Queremos disputar o cliente no nosso campo de jogo, diz CEO da Revolut no Brasil

Em entrevista à Bloomberg Línea, Glauber Mota conta a estratégia da startup global de origem britânica para ganhar mercado mesmo chegando depois de concorrentes

Região da Faria Lima em São Paulo abrigará a sede do Revolut no Brasil (Victor Moriyama/Bloomberg)
02 de Maio, 2023 | 08:07 AM

Bloomberg Línea — Nos últimos anos, a aceitação do consumidor brasileiro para contas e serviços financeiros em múltiplas instituições se tornou um hábito crescente diante da facilidades de uso. Uma pessoa utiliza em média cinco aplicativos para realizar as transações, segundo pesquisas mais recentes.

Bancos incumbentes há muitas décadas no mercado, como Itaú (ITUB4) e Bradesco (BBDC4), passaram a ter que competir pela atenção e o dinheiro dos clientes com neobancos como Nubank (NU), Inter (INTR) e C6 Bank, sem contar os segmentados. É a disputa do chamado share of wallet.

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O mais novo competidor é a britânica Revolut, um dos maiores players globais da primeira geração de fintechs, presente em mais de 35 países e com mais de 29 milhões de clientes.

Foi fundada em 2015 pelo russo Nik Storonsky e o ucraniano Vlad Yatsenko, respectivamente CEO e CTO, oferecendo serviços de câmbio e de remessas, suas especialidades. A fintech foi recentemente avaliada em US$ 28 bilhões, segundo a Bloomberg News citando informação do The Telegraph.

“Queremos ser um banco global que oferece serviços locais”, disse Glauber Mota, CEO da Revolut no Brasil, em entrevista à Bloomberg Línea.

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“Em cada país, temos que nos adaptar às demandas locais. No Brasil, identificamos que há uma demanda crescente pelo que é um dos nossos pontos competitivos: operações cross border”, disse.

“Como diz a frase do Warren Buffett: ‘How do you beat Bobby Fischer [famoso enxadrista americano, um dos maiores da história]? You play him at any game but chess’. Não vamos competir na largada com os players locais no segmento em que são mais fortes.”

O campo de disputa, segundo ele, será uma conta global nas operações de câmbio e de remessas, que começam com 27 moedas à disposição - do real para o dólar e daí para as demais moedas - e funcionamento 24 x 7 (24 horas por dia nos sete dias da semana), com cobrança de IOF mais baixo e spread no que o executivo descreveu que estará na “banda de baixo” do que o mercado cobra, perto de 2%. Há bancos que cobram de 5% a 8%.

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“Temos condições de cobrar um spread mais baixo no mercado porque temos volume”, disse Mota, citando que a Revolut realiza no todo mais de 400 milhões de transações por ano. “Não é no spread que vamos ganhar dinheiro, mas nas transações e em outros produtos que oferecemos.”

Nesse segmento, a Revolut enfrentará a concorrência de players já estabelecidos como a Wise, o C6 Bank, a Nomad e a Avenue.

“Como estamos em 35 países, aprendemos a fazer diferente e a nos adaptar em muitos mercados. Há uma curva de aprendizado e uma expertise que queremos aplicar”, disse Mota, que ressaltou que há produtos que serão adaptados para a realidade local, citando o Pix, que não existe em outros países. A oferta de produtos locais depende da obtenção de licença específica do Banco Central, em fase de análise.

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Glauber Mota, CEO da fintech britânica Revolut no Brasil (Foto: Divulgação)

Essa briga no setor financeiro se tornou ainda mais acirrada no Brasil pelo comportamento do brasileiro de adoção rápida de tecnologia, facilitando o ataque de novos players puramente digitais.

Segundo o executivo, outra aposta é a plataforma de criptoativos, que começa com a negociação de mais de 90 tokens, um número considerado elevado que se tornou possível em razão justamente da experiência prévia global da fintech.

“Teremos todas as transações um só super app, cujas funcionalidades serão oferecidas em fases”, disse sobre a estratégia.

Mota foi contratado para montar a operação vindo do BTG Pactual (BPAC11), banco em que era sócio e atuou como COO para a área de varejo digital, que estruturou em conjunto com Amos Genish.

O time no Brasil conta atualmente com cerca de 50 profissionais, dos quais 30 dedicados ao time local, e 20, para tecnologia. O plano é que o Brasil sirva como hub de desenvolvimento para outros mercados da América Latina. “O time de tecnologia já está trabalhando para o México, por exemplo”, afirmou.

O russo Nikolay Storonsky, cofundador e CEO da Revolut, em entrevista à Bloomberg Television: fintech avaliada em US$ 28 bilhões recentemente, segundo informações de mercado

A Revolut tem uma lista de espera para a abertura de contas desde o ano passado. Mota disse que a fintech não abre o tamanho da base, mas que ela é suficiente para testar todas as funcionalidades.

Segundo Mota, a conta não terá cobrança de tarifas neste momento. Em cenário posterior, a fintech pode cobrar uma assinatura por benefícios adicionais, a exemplo do que acontece em outros mercados. “Lá fora já temos mais categorias, como a Premium, a Metal e agora estamos lançando a Ultra, quase como se fosse um private banking, com concierge. Mas no Brasil não há isso agora na chegada.”

A chegada ao Brasil foi anunciada há pouco mais de um ano, em março de 2022. O plano inicial era chegar em versão “mar aberto” antes do fim do ano, a tempo de aproveitar a demanda em alta por serviços no exterior com a Copa do Mundo do Catar, realizada em novembro e dezembro. Veio a versão beta.

A chegada neste ano acontece em um momento em que o custo de capital e a desaceleração da economia funcionam como fatores adversos.

“A taxa de juros subiu mais, o funding ficou mais caro e fazer crédito nesse cenário ficou mais difícil e com maior risco. E as pessoas não querem mais diversificar tanto com ações, por exemplo. Vai todo mundo para renda fixa. Mas isso vale para todo mundo”, disse o executivo.

“Por outro lado, o mercado amadureceu e hoje se fala muito mais da importância de diversificar e ter ativos em outras moedas e no exterior. Chegamos em um momento mais receptivo. O addressable market [mercado endereçável] aumentou”, disse Mota, citando movimentos como a compra da Avenue pelo Itaú.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.