Como a pausa ‘hawkish’ do Fed tende a afetar os mercados de ações

As bolsas costumam a subir nos meses seguintes a uma pausa no ciclo de aumento de juros, mas as condições desta vez não são favoráveis

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Bloomberg Opinion — Os investidores normalmente ganham muito dinheiro comprando ações quando o Federal Reserve faz o último aumento de juros durante um ciclo de aperto monetário. Mas nem todo ápice da taxa de juros é igual, e esta atual “pausa hawkish” parece particularmente precária para as ações.

Primeiro, considere o texto que o Fed usou para comunicar a mudança em sua postura na quarta-feira (3). Ao anunciar seu último aumento de 25 pontos-base na taxa básica de juros para uma faixa de 5% a 5,25%, o banco central dos Estados Unidos também removeu esta frase-chave de sua declaração pós-reunião (no terceiro parágrafo do comunicado):

“O Comitê antecipa que algumas políticas adicionais podem ser apropriadas...”

Mas manteve uma versão desta formulação de sopa de palavras:

“Ao determinar até que ponto o endurecimento adicional da política monetária pode ser apropriado para retornar a inflação a 2% ao longo do tempo, o Comitê levará em conta o aperto cumulativo da política monetária, o tempo para que a política monetária afeta a atividade econômica e a inflação, e os desdobramentos econômicos e financeiros.”

No estranho mundo do jargão do Fed, isso equivale a uma admissão tímida de que a evasiva “pausa” finalmente (provavelmente) chegou. Mas o Fed ainda manteve seu viés hawkish (favorável a um aperto monetário), o que deve desapontar aqueles do mercado que acham que o Fed já iria avaliar cortes de juros na segunda metade do ano.

O banco central poderia ter optado por uma linguagem bilateral sobre futuros “ajustes” da taxa de juros, mas, em vez disso, optou por manter a frase unilateral “firmeza adicional da política”. Em outras palavras, é mais provável que o Fed permaneça firme, mas qualquer desvio desse plano quase certamente acarretaria mais firmeza, não flexibilização.

Powell enfatizou ainda mais esse ponto em sua entrevista coletiva quando se recusou a dizer se a política agora era “suficientemente restritiva”:

“Essa será uma avaliação contínua. Vamos precisar de dados acumulados sobre isso. Não é uma avaliação que fizemos - isso significaria que chegamos a esse ponto. E acho que não é possível dizer isso com confiança agora”, disse o presidente do Federal Reserve.

A inflação tem sido a principal prioridade dos formuladores de políticas há mais de um ano e não desapareceu. O núcleo do Índice de Gastos de Consumo Pessoal - no qual o Fed tende a se concentrar - mostra a inflação essencialmente se movendo lateralmente em uma base anualizada de três meses.

Com a taxa de juros agora acima da taxa de inflação subjacente, os líderes do Fed podem se consolar com a crença de que a política agora é restritiva o suficiente para reduzir a inflação no próximo ano. Mas eles não terão a evidência concreta de que estão tendo sucesso até que a linha azul no gráfico abaixo esteja se movendo significativamente de volta para a meta de 2% do Fed.

Enquanto isso, a parte do mandato do Fed de manter o máximo possível do pleno emprego ainda está se mantendo, dando-lhe liberdade para aumentar ainda mais as taxas de juros, se julgar necessário.

O desemprego ainda está perto do nível mais baixo desde a década de 1960, e dados do ADP Research Institute na quarta-feira mostraram que as folhas de pagamento privadas registraram seu maior aumento desde julho de 2022. A remuneração dos trabalhadores civis aumentou 1,2% no primeiro trimestre, um ritmo que Powell sugeriu ser inconsistente com seus objetivos de reduzir a inflação.

É difícil lutar contra a história, é claro, e os investidores em ações em particular se lembrarão de que as ações quase sempre ganham nos três meses, seis meses e 12 meses após uma pausa do Fed.

Nas últimas quatro décadas, a única exceção digna de nota foi maio de 2000, quando a pausa do Fed não conseguiu iniciar qualquer tipo de rali de curto prazo e o mercado começou a entrar em colapso cerca de quatro meses depois, no início de setembro.

Supondo que a pausa tenha chegado, alguns investidores podem achar irresistível ficar otimista novamente.

Mas, como escrevi no mês passado, os ralis pós-pausa tendem a se basear em dois fatores fundamentais: um rali nos títulos do Tesouro (que infla os múltiplos de preço-lucro) e a suposição de que os lucros ainda estão em expansão. Em ambos os casos, 2023 é diferente de outras pausas recentes do Fed.

Primeiro, os rendimentos das notas do Tesouro de 10 anos já estão sendo negociados 186 pontos-base abaixo da taxa dos fed funds (limite superior), algo que nunca aconteceu quando outras pausas ocorreram.

Desta vez, o mercado ficou muito à frente do banco central, o que pode deixar pouco espaço para uma recuperação no curto prazo.

Em segundo lugar, os EUA já estão em recessão de lucros, o que também nunca aconteceu no momento de outras pausas nos dados da amostra. O Fed tende a fazer uma pausa quando ainda há alguma vantagem nos resultados das empresas, mas não desta vez.

De todo modo, há muitos motivos para moderar o entusiasmo com a tão esperada “pausa”. Ao contrário das pausas anteriores, os riscos para o lado negativo são substanciais no próximo ano.

Com sua linguagem mais recente, o Fed não deu muitos motivos aos mercados para pensar que as recompensas potenciais valem o risco.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Jonathan Levin trabalhou como jornalista da Bloomberg na América Latina e nos EUA, cobrindo finanças, mercados e fusões e aquisições. Mais recentemente, ele atuou como chefe da sucursal da empresa em Miami. Ele é analista financeiro certificado pelo CFA Institute.

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