Opinión - Bloomberg

Será que todos os nossos chefes acham que nós fazemos ‘mimimi’?

Vídeo que mostra CEO da MillerKnoll, Andi Owen, pedindo a funcionários que trabalhem e não se preocupem com bônus acaba com a imagem do corporativismo educado

E se seu chefe também estiver secretamente farto de seus subordinados? (Stefan Wermuth/Bloomberg)
Tempo de leitura: 4 minutos
Últimas cotações

Bloomberg — “Tudo bem sentir pena de si mesmo, mas não pode ser para sempre” é um conselho muito bom se o contexto for uma reunião de mentoria com um funcionário jovem e promissor, mas um pouco arrogante, que acabou de sofrer um revés. Mas é completamente inadequado se você for CEO de uma empresa de 11 mil funcionários que está tentando incentivar os trabalhadores a encarar o desafio de vender móveis para escritórios na era do trabalho remoto.

LEIA +
O preço do trabalho remoto em Manhattan, centro financeiro global: US$ 12,4 bi

As imagens da CEO da MillerKnoll, Andi Owen, oferecendo esse conselho em uma videoconferência vazaram e geraram fortes retaliações nas mídias sociais. A empresa – formada após a fusão de Herman Miller e a rival Knoll – enfatizou que o vídeo mostra apenas 90 segundos de um discurso de 75 minutos, e afirma que foi retirado do contexto.

Owen rapidamente foi cancelada nas redes, talvez porque a versão da CEO que vimos no vídeo se encaixa perfeitamente na ansiedade do trabalhador no pós-pandemia. Será que nossos chefes acham que somos reclamões?

A paranoia prospera na inautenticidade educada que o ambiente de trabalho frequentemente exige. A versão de Owen retratada no vídeo parece oferecer a confirmação de que executivos que parecem razoáveis e graciosos em público estão secretamente fartos de seus funcionários.

PUBLICIDADE

O trecho do vídeo que viralizou começa com declarações de empatia que agora esperamos de líderes corporativos em tempos difíceis. “O mais importante que podemos fazer agora é focar nas coisas que podemos controlar”, começa Owen. E isso é “prestar o melhor serviço possível ao cliente, entregar os pedidos, tratar bem uns aos outros, sermos gentis, respeitosos, focar no futuro porque ele será brilhante”. Até aí, tudo bem.

Mas então sua raiva e frustração começam a transparecer. “Não pergunte, ‘o que vamos fazer se não recebermos um bônus?” diz ela, retomando o conselho que recebeu de um ex-chefe – o infame comentário sobre sentir pena de si mesmo. Ela concluiu com “Obrigada e tenham um ótimo dia”, fingiu que jogou o microfone no chão e sussurrou a palavra “boom”.

LEIA +
Mais empresas adotam semana de quatro dias. Mas é moda passageira?

As manchetes imediatamente apontaram a hipocrisia de um executivo que diz aos funcionários não se preocuparem com seus bônus. É insensível, principalmente considerando que na maioria das empresas que distribuem bônus, a palavra “bônus” descreve uma parte essencial da remuneração dos funcionários, não um ganho inesperado. O não pagamento desses valores sugere problemas financeiros. As decisões sobre os bônus na MillerKnoll ainda não foram tomadas, inclusive para a CEO, já que seu exercício fiscal ainda não terminou.

PUBLICIDADE

Mas a repentina mudança para as reclamações é o que realmente dá ao vídeo seu impacto emocional. Humanos anseiam por uma certa validação de figuras de autoridade. Mas e se os nossos chefes estiverem todos tão exasperados em segredo?

Um certo medo por parte dos funcionários trouxe à luz momentos semelhantes de inocência gerencial. Quando o CEO do JPMorgan Chase (JPM) Jamie Dimon disse que o trabalho remoto “não funciona” e chamou os diretores-gerentes de volta ao trabalho presencial cinco dias por semana, outros trabalhadores se perguntaram se seus chefes fariam o mesmo.

Quando um gerente é flagrado dizendo que está “cansado de ser babá de funcionário”, a declaração viraliza porque trabalhadores se preocupam se seus supervisores pensam o mesmo.

A preocupação é de certa forma fundamentada na realidade. Muitas empresas instalaram software de monitoramento de comportamento em suas máquinas porque os líderes não confiam na equipe.

PUBLICIDADE
LEIA +
Trabalhadores que deixaram grandes cidades na pandemia enfrentam nova realidade

E executivos recentemente admitiram ao Wall Street Journal que estão “cansados das reclamações” dos funcionários e que admiram – e secretamente desejam poder imitar – o estilo abrasivo do CEO do Twitter (TWTR) Elon Musk. Em vez disso, somente os mais poderosos podem rotineiramente deixar transparecer sua versão sem filtros.

CEOs mulheres enfrentam uma pressão específica para esconder sua frustração com funcionários por meio de uma máscara de empatia. Décadas de pesquisa constataram que se espera que líderes mulheres sejam calorosas, mas o mesmo não ocorre com seus colegas homens. Ao mesmo tempo, as mulheres não podem parecer “muito simpáticas” ou acabam consideradas incompetentes.

Na primeira parte do vídeo, Owen dá uma aula sobre como lidar com essa saia justa. É consistente com a versão que ela passou em uma entrevista ao New York Times em 2021, quando falou sobre seus cargos de liderança na Herman Miller e na Gap, onde começou trabalhando como vendedora.

PUBLICIDADE

Mas essa não é a versão vista ao fim do vídeo, em que a repentina revelação de um chefe mais duro e criterioso vem como um choque. Para um funcionário, é alarmante. Mas um executivo talvez sinta inveja.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Sarah Green Carmichael é editora da Bloomberg Opinion. Anteriormente, era editora-gerente de ideias e comentários na Barron’s e editora executiva na Harvard Business Review, onde apresentava o podcast “HBR IdeaCast.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Por que a geração Z está mais infeliz no trabalho do que outros grupos

Como as demissões em Wall Street e nas big techs reduzem a pressão inflacionária