Bloomberg Línea — A gigante de e-commerce Shein disse na semana passada que planeja elevar para 85% as vendas de peças produzidas no Brasil por parceiros ou comercializadas por outros sellers em seu marketplace no país até 2026. A decisão, ainda que encarada com alguma dose de ceticismo do ponto de vista de execução por analistas e representantes da indústria nacional têxtil e de vestuário, terá impactos sobre os principais players do varejo de moda.
Para analistas do mercado financeiro que cobrem empresas do setor de varejo, a entrada da Shein no Brasil é negativa do ponto de vista de uma nova entrante como concorrente – em um momento já desafiador para o setor com os juros altos, a inflação e a desaceleração da economia –, mas também significará que a chinesa deixará de ter algumas vantagens em relação às empresas locais.
Pedro Serra, chefe de pesquisas da Ativa Investimentos, avaliou que, por mais que seja uma concorrente de peso, a Shein terá que jogar seguindo as regras do mercado brasileiro, colocando-a no mesmo patamar que as empresas locais.
O analista citou como exemplo a holandesa C&A e a espanhola Zara, que montaram operação no mercado local. Mas nem as marcas estrangeiras globais se tornaram cases de sucesso. “Vale lembrar que tivemos a americana Forever 21, que fez esse movimento de vir e não aguentou.”
A avaliação é compartilhada por analistas do Itaú BBA: por mais que o anúncio seja marginalmente negativo para os players domésticos do setor, “o campo de jogo agora será nivelado internamente, dado que a Shein estará sujeita às mesmas leis e estrutura regulatória de seus pares”.
Brasileiras na dianteira
O mercado de varejo de vestuário do Brasil ainda é dominado por empresas domésticas, apesar do crescimento de asiáticas como a Shein, a AliExpress e Shopee nos últimos anos. “Desenvolver uma rede forte e confiável de fornecedores locais - como a que a Lojas Renner possui - levará tempo e esforço”, destacaram analistas do Goldman Sachs (GS) em nota.
Serra, da Ativa Investimentos, compartilhou da mesma visão. “Por mais que seja um grande concorrente, as varejistas daqui já sabem jogar esse jogo, como a Renner. É um jogo difícil, dado que o mercado brasileiro tem uma série de particularidades, passando pelas coleções e preferências, até questões tributárias e logísticas”, disse.
Para o Itaú BBA, os players domésticos de vestuário estarão melhor posicionados para competir localmente com a Shein. “Competir com as operações internacionais foi muito mais desafiador, dada a provável vantagem de preço relacionada aos custos de fabricação chineses”, escreveram na nota.
O time de análise do Itaú BBA destacou o fato de que o mercado brasileiro de vestuário é altamente fragmentado, com os três principais players concentrando cerca de 20% do mercado. Isso abre espaço para grandes nomes coexistirem daqui para frente.
Entre as grandes da moda listadas na B3 estão C&A (CEAB3), Lojas Renner (LREN3), Grupo Soma (SOMA3) e Guararapes (GUAR3).
Principais desafios
Analistas do Santander (SANB11) apontaram a necessidade de maiores investimentos em parcerias com fornecedores novos e existentes como alguns dos principais desafios que as varejistas de vestuário brasileiras podem enfrentar com a chegada da gigante chinesa.
Isso porque a Shein disse ter intenção de acertar parceria com quase 10% dos 22.500 fornecedores têxteis do país – o que “ofuscaria” a atual rede da Renner e da C&A, segundo os analistas do banco, uma vez que elas têm cerca de 1.400 e 800 fornecedores diretos/indiretos locais, respectivamente.
A adoção acelerada do e-commerce em todo o segmento, bem como riscos de rentabilidade, uma vez que a concorrência por mão-de-obra qualificada deve aumentar, aliada à pressão de preços, também devem pesar sobre as companhias já estabelecidas por aqui.
Planos vs. realidade
Os planos da empresa chinesa preveem a parceria com dois mil fabricantes locais e a criação de aproximadamente 100 mil empregos nos próximos três anos para produzir peças com a marca.
Os planos ambiciosos levantaram questionamentos e ceticismo da parte de indústrias nacionais dos setores têxtil e de confecções em razão dos fatores que compõem o chamado “custo Brasil”, como carga tributária elevada e complexa e sistema trabalhista com direitos que não existem em muitos países.
A decisão da marca chinesa de fast fashion foi tomada no momento de discussão sobre o aumento de tributação de remessas de empresas estrangeiras de e-commerce para consumidores locais, com a fim da isenção para encomendas de até US$ 50 nos negócios entre pessoas físicas.
Lições da Shein
Com a chegada da Shein ao país, o time de analistas do Santander acredita que os principais players brasileiros da moda vão reavaliar as suas estratégias de cadeia de suprimentos.
“A estratégia da Shein em produzir localmente no Brasil e buscar sua eficiência internacional pode levá-la a encontrar vários gargalos de produção. No entanto acreditamos que os investimentos da empresa têm um significado inegável para a indústria, que tem muito a aprender com a sua eficiente cadeia de suprimentos”, escreveram analistas do banco em relatório divulgado nesta segunda-feira (24).
Para Ruben Couto, Eric Huang e Vitor Fuziharo, analistas do Santander que assinam o texto, o aumento da supervisão regulatória sobre as importações pode limitar a competitividade de curto prazo da Shein.
O compromisso da companhia com a produção local, contudo, pode sinalizar que a empresa “reconhece que seu estado atual é insustentável, potencialmente transformando o setor no longo prazo”.
Além disso, os preços deverão continuar competitivos, mesmo estimando que, em média, os valores para os usuários finais possam aumentar aproximadamente 60%, considerando o pagamento de impostos de importação.
-- Atualizada às 10h40 para esclarecer que o plano da Shein inclui tanto a venda de peças produzidas no país por parceiros e também a comercialização de vendedores locais por meio do seu marketplace. O objetivo é ter 85% das vendas no Brasil sendo realizadas destas duas formas até 2026.
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