Bloomberg Línea — A gigante japonesa Nippon Steel voltou a ficar sob holofotes após firmar um acordo, no final de março, que deu ao grupo ítalo-argentino Ternium o controle da Usiminas (USIM5). Com a decisão, que ainda precisa de aprovação do órgão antitruste, crescem as dúvidas sobre a atuação da Nippon no Brasil e na região.
Em entrevista à Bloomberg Línea, o CEO do grupo japonês na América do Sul, Yuichi Akiyama, afirmou que a mudança no controle da Usiminas é positiva e contribuirá para a siderúrgica brasileira tomar decisões acertadas e céleres rumo à descarbonização.
Em sua visão, o sócio ítalo-argentino conhece bem o continente e tem uma ampla rede de negócios, o que deve beneficiar a siderúrgica brasileira.
“Com essas características, [a Ternium] pode exercer uma liderança mais forte na Usiminas, se comprometendo mais com a empresa e puxando a gestão com mais força e presença”, disse.
O executivo afirmou que não há definição sobre a possibilidade de o grupo vender a fatia restante de 22,8% do capital da Usiminas caso o acordo com a Termium seja aprovado pelo Cade e ressaltou que a Nippon não está desistindo da Usiminas.
“Chegou-se à conclusão de que, em vez de ter dois acionistas buscando posições equilibradas, era melhor ter um praticando a liderança e o outro dando apoio”, disse.
Akiyama destacou que a Nippon continuará provendo apoio técnico à Usiminas e que, apesar da participação reduzida na companhia, o grupo estuda novas frentes de atuação no país, como a utilização de gás natural e hidrogênio no processo produtivo de aço.
Sobre o novo governo, Akiyama salientou que o Brasil ainda sofre de um imenso déficit de infraestrutura, o que resultará necessariamente em demanda de aço.
“Não conheço as medidas de estímulo do novo governo para o nosso setor, mas ainda falta muito para o Brasil completar sua infraestrutura. É preciso melhorar as estradas, ampliar a rede ferroviária, toda parte logística precisa de investimentos e de aço. Eu espero que o novo governo faça as medidas necessárias para apoiar o setor”, observou o executivo.
Confira, a seguir, os principais destaques da entrevista, editada para fins de maior clareza:
Por que houve a decisão de vender a fatia para a Ternium? A sociedade não deu certo?
Yuichi Akiyama: Parece que, com essa decisão, a Nippon estaria desistindo da Usiminas, mas a mudança é positiva, deveria ser vista com bons olhos. No passado, a Ternium e a Nippon tiveram conflitos em relação à governança da Usiminas, e depois de tudo resolvido, em 2018, firmamos um novo acordo de acionistas.
Olhando pelo retrovisor dos últimos cinco anos, as duas empresas conseguiram fazer uma gestão muito boa dentro da Usiminas. Um exemplo disso é o seu balanço financeiro. Em 2022, tivemos um resultado um pouco abaixo de 2021, entretanto, foi muito bom. Acho que isso mostra que as duas partes conseguiram trabalhar em sintonia.
A Ternium já atua na América do Sul, é uma das maiores siderúrgicas do continente e tem uma ampla rede de negócios no mercado sul-americano. Com essas características, pode exercer uma liderança mais forte na Usiminas, se comprometendo mais com a empresa e puxando a gestão com mais força e presença.
Por sua vez, a Nippon continuará apoiando tecnicamente a Usiminas, essa seria a melhor alternativa para a companhia, bem como para seus acionistas, funcionários e stakeholders.
Essa decisão foi muito difícil, nós temos uma relação de 60 anos, é uma longa história, desde a sua fundação, mas foi tomada pensando no melhor futuro para a Usiminas.
Como fica o futuro da Usiminas?
Agora, olhando para o futuro, a Usiminas tem desafios para renovar seu parque industrial, que já tem 60 anos, é um desafio grande. Outra questão muito importante para as duas usinas, Ipatinga (MG) e Cubatão (SP), é o tema ambiental, que precisa ser discutido cuidadosamente, incluindo investimentos.
Olhando para esses desafios, que são gigantescos, para a Usiminas prosperar no futuro é preciso fazer mudanças com rapidez. Isso é condição indispensável, e a Ternium compartilhou esse entendimento conosco.
Essas mudanças têm que ser colocadas em prática com intensidade e chegou-se à conclusão de que, em vez de ter dois acionistas buscando posições equilibradas, era melhor ter um praticando a liderança e o outro dando apoio.
O acordo prevê que a Nippon pode vender o restante de suas ações para a Ternium daqui a dois anos. O grupo vai deixar a Usiminas?
Não há nenhuma definição neste momento sobre essa participação. Quando se firma um acordo de acionistas, sempre é colocado esse tipo de opção entre as partes. É uma cláusula que o próprio mercado pratica.
Com a venda da fatia na Usiminas, como fica a atuação da Nippon no Brasil?
O Brasil possui diversos recursos naturais, um deles é o minério de ferro de boa qualidade. Também tem geração de energia renovável em abundância, desde hidrelétricas até fotovoltaica e eólica, além de projetos de implantação de plantas de hidrogênio verde, que seria um dos insumos mais importantes para a descarbonização.
Partindo do pressuposto que este é um tema primordial na nossa agenda, a Nippon vai traçar sua estratégia avaliando as possibilidades locais, considerando esse potencial do Brasil.
No tema da descarbonização, nenhum país do mundo encontrou uma solução definitiva, todo mundo está estudando as alternativas. Nós vamos buscar as possibilidades.
Há projetos específicos sendo avaliados?
Já temos várias alternativas em avaliação, mas projetos ainda não. Esse processo vai demandar um recurso financeiro gigantesco, temos que colocar todas as alternativas sobre a mesa e estudar de forma ampla, buscando a melhor e mais viável.
Sobre o apoio técnico que o sr. mencionou, a Usiminas inicia agora uma grande reforma do Alto-Forno 3 em Ipatinga, em um investimento de R$ 1,2 bilhão. Haverá um acordo para a Nippon executar esse serviço?
A última reforma do alto-forno 3 foi em 1999. É o maior equipamento da Usiminas, o mais importante. Haverá modernização de seus controles, com implantação de inteligência artificial. Vai ser uma obra gigante, complexa, com montante financeiro grande.
A Nippon tem mais de 10 usinas no Japão, com uma grande experiência na reforma de altos-fornos. Concluir essa obra em 110 dias, conforme o planejado, vai ser um desafio grande, considerando o volume do alto-forno 3, nunca houve uma reforma na região em um prazo tão curto.
Se a Usiminas conseguir realizar isso vai ser um recorde. Para tanto, será preciso apoio da Nippon Steel, que vai colocar todo o seu know-how, desde a fase de planejamento até a execução. Vai ser, sim, um exemplo do que eu me referi de suporte.
A unidade de Cubatão é antiga e precisa de muito investimento. No cenário atual, haverá recursos para atualizar o parque?
Por enquanto, não há nenhum projeto aprovado, as áreas primárias foram paralisadas temporariamente. A usina de Cubatão é um dos desafios que a companhia precisa encarar e não podemos deixar de falar de descarbonização nesse processo. No passado, essa pauta não existia, agora o tema tem que fazer parte das discussões sobre o que precisa ser feito nas áreas primárias da unidade.
Qual a sua visão sobre o mercado siderúrgico em um cenário global de juros elevados, crise dos bancos, guerra?
Fatores como guerra e inflação global obviamente afetam a siderurgia brasileira. Se olharmos o consumo doméstico de aço, [a indústria do] Brasil pode crescer mais, tem potencial para isso. Aço é uma matéria-prima que, em nossa visão, não vai ter alteração de demanda, pode ter um crescimento constante.
E sobre os juros no Brasil?
A inflação está rodando na faixa de 5% a 6%, acalmou um pouco. O Brasil sempre trabalhou com controle da inflação através de juros e essa política, na minha visão, foi correta, conseguiu trazer resultados. Diante da situação mais estável, agora precisamos estimular a atividade industrial, os investimentos, bem como o consumo das famílias. Para apoiar tudo isso, acredito que hoje haveria espaço para reduzir juros com o objetivo principal de estimular a economia. Assim eu espero.
Qual é a aposta do grupo globalmente para os próximos anos?
O processo de descarbonização demandará o desenvolvimento de novas tecnologias, esse tema tem sido discutido no mundo inteiro.
Uma alternativa para tentar antecipar a neutralização de carbono enquanto ainda não se estabelece o hidrogênio como nova tecnologia na siderurgia é, por exemplo, derreter a sucata de aço com energia renovável.
Outra opção é usar o gás natural como redutor do minério de ferro, porque emite menos dióxido de carbono se comparado ao carvão. A Nippon está olhando para todas as possibilidades e procurando a melhor solução para esse processo.
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