Na Ambev, é hora de avisar que o ‘dinossauro’ está conseguindo se reinventar

Com 4.000 pessoas em tecnologia, mais do que em vendas, empresa lançou cem inovações no último ano e quer ser reconhecida além da gestão, anos após autocrítica de Lemann

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Bloomberg — Há pouco mais de cinco anos, Jorge Paulo Lemann fez um mea culpa raro para empreendedores bem-sucedidos ao se autointitular um “dinossauro apavorado” diante de inovações que tomavam conta de diferentes setores e do que enxergava na gestão de empresas que controlava, como a AB Inbev (BUD) e a Kraft Heinz (KHC), duas gigantes globais da indústria de alimentos e bebidas.

Naquele momento, a Ambev (ABEV3), a empresa que abriu caminho para um império global de negócios, investia para estimular a inovação, mas os resultados concretos ainda estavam distantes. Passados cinco anos para a líder do mercado de cervejas do país, ao que tudo indica, é hora de explorar a narrativa, e agora com base em resultados e diferentes cases de negócios.

Conhecida por marcas mais do que centenárias, como Brahma e Antarctica, a Ambev lançou cem inovações ao longo do último ano, depois de reduzir o chamado time to market pela metade. O equivalente a 20% das receitas atualmente vem de produtos e serviços que não existiam três anos atrás, período que coincide também com a gestão de Jean Jereissati como CEO da companhia. São 4.000 pessoas trabalhando na área de tecnologia, mais do que há no time de vendas, que fez muito de sua fama.

“Esses números só se tornam possíveis porque estamos criando uma cultura de muito teste e de entendimento de que falhas acontecem. O erro relacionado com a descoberta, com o teste em bases pequenas do mercado, deve ser encorajado. Mas era algo impensável até alguns anos atrás”, disse Dani Waks, VP de Marketing da Ambev, em entrevista à Bloomberg Línea na última semana durante o Web Summit Rio, um dos principais eventos de inovação e tecnologia do mundo.

O executivo com 15 anos de Ambev faz referência ao que durante décadas se tornou a marca registrada da empresa, como se fosse um produto de exportação: a eficiência operacional idealizada por Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, além de Carlos Brito e de dezenas de outros executivos que assumiram posições de liderança em companhias controladas pelo trio (cuja reputação de magos da gestão foi arranhada mais recentemente com o escândalo contábil da Americanas).

“Vários pontos que durante muito tempo foram o grande diferencial da Ambev continuam no core, como eficiência operacional, fusões e aquisições e gestão, mas isso não é mais apenas o que nos destaca. Ainda há a cultura de vencer e sonhar grande, mas que busca entender que pode ser necessário errar e ‘pivotar’ para alcançar determinado objetivo”, afirmou o executivo da Ambev.

As ações da Ambev estão ainda cerca de 50% abaixo do patamar de cinco anos atrás, pouco depois do desabafo de Lemann, mas acumulam ganhos de 35% em três anos.

Há um modelo descentralizado para agilizar a tomada de decisões e estimular os testes, dentro do que são as diretrizes da empresa. Segundo Waks, a Ambev decidiu estimular práticas de inovação em diferentes áreas de maneira horizontal. As iniciativas estão conectadas do supply chain ao time de vendas, tendo como elo o Centro de Inovação e Tecnologia inaugurado há cinco anos no Rio de Janeiro.

A nova aposta é a versão do chopp Brahma em lata, um produto apresentado no Web Summit Rio e que, segundo Waks, não poderia ter sido lançado cinco anos atrás, ainda que o conceito estivesse no radar desde aquela época. “O lançamento só se tornou possível graças ao avanço da tecnologia, ao aprendizado que tivemos sobre cadeia refrigerada, à existência do Zé Delivery para garantir o padrão da entrega e a novos processos de assepsia nas cervejarias”, afirmou.

Gustavo Castro, diretor de Inovação da Ambev, disse à Bloomberg Línea que o processo de desenvolvimento incluiu o estudo do que havia de práticas no mundo que pudessem viabilizar que a bebida em lata guardasse características do chopp. “Encontramos na operação na Coreia do Sul um processo de microfiltração que permite uma bebida não pasteurizada que consegue manter o frescor por mais tempo”, exemplificou.

Marcas potencializam a inovação

Castro disse que a combinação de uso de dados e da capacidade de inovar é potencializada pelas marcas conhecidas da Ambev junto a uma base ampla de consumidores, citando o caso da Brahma. “Às vezes você desenvolve uma solução, mas é muito difícil fazer as pessoas experimentarem.”

Segundo os executivos, números preliminares de NPS (Net Promoter Score), métrica universal de satisfação do consumidor, apontam para o chopp Brahma em lata o melhor desempenho para um lançamento da Ambev entre os clientes que fazem parte da base inicial de teste em regiões do Rio.

Como parte da estratégia da reinvenção também para fora, a Ambev apresentou ao público no Web Summit Rio mais informações de sua jornada particular, algo que, segundo Castro, por si só tem um significado. “Ninguém pensaria em um evento como esse em ouvir o que uma grande CPG [empresa de bens de consumo] tem a dizer. O esperado seria um case de uma startup ou de uma big tech.”

Castro disse que o novo momento tem sido possível com o uso crescente de dados e tecnologia. “Há dois pontos fundamentais: o redesenho do nosso relacionamento com os clientes, que são os bares, por meio da plataforma digital do Bees. E o contato com o consumidor por meio do Zé Delivery, com as informações necessárias para conseguir inovar.”

Conexão de dados do consumo

As duas plataformas se cruzam e permitem uma integração, destacou o diretor de Inovação. “Se eu consigo atender um consumidor na casa dele, e um bar ficou sem bebida, por que não posso entregar para o bar também? Por que tenho que esperar o dia seguinte? Há um footprint logístico mas também uma conexão de dados do at home e do out of home pela primeira vez, que é algo muito poderoso.”

O lançamento do chopp Brahma em lata acontece inicialmente apenas pelo Zé Delivery, o app da Ambev de entrega de bebidas ao consumidor, por duas razões: para manter as condições necessárias de armazenamento e para coleta e posterior análise dos dados de consumo. “Avaliamos se o cliente voltou a comprar a bebida ou não, qual a frequência, quais os motivos por trás disso”, disse Castro.

“Para uma empresa do tamanho da Ambev, se o negócio for pequeno, não faz sentido. O negócio é relevante o suficiente a ponto de ser ‘escalável’? Em todo piloto fazemos isso: começamos com uma cidade, depois em regiões diferentes e daí em escala nacional”, explicou Waks.

O VP de Marketing deu o exemplo de projetos pilotos que culminaram com o lançamento da cerveja alemã Spaten há dois anos, que é considerada a segunda maior inovação da Ambev (atrás da Brahma Duplo Malte, um ano antes). “Fizemos testes com três marcas em regiões diferentes: Spaten, Andes [uma marca argentina] e Modelo [uma marca mexicana]. Spaten teve disparado as melhores avaliações”, contou.

Se o chopp Brahma em lata levou cinco anos para virar realidade, um projeto recente é considerado um case pela agilidade, segundo Waks: a Becks 70+. “Tivemos um insight relacionado a um tema que ganha importância, que é o etarismo. Não se fala de cerveja para pessoas mais velhas. Colocamos mais lúpulo na fórmula e aumentamos o amargor, porque em geral se perde com a idade essa percepção, especialmente acima dos 70 anos. Conseguimos lançar em questão de um mês”, contou.

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