Bloomberg Línea — “Os sete samurais.” É assim que ficaram conhecidos os jovens engenheiros de Minas Gerais que embarcaram para o Japão, no final da década de 1950, para aprender a tecnologia a ser implementada na Usiminas (USIM5), siderúrgica que estava para nascer no Brasil. A história é contada com orgulho por funcionários que assistem agora a um novo capítulo da disputa societária dentro do bloco de controle da empresa brasileira – que pode ser um divisor de águas.
A Usiminas nasceu estatal, com participação de capital japonês e de 14 empresas siderúrgicas do Japão, incluindo a Nippon Steel. De lá para cá, a companhia passou por um processo de privatização no início dos anos 1990, adquiriu a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa) – que também já foi estatal – e passou por inúmeras disputas societárias.
A última teve desfecho no fim do mês passado, quando a Usiminas anunciou um acordo entre seus acionistas. A Ternium (TX) assumirá o controle da companhia, após compra de fatia relevante da Nippon Steel por aproximadamente R$ 690 milhões. Se o acordo for aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o conglomerado japonês passará a deter cerca de 22,8% das ações ordinárias (com direito a voto) da Usiminas e o grupo ítalo-argentino, 49,5%.
A mudança ocorre após 60 anos de hegemonia da Nippon na siderúrgica brasileira. A influência do conglomerado foi tão expressiva ao longo das décadas que a cultura japonesa acabou se espalhando pela pequena Ipatinga, município de 265 mil habitantes a 210 quilômetros de Belo Horizonte, onde a Usiminas tem sua principal operação, com três altos-fornos que produzem o aço bruto.
Em Cubatão, na Baixada Santista, também houve influência do grupo nipônico, embora em menor grau. Engenheiros e operadores da antiga Cosipa sempre tiveram uma relação próxima com os “japoneses” da Nippon Steel, relatam funcionários e ex-funcionários.
No entanto isso começou a mudar com a chegada, em 2012, do grupo ítalo-argentino Ternium, da Techint – conglomerado industrial controlado pela bilionária família italiana Rocca –, ao bloco de controle da Usiminas, após compra da fatia da Votorantim e da Camargo Corrêa. O choque foi imediato, embora o grupo argentino já tivesse uma joint-venture com a Nippon no México, relatam quase uma dezena de fontes ouvidas pela reportagem da Bloomberg Línea.
“Desse pequeno namoro no México nasceu um casamento, mas os dois grupos nunca tinham assumido uma operação tão grande como a Usiminas. Não deu certo, não teve empatia. Quase levou a empresa para o buraco”, disse um executivo ligado aos grupos, que falou sob condição de anonimato.
Procuradas, a Usiminas e a Ternium não quiseram comentar.
“São estilos muito diferentes. Os japoneses planejam mais, maturam investimentos no longo prazo. Os argentinos são imediatistas e isso incomodou a Nippon desde o início”, afirmou um ex-executivo do alto escalão da Usiminas, que falou sob sigilo porque as informações são privadas.
A fonte contou que, após inúmeras disputas internas, algumas que inclusive se tornaram públicas, os executivos da Nippon se viram diante de uma situação insustentável.
“Apesar da convivência aparentemente pacífica, a relação já estava desgastada demais. A Usiminas foi o primeiro investimento externo em grande escala do Japão após a Segunda Guerra Mundial, é assustador como eles [Nippon] estão abrindo mão disso”, observou.
Para um executivo ligado à Usiminas, a decisão já era esperada. “Um dos dois [acionistas] compraria a fatia do outro, isso já era esperado. Os dois como controladores era uma situação insustentável”, afirmou. Em sua avaliação, a Ternium tem uma clara visão de crescimento na América Latina. “O mesmo não dá para se dizer sobre a Nippon”, avaliou.
O CEO da Nippon Steel na América do Sul, Yuichi Akiyama, afirmou em entrevista à Bloomberg Línea que a mudança no bloco de controle é positiva, principalmente diante do enorme desafio de descarbonização que a Usiminas tem pela frente.
“Após as discussões, chegou-se à conclusão de que ter um acionista praticando uma liderança mais forte e o outro dando apoio seria o modelo ideal para se tomar decisões de forma rápida”, disse.
O executivo lembrou que a Ternium é uma das maiores siderúrgicas da América do Sul, com uma ampla rede de negócios. “A Ternium conhece bem o continente e o mercado sul-americano. Com essas características, pode exercer uma liderança mais forte na Usiminas, se comprometendo mais com a empresa”, disse Akiyama. “A Nippon continuará apoiando tecnicamente a Usiminas. Essa foi a melhor alternativa para a empresa, bem como para acionistas, funcionários e stakeholders”, acrescenta.
Independência em xeque
Fontes ouvidas pela Bloomberg Línea não descartam o risco de a Usiminas se tornar apenas mais um “braço” da Ternium na região, perdendo seu protagonismo na indústria local.
“Cada vez mais a Usiminas se tornará um braço de crescimento da Ternium e se isso se confirmar, não sei se faz sentido permanecer como companhia de capital aberto”, diz um executivo ligado às empresas acionistas.
A Ternium encerrou 2022 com receita líquida de US$ 16,4 bilhões, cerca de R$ 80 bilhões.
Além de operações na Argentina, México, Colômbia, Estados Unidos e América Central, no Brasil a Ternium detém a unidade de tubos de aço Tenaris, em Pindamonhangaba, no interior de São Paulo, e a antiga Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), nascida de uma joint venture entre a Vale e a Thyssenkrupp no Rio de Janeiro e posteriormente adquirida pela Ternium em 2017, por cerca de 1,5 bilhão de euros.
A unidade do Rio é a principal fornecedora de placas de aço para a usina de Cubatão da Usiminas, que hoje só opera laminados. A chamada “área primária”, com alto-forno e produção de aço bruto, foi desligada em 2016.
Com isso, o complexo industrial da Baixada Santista, de mais de 12 milhões de metros quadrados e um porto privado em suas instalações, está operando apenas para um equipamento. Segundo funcionários ouvidos pela reportagem, a unidade está cada vez mais deteriorada.
Na avaliação de especialistas consultados pela Bloomberg Línea, o caminho natural para Cubatão é a integração com a CSA. “Algumas otimizações podem ser atingidas com a mudança societária. A integração de placas da CSA (e Cubatão) é uma delas”, afirma o analista de siderurgia do Itaú BBA, Daniel Sasson.
Ele acrescenta que, para religar as áreas primárias de Cubatão, teria que haver uma mudança estrutural de demanda de aço no Brasil para justificar o investimento. “O capex necessário em Cubatão é gigante. Nosso cenário base é a Usiminas manter (a estrutura) como está.”
Para um executivo do mercado de aços planos, a Usiminas “definitivamente” vai ser um braço da Ternium. “Assim como (a usina) Tubarão é da ArcelorMittal”, diz.
Ele ressalta que, no longo prazo, há a perspectiva de união entre a CSA e a Usiminas em Cubatão. Isso porque, atualmente, a brasileira depende da compra de placas da CSA, da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP) e até de importação, relata a fonte. “No futuro, a CSA poderia fazer todo o abastecimento de placas (de Cubatão).”
Investimentos
O head de metais e mineração América Latina do Santander, Rafael Barcellos, afirma que o fôlego financeiro do setor siderúrgico como um todo é significativo. “As empresas conseguiram fazer a lição de casa, estão com balanço forte e a Usiminas não é exceção. Pelas métricas de alavancagem e liquidez, a companhia está preparada para quaisquer investimentos”, avalia.
Uma das principais decisões a serem tomadas envolve a Mineração Usiminas, rentável negócio de minério de ferro da companhia. A empresa precisa decidir em breve sobre a extensão da vida útil de sua mina, já que o processo é complexo e custoso -- trata-se de um projeto na casa de bilhão de dólares, estimam analistas.
Ao mesmo tempo, a companhia precisa modernizar seu antigo parque siderúrgico. Em termos de prioridades, a reforma do alto-forno 3 de Ipatinga é a principal delas.
A empresa anunciou recentemente um investimento de R$ 1,2 bilhão para a reforma do principal equipamento de Ipatinga em 2023. A última atualização foi feita há cerca de 20 anos. Para realizar esse tipo de procedimento, o alto-forno é desativado temporariamente e, além da enorme complexidade, há inúmeros riscos envolvidos.
O CEO da Nippon cita a reforma como exemplo de “apoio técnico” que o grupo deve prover na sociedade. “A Nippon tem uma grande experiência na reforma de altos-fornos. Se a Usiminas conseguir concluir essa obra gigantesca em 110 dias, conforme o planejado, o mercado vai se surpreender”, afirma.
Apesar do lucro líquido de R$ 2,1 bilhões em 2022, o segundo maior dos últimos 14 anos, e da receita líquida de R$ 32,5 bilhões no período, a segunda maior da história, a Usiminas mantém um histórico de estagnação na última década, com poucas mudanças em termos de volumes de vendas.
Fontes do mercado estimam que a Usiminas tem cerca de um terço do market share de aços planos no Brasil. Conhecida pela liderança em aços longos (usados na construção civil), a Gerdau vem promovendo uma ofensiva no segmento de planos com sua operação relativamente nova de Ouro Branco (MG), o que vem incomodando as rivais. Já a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), de Benjamin Steinbruch, e a gigante global ArcelorMittal ocupam espaços praticamente similares neste mercado.
“A Usiminas tem uma operação grande, é um player importante, independentemente de estar embaixo de um grupo maior. Do ponto de vista operacional e estratégico, pouca coisa muda com a Ternium comprando essa participação da Nippon”, avalia o analista do Itaú BBA, Daniel Sasson.
O acordo entre a Ternium e a Nippon possui uma cláusula que prevê que a japonesa poderá vender o restante de suas ações para o grupo argentino em dois anos.
Akiyama afirma que essa é uma prática comum no mercado. Questionado se a Nippon pode sair da Usiminas, o executivo foi breve. “Neste momento, não há nenhuma definição sobre essa participação.”
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