminuindo com a abertura de programas de demissão voluntária (PDV).

“Atualmente, a empresa tem um número de funcionários adequado para o seu tamanho, pois houve mudança de escopo”, avalia.

O consultor observa que hoje a Eletrobras tem mais autonomia para assumir responsabilidades em áreas estratégicas. “Com as mudanças inevitáveis no mercado de energia, incluindo novas tecnologias e expansão de fontes renováveis, a companhia terá agilidade e ponderação para atuar nos novos cenários, isso é crucial para a nova Eletrobras.”

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.