Por que o Brasil pode funcionar como base para a Shein, segundo Marcelo Claure

Em entrevista à Bloomberg Línea, chairman da Shein na América Latina e ex-COO do SoftBank diz que fabricantes locais podem ser treinados para modelo de fast fashion

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Bloomberg Línea — O plano da Shein de ter 85% das vendas no Brasil sendo composta por peças produzidas no país por parceiros ou realizadas por vendedores locais em seu marketplace até 2026 não foi tomada apenas em resposta às discussões no governo Lula de criar uma taxação para produtos importados e vendidos com valor até US$ 50 (cerca de R$ 250). Foi o que disse Marcelo Claure, chairman da Shein para a América Latina, em entrevista à Bloomberg Línea: segundo ele, a varejista online chinesa avalia que o Brasil tem condições de servir como base para atender outros mercados da região, além de servir de experimento de internacionalização da produção.

O executivo da Shein, que se encontrou com autoridades do país nas últimas semanas, afirmou que, antes do anúncio, a empresa já tinha um programa piloto com nove fabricantes de roupas locais no Brasil, adequando o modelo de produção desses fornecedores aos seus processos.

Em seu modelo consagrado, a varejista não trabalha com estoques e produz pequenos lotes de roupas, de apenas centenas de unidades, que depois são anunciadas em seu site. Caso as vendas dessas peças tenham encontrado demanda, novas encomendas são realizadas aos fornecedores.

Segundo o executivo, que foi COO (executivo-chefe de Operações) do SoftBank até um ano atrás, os fabricantes tradicionais de vestuário processam pedidos em prazos longos e em grandes lotes, enquanto a Shein opera sob demanda: apenas o que o consumidor quer e em lotes muito pequenos.

“É um modelo digital, diferente da fabricação tradicional. Isso não significa que não possamos adaptar a fabricação tradicional. Basicamente treinaremos as pessoas, traremos nossa tecnologia e trabalharemos em estreita colaboração com fabricantes que desejam se tornar fabricantes da Shein a fim de levá-los a essa nova forma de fabricação em que não há estoque, dado que estamos fabricando com base na demanda”, disse Claure, que já foi também o principal nome do SoftBank para a América Latina.

Parceria com Coteminas, de Josué Gomes

A expectativa da Shein é trazer esse seu modelo de produção rápida e em pequenos lotes ao Brasil, com o plano de trabalhar com 2 mil fornecedores locais e gerar cerca de 100 mil novos empregos por meio dessas empresas terceirizadas até 2026.

Um acordo da varejista já foi assinado com a Coteminas (CTMN) para que 2 mil confeccionistas da empresa do ramo têxtil passem a ser fornecedores da Shein para atender o mercado brasileiro e da América Latina.

A Coteminas é a empresa do ex-presidente da República José Alencar (que morreu em 2011) e atualmente comandada por seu filho, o empresário Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), uma das entidades de classe mais poderosas do país. Josué foi cotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assumir um ministério, mas recusou, segundo fontes.

Em fato relevante divulgado na noite de quinta-feira (20), a Coteminas afirmou que o acordo inclui também financiamento para capital de giro e um contrato de exportação para produtos para casa. Os valores do acordo não foram informados.

A expectativa, segundo o executivo da Shein, é replicar a experiência da empresa na China, onde a varejista trabalha com dezenas de milhares de fabricantes de roupas. Com esse objetivo, a empresa disse ter separado US$ 150 milhões (aproximadamente R$ 750 milhões) para investir em treinamento e tecnologia para esses fabricantes.

“Posso dizer que já estávamos fazendo isso no Brasil, ainda de forma silenciosa, como um programa piloto. Já temos nove fábricas operando no Brasil. E os resultados têm sido excepcionais”, disse Claure.

“O primeiro compromisso que fizemos é com a Coteminas, que tem hoje cerca de 3 mil fabricantes. Nós fizemos uma análise de quem são essas empresas. Acreditamos que existe um cross match. O Brasil tem fábricas em todo lugar, especialmente no Nordeste e no Sul. Não achamos que vamos ter problemas em encontrar 2 mil fornecedores. São pequenas e médias empresas que podemos ensinar a trabalhar com pequenos lotes”, afirmou na entrevista à Bloomberg Línea.

Claure disse que, quando se tem 2 mil fábricas parceiras no país, a demanda poderá aumentar “drasticamente” - uma referência à capacidade produtiva.

O plano da Shein, portanto, é atender não só o Brasil mas eventualmente os países vizinhos da América Latina, fabricando mais rápido e desenhando produtos que atendam às necessidades e aos desejos dos clientes pelo fato de a empresa estar mais perto dos clientes, segundo Claure.

“Sempre tivemos um roteiro para ‘localizar’ nossos negócios”, disse Claure. Segundo ele, desde o ano passado a Shein vem testando um marketplace local para conectar vendedores brasileiros a consumidores do país. As fábricas locais fazem parte dessa estratégia, de acordo com o executivo.

O empresário, de família boliviana, trabalhou como COO do SoftBank entre 2018 e 2020 e foi responsável pela reestruturação da WeWork e seu subsequente IPO, além da criação do fundo específico do conglomerado japonês para investir em tecnologia na América Latina em 2019. Ele também foi CEO da operadora de telecomunicações Sprint Corporation, dos EUA, entre 2014 e 2018.

Custos de produção: Brasil vs. China

Claure disse que a Shein dialoga pelo mundo com autoridades que querem fabricações locais da varejista chinesa e que o Brasil foi escolhido pelo tamanho do mercado e pelo fit dos produtos com os brasileiros.

Questionado sobre o maior custo de fabricar no Brasil versus a China e países do Sudeste Asiático, Claure afirmou que “há uma enorme concepção equivocada que as pessoas automaticamente assumem que o custo de fabricação da China é baixo”.

Segundo ele, o custo de fabricação na China “tem aumentado muito” e a Shein arca com custos na cadeia de suprimentos para mover pedidos do país diretamente para o consumidor brasileiro.

A Shein dispõe de análises suficientes para eliminar esses custos de cadeia de suprimentos e ser capaz de importar grandes quantidades de mercadorias a um preço fiscal “muito favorável”, segundo Claure, já que a empresa está importando com base no custo pelo qual o produto foi vendido.

“Queremos ser capazes de transformar essas mercadorias em produtos finalizados no Brasil e ser capazes de manter os mesmos ou de praticar preços mais baixos, e já fizemos essa análise”, disse. “Obviamente, isso exigirá muito tempo para configurar essas fábricas, disseminar o treinamento, adaptar-se a uma nova forma de fabricação digital sob demanda e assim por diante.”

Reunião com Haddad e impostos

Sobre as medidas do governo para ampliar a arrecadação de impostos sobre as vendas feitas por empresas de e-commerce internacionais no país, o chairman da Shein na América Latina disse que o governo brasileiro “fez a coisa certa” ao manter a isenção do imposto de importação em compras de até US$ 50 para pessoas físicas. “Isso nos dá muito mais convicção de que queremos continuar investindo no Brasil, estamos felizes com o resultado”, disse Claure.

Na quarta-feira (19), o governo brasileiro recuou na decisão de taxar produtos importados nos valores citados, planos que atendiam a uma reivindicação de grandes empresas de varejo do Brasil e que poderiam representar uma arrecadação extra de R$ 8 bilhões ao ano, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.

Essa cobrança afetaria grandes empresas asiáticas do e-commerce que vendem no Brasil, como a Shopee, da Sea (SE), de Singapura, e a chinesa AliExpress, do Alibaba (BABA), além da Shein.

Claure afirmou à Bloomberg Línea que disse ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que, hoje, as regras não estão claras.

“Há confusão no mercado, existe a isenção ou não existe a isenção. Meu conselho para ele [o ministro] foi definir as regras, quaisquer que sejam, e ficaremos muito felizes em cumpri-las”, disse o executivo da Shein. Haddad disse que o governo vai tentar coibir abusos e eventuais ilegalidades com maior fiscalização.

“Expressamos a Haddad que cumpriremos qualquer regra que o governo estabeleça para todos. Para deixar nosso compromisso muito claro, deixamos uma carta assinada por mim e pelo nosso CEO dizendo que estamos comprometidos com o Brasil, comprometidos em criar 100.000 empregos e comprometidos em permitir que 2.000 fabricantes brasileiros fabriquem nossos produtos”, disse Claure.

Haddad, por sua vez, disse que a Shein pediu uma reunião na quinta-feira pela manhã para anunciar que iria aderir ao plano de conformidade da Receita Federal e que estava disposta a fazer o que for necessário para normalizar relações com Ministério da Fazenda.

Se a chamada regra de conformidade com a Receita for válida para todas as empresas do setor, a Shein disse que vai absorver os custos e não repassará ao consumidor, segundo Haddad.

“Haddad, no final das contas, é a autoridade, e o governo brasileiro decidirá qual é a melhor maneira de gerenciar os diferentes marketplaces e os marketplaces transfronteiriços, e nos conformaremos com qualquer regra que eles estabelecerem”, disse Claure.

“Tudo o que pedimos são regras claras de engajamento, e que isso se aplique a todas as empresas. E desde que seja assim, nos sentimos muito confortáveis porque temos um modelo de negócios superior.”

-- Atualizada em 25/4/2023, às 10h40, para esclarecer que o plano da Shein inclui tanto a venda de peças produzidas no país por parceiros e também a comercialização de vendedores locais por meio do seu marketplace. O objetivo é ter 85% das vendas no Brasil sendo realizadas destas duas formas até 2026.

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