Sob pressão política, Campos Neto tem sabatina de 5 horas no Senado sobre juros

Audiência foi o mais recente teste político para o presidente do Banco Central, que passou meses defendendo as decisões de política monetária

Ele compareceu perante o Congresso nesta terça-feira (25) pela primeira vez desde o início das críticas do presidente Lula
Por Maria Eloisa Capurro
25 de Abril, 2023 | 05:05 PM

Bloomberg — O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, manteve-se firme durante quase cinco horas de questionamento de legisladores sobre sua avaliação de que as taxas de juros não devem ser ainda reduzidas, insistindo que os formuladores de política monetária não iniciarão um ciclo de flexibilização até que os riscos de inflação estejam sob controle.

Campos Neto compareceu perante o Congresso em Brasília nesta terça-feira (25) pela primeira vez desde os ataques do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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Senadores o interrogaram sobre a decisão do banco de manter a taxa básica de juros em 13,75% ao ano, em um cenário em que a inflação atinge seu nível mais baixo em mais de dois anos, mas as expectativas ainda estão acima da meta.

“É óbvio que queremos ter taxas baixas e que o Banco Central quer ver os custos dos empréstimos caírem”, disse Campos Neto aos senadores. “Você precisa ter o timing correto e a credibilidade correta porque queremos um declínio sustentável nas taxas.”

A audiência ocorreu apenas um dia depois de Lula criticar a atual política monetária durante uma visita a Portugal, renovando uma disputa de meses que dominou a parte inicial de seu mandato.

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O líder de esquerda, que herdou uma economia lenta ao assumir o cargo em janeiro, vê uma taxa que está no nível mais alto em seis anos como um empecilho ao crescimento e uma barreira para a prosperidade que prometeu entregar durante a campanha do ano passado.

A melhora dos números da inflação gerou pressão adicional sobre Campos Neto. Os aumentos dos preços ao consumidor recuaram em relação ao pico do ano passado, acima de 12%, e diminuíram pelo nono mês consecutivo para 4,65% em março.

A maioria dos economistas aposta que os números vão desacelerar para 3,78% até junho, e Campos Neto disse na semana passada que vê a taxa anual diminuindo para 3,5% até o meio do ano.

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A maioria dos analistas vê a inflação desacelerando até junho

Os formuladores de políticas liderados por Campos Neto sinalizaram que não estão prontos para discutir cortes de juros enquanto a inflação permanece acima da meta do BC até 2025.

Durante a audiência, o dirigente da autoridade monetária argumentou que as consequências de aumentos vertiginosos de preços seriam muito piores do que a dor causada por manter as taxas estáveis, principalmente em um país com histórico de hiperinflação.

“Eu sei o quanto a inflação prejudica os pobres”, disse Campos Neto em resposta a perguntas sobre se ele conhece os preços do leite, arroz e feijão, produtos básicos para os brasileiros.

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Estimativas “Contaminadas”

A audiência foi o mais recente teste político para Campos Neto, que passou meses defendendo a política e a autonomia do banco, ao mesmo tempo em que insiste que campanhas de pressão pública não farão com que ele mude de rumo.

Os legisladores estavam ansiosos para aumentar a pressão durante sua primeira aparição no Congresso em quase um ano. Um senador da base governista de Lula usou uma lousa para comparar os níveis de inflação e juros no Brasil e nos EUA, antes de encerrar seu discurso entregando a Campos Neto um chapéu com a marca do Santander (SANB11), onde trabalhou antes de ingressar no Banco Central.

Campos Neto não respondeu diretamente ao gesto aparentemente destinado a insinuar que ele deveria deixar o cargo e retornar ao antigo emprego.

Mas depois, ele defendeu a autoridade monetária das acusações de que sua decisão de manter as taxas altas é politicamente motivada, lembrando que foi um dos primeiros bancos centrais do mundo a aumentar as taxas de juros em 2021, e que continuou a fazê-lo no ano passado mesmo durante uma eleição presidencial.

“Em vez de entregar inflação alta para o próximo presidente, estamos chegando abaixo dos níveis de outros países”, disse ele. “Quando você age de forma rápida e decisiva, o custo de derrubar a inflação é menor.”

Ainda assim, o cenário atual não garante um corte de juros no futuro próximo, disse Campos Neto. A maioria dos economistas vê uma inflação anual de 4,18% no ano que vem e de 4% nos dois anos seguintes, todas acima da meta da autoridade monetária.

A maioria dos analistas prevê que o conselho do Banco Central manterá as taxas de juros em seu nível atual pela sexta reunião consecutiva na próxima semana, de acordo com uma pesquisa da Bloomberg.

As estimativas de que a inflação diminuirá estão “contaminadas” por uma rodada de reduções de impostos decretada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro no ano passado, disse o economista Felipe Sichel em entrevista antes da audiência.

O governo de Lula reverteu alguns dos cortes no início de 2023, restabelecendo os impostos sobre o combustível. “Mas as pressões inflacionárias abaixo deles permanecem”, disse Sichel.

O banco de desenvolvimento do Brasil (BNDES) disse que planeja expandir o crédito para certas indústrias, a fim de ajudar as empresas a tomar empréstimos a taxas mais baixas. Mas, ao longo da audiência, Campos Neto alertou os advogados sobre os riscos de aumentar o crédito subsidiado, dizendo que reduzia o poder da política monetária.

Os parlamentares também questionaram Campos Neto sobre a proposta de estrutura fiscal do governo, um plano para controlar os gastos públicos que a equipe econômica de Lula apresentou ao Congresso na semana passada.

O governo espera que o projeto de lei, inicialmente bem recebido pelos mercados, ajude a afrouxar a política monetária, mas mudanças tardias também levantaram preocupações sobre as estimativas de que ele aumentaria as receitas em R$ 150 bilhões.

Campos Neto, que já havia dito que a regra é “positiva”, disse que é um passo na direção certa, mas disse que o Banco Central precisa esperar para julgar seus efeitos sobre as expectativas de inflação.

-- Com a colaboração de Bruna Lessa e Daniel Carvalho.

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