Bloomberg — As origens do colapso do First Republic Bank remetem aos enormes financiamentos imobiliários no Vale do Silício, onde uma estratégia de emprestar valores exagerados para os clientes ricos explodiu.
No início dos anos 1980, o presidente do First Republic Bank, Jim Herbert, que na época liderava o San Francisco Bancorp, queria entrar em um novo ramo de negócios. Clientes de alta renda da área da Baía de São Francisco estavam vindo até ele para pedir empréstimos excepcionalmente grandes para comprar propriedades caras na região.
“Por que não fazemos alguns desses [empréstimos] e vemos como fica? Não devem falir o banco todo”, disse Herbert ao presidente da empresa, segundo um relato da conversa no site do First Republic Bank.
Anos mais tarde, depois que Herbert deixou o San Francisco Bancorp e fundou o First Republic, seu novo banco ficou conhecido por conceder hipotecas somente com pagamento de juros a taxas muito baixas para clientes com altos rendimentos e avaliações de crédito excepcionais.
A demanda por esses empréstimos disparou durante a pandemia, pois os clientes ricos buscaram negócios hipotecários que lhes permitiriam manter a maior parte do dinheiro em investimentos de maior retorno. O aumento dos financiamentos imobiliários ajudou o First Republic a dobrar seus ativos em quatro anos; mas também contribuiu para o seu colapso.
Na madrugada desta segunda-feira (1°), o JPMorgan concordou em adquirir o First Republic Bank do FDIC (Federal Deposit Insurance Corp), que apreendeu o banco após um período tumultuado em que suas ações despencaram e os depositantes retiraram quase metade dos recursos.
O acordo de venda do First Republic marca a segunda maior falência bancária da história dos EUA e a terceira somente neste ano, trazendo a crise bancária de março de volta ao foco após um período calmo desde que o SVB e o Signature Bank quebraram.
Este relato é baseado em conversas com várias pessoas familiarizadas com os fatos das últimas semanas, todas as quais pediram para não serem identificadas ao discutirem informações privadas.
Plano de resgate
Em 16 de março, quando o pânico se espalhava pelos bancos regionais dos EUA, 11 das maiores instituições financeiras do país se uniram para injetar US$ 30 bilhões em depósitos no First Republic Bank por pelo menos quatro meses.
A ação do banco havia despencado na semana desde que o SVB e o Signature Bank entraram em colapso, com investidores preocupados que a grande proporção de depósitos sem garantia do First Republic poderia deixá-los vulneráveis ao mesmo destino.
A oferta de dinheiro deveria estabilizar o banco, dando-lhe tempo suficiente para encontrar um comprador e evitar ser apreendido pelos reguladores.
Os consultores de fusões e aquisições do First Republic rapidamente começaram a trabalhar tentando persuadir os mesmos bancos a fazerem uma aquisição completa da instituição financeira.
Liderando esse trabalho estava Peter Orszag, chefe de consultoria financeira da Lazard e ex-economista do presidente Barack Obama. Ele foi contratado ao lado de consultores de longa data do JPMorgan, caso surgisse um conflito se o último decidisse adquirir o banco; afinal, o CEO da instituição, Jamie Dimon, ajudou a orquestrar o acordo.
Dimon minimizou seu papel no acordo de resgate inicial em uma teleconferência, dizendo que foi “apenas a primeira ligação”. Ele acrescentou que o sistema para manter a equipe de consultoria separada daqueles que consideravam uma compra foi “muito, muito rigoroso”.
No centro do balanço patrimonial do First Republic havia um problema de US$ 137 bilhões que dificultava sua venda: um enorme livro de hipotecas de baixo juro, misturado com algumas outras, cujo valor havia sido afetado desde que o Federal Reserve, o BC americano, começou a aumentar as taxas de juros.
No início do ano, o First Republic disse que suas hipotecas valeriam cerca de US$ 19 bilhões a menos do que o valor nominal se fossem vendidas. Também tinha mais US$ 8 bilhões em desvalorizações em outros empréstimos, bem como perdas não realizadas em títulos.
Os potenciais licitantes rapidamente perceberam que, em uma venda, as perdas não realizadas de US$ 27 bilhões acabariam completamente com os US$ 13 bilhões do patrimônio líquido tangível da empresa. Analistas começaram a especular que, mesmo a US$ 0 por ação, ninguém se interessaria.
Apesar dos melhores esforços de Orszag, o First Republic parecia condenado a continuar arrastando-se em um modo zumbi.
Aumento da pressão
Poucos dias antes do First Republic divulgar os lucros do primeiro trimestre, os reguladores dos EUA aumentaram a pressão. Eles entraram em contato com alguns líderes do setor para tentar encontrar uma solução privada e alertaram os bancos a se prepararem caso algo acontecesse em breve, de acordo com pessoas a par das discussões. Mas o fim de semana passou sem novidades, e os bancos se mantiveram irredutíveis.
Então, o dia da divulgação do balanço chegou e tudo mudou. Após várias apresentações surpreendentes de outras instituições financeiras regionais, que superaram as expectativas dos investidores, a divulgação do First Republic em 24 de abril confirmou seus piores medos.
Os depósitos caíram US$ 70 bilhões – quase metade do total do banco – em questão de semanas, à medida que os clientes correram para sacar seus recursos. O preço de suas ações, que já havia caído 87% neste ano, sofreu outra queda acentuada.
Enquanto os executivos do banco tentavam acelerar em uma teleconferência de 12 minutos sem responder perguntas, Orszag e sua equipe tinham dificuldades em convencer os primeiros salvadores do First Republic a intervir novamente.
O FDIC, aconselhado por uma equipe da Guggenheim Securities liderada pelo ex-chefe de reestruturação do Tesouro, Jim Millstein, e preocupada com o tempo que levou para encontrar um comprador para o SVB, já estava fazendo planos para o que aconteceria a seguir.
O Departamento do Tesouro, por sua vez, que teria sido responsável por reunir a indústria bancária em um segundo plano de resgate, deixou a supervisão para o menor regulador financeiro, segundo relatos.
Os bancos questionavam o momento para o acordo, dado que poderiam esperar mais alguns dias para comprar o banco diretamente do FDIC com melhores condições. Isso os colocou em um impasse com a agência, que estava desesperada para evitar as perdas em seu fundo de seguro de depósito. Por dias, o jogo de gato e rato continuou.
Parte do problema era que qualquer solução viável para fortalecer o First Republic que seus consultores propusessem, incluindo a compra de seus títulos desvalorizados pelo valor integral ou a aquisição de uma participação acionária na empresa, apenas abriria caminho para um concorrente mais tarde obter um acordo melhor para o banco inteiro.
Enquanto isso, os gestores de patrimônio do First Republic começaram a migrar para empresas rivais, prejudicando o negócio mais lucrativo do banco.
Última cartada
No final das contas, o FDIC pediu aos bancos no final da semana passada para apontar o quanto pagariam e, principalmente, quanto isso custaria ao fundo da agência.
Ofertas finais deveriam ser entregues ao meio-dia de domingo, mas as deliberações se arrastaram noite adentro, frustrando as gigantescas equipes que haviam sido reunidas para conduzir os acordos.
Dimon disse nesta segunda-feira (1) que centenas de pessoas trabalharam dia e noite no lance vencedor do banco, que foi a única proposta que se ofereceu para levar o banco inteiro das mãos do FDIC, de acordo com pessoas familiarizadas com os detalhes.
O JPMorgan agora possui cerca de US$ 173 bilhões em empréstimos do First Republic, US$ 30 bilhões em títulos e US$ 92 bilhões em depósitos. O banco compartilhará com o FDIC eventuais perdas nos empréstimos residenciais e comerciais da empresa e reembolsará os depósitos que os outros bancos fizeram em março.
“Este é realmente um ótimo resultado para todos”, disse Dimon nesta segunda. “É assim que o sistema deve funcionar.”
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