Queda de juro no país não depende só de inflação e EUA podem impactar, diz JGP

Em entrevista à Bloomberg Línea, Evandro Mota, sócio-gestor de fundos multimercados da JGP, aponta riscos decorrentes de restrições de crédito na economia americana

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Bloomberg Línea — Uma restrição de crédito nos Estados Unidos que altere indicadores econômicos mais amplos pode impactar o Brasil, que já oferece um cenário desafiador, com aperto nas concessões e aumento da inadimplência. É o que avalia Evandro Mota, sócio-gestor dos fundos multimercados da JGP.

“Não precisa ser um 2008 para sentirmos os efeitos aqui”, disse ele em entrevista à Bloomberg Línea, referindo-se à crise financeira do subprime.

Com cerca de R$ 35 bilhões em ativos sob gestão, a asset carioca JGP, fundada por André Jakurski, completa 25 anos em 2023 e está entre as mais tradicionais do país.

O multimercado é a maior e mais antiga estratégia da casa, em operação desde 1998, seguida pela de ações (2008) e de crédito (2014). Agora, a nova aposta é no mercado de real estate, com a JGP lançando uma família de fundos imobiliários.

“Por mais que vejamos revisões para cima do PIB (muito por causa do agro), quando falamos com os bancos e os analistas de crédito, não vemos essa pujança toda. Achamos que há um receio por parte do tomador (cercado de incerteza) e do banco (restrições)”, disse.

Mota disse que a economia brasileira tem sentido o aperto no crédito, principalmente ligado aos juros elevados, mas que o país ainda tem um ambiente de emprego razoável e cenário inflacionário sustentado – não muito diferente do visto em outros países da América Latina, como o México.

Os investidores vão monitorar de perto os balanços dos grandes bancos nas próximas semanas em busca de sinais sobre os efeitos da eclosão da crise da Americanas (AMER3), juros mais altos e aperto na concessão de crédito. O primeiro a ser divulgado será o do Santander (SANB11) na próxima terça-feira (25).

Em relatório nesta semana, o UBS BB destacou que a crise da Americanas, somada à uma desaceleração econômica, mudou a dinâmica do crédito corporativo no país.

Os analistas Thiago Batista e Olavo Arthuzo, que assinam o relatório, destacaram que a originação de empréstimos corporativos não rotativos diminuiu significativamente, os spreads aumentaram e as provisões dos bancos para o segmento aumentaram, juntamente com seus índices de inadimplência.

Selic não depende só da inflação

Para Mota, o Banco Central tem espaço para cortar os juros ao longo deste ano, mas tudo vai depender da forma como essa sequência de eventos locais e novidades na cena externa vai se desenrolar. “Se tivermos um cenário de piora do crédito e dos níveis de emprego, não é preciso nem ver a inflação – mesmo com o arcabouço fiscal.”

Segundo ele, um corte da Selic pelo BC não depende de um movimento semelhante pelo Federal Reserve, nos EUA. “Inclusive, acho que se o Fed cortar os juros neste ano é porque deu problema [na economia] mesmo, não porque a inflação ficou boa. Não faz sentido nenhum o Fed cortar o que está sendo precificado na curva”, afirmou.

Na avaliação do gestor da JGP, o ambiente está abrindo condições para um nível menor de juros no país. “Não acho que a nível de 7%, mas tem chance de que daqui um mês os 13,75% possam parecer altos demais, podendo ficar em 13,25%, por exemplo. Se for feito com essa calma, é um cenário positivo para ativos de risco. Óbvio que se não for porque a economia tomou um sudden stop, porque parou.”

Nos últimos meses, o presidente Lula e membros do novo governo têm criticado o patamar da Selic de 13,75% ao ano e a meta de inflação, questionando inclusive a independência prevista em lei do Banco Central e o papel do presidente da autoridade monetária Roberto Campos Neto.

Para o gestor, um corte da Selic seria benéfico para a bolsa brasileira, desde que ele não tenha teor político. Além disso, se a discussão de uma mudança na meta de inflação de 2025 for feita em um arcabouço com “tecnicidade”, pode ser justificável, avaliou.

“Faz sentido o Brasil ter uma meta de inflação de 3%? Eu acho que não faz sentido algum. Poderia ser de 3,5%, mas isso tem que ser feito de forma organizada para não parecer bagunça”, argumentou. “A forma como é feita essa mudança é muito importante.”

Desde que a primeira versão do arcabouço fiscal foi apresentada, o mercado reagiu positivamente à redução da incerteza. O Ibovespa (IBOV) voltou a romper novamente o patamar dos 100 mil pontos, enquanto o dólar ampliou as quedas, negociado abaixo dos R$ 5 na última semana.

Cautela em bolsa, aplicado em juros

Com um portfólio com ativos que giram com bastante frequência, apostando em posições mais táticas, a casa tem uma visão cautelosa com as bolsas americana e brasileira.

Enquanto nos Estados Unidos a visão é a de que a bolsa não terá fôlego para ir muito longe, “pois estamos na véspera de uma desaceleração mais forte da atividade”, no Brasil “o cenário para a bolsa é mais nebuloso, pois há perspectiva de desaceleração da atividade econômica, bem como de maior taxação sobre as empresa”, segundo carta mensal enviada aos cotistas.

Com relação aos juros, a JGP tem posição aplicada (à espera da queda das taxas) em alguns países como Brasil e México, que oferecem “mais gordura” para surfar o fechamento da curva.

Nos EUA, os fundos multimercados da JGP têm posições tomadas (que ganham com a alta das taxas) na parte curta da curva de juros, ao passo que no mercado doméstico favorecem posições aplicadas na parte mais longa da curva de juros, por acreditar que os prêmios atuais “embutem um cenário de ausência de melhoria na parte fiscal”.

“Acreditamos também que o Banco Central seguirá mantendo uma postura cautelosa de política monetária, deixando a taxa de juros parada por mais tempo, até que consiga uma convergência das expectativas de inflação para as metas. Por isso, gostamos da posição tomada na parte curta da curva (Jan24)”, completou a JGP em relatório.

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