Americanas é cobrada por aluguéis e sofre despejo de shopping após 30 anos

Falta de pagamento a centros comerciais vira nova fonte de pressão e ameaça aos negócios da varejista após trégua com alguns dos bancos credores; empresa diz ter fechado lojas deficitárias

Americanas alega estar em recuperação judicial para não pagar aluguel de lojas em shopping centers referente ao período anterior a 19 de janeiro
13 de Abril, 2023 | 06:00 PM

Bloomberg Línea — Após obter uma trégua de 30 dias na batalha judicial travada com alguns bancos credores, a Americanas (AMER3) enfrenta ofensiva em outra frente: a dos shopping centers, que cobram aluguéis atrasados (anteriores à data do decreto de recuperação judicial) e pressionam pela desocupação das lojas, a fim de evitar perdas com o calote e a vacância.

O grupo varejista, em recuperação judicial desde 19 de janeiro, sofreu uma ordem de despejo em Vitória, capital do Espírito Santo, e foi obrigado a fechar uma loja de 2.600 metros quadrados na terça-feira (11), que funcionava no local havia três décadas. Desde o início da crise da recuperação judicial, já foram fechadas mais de 20 unidades.

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A companhia deve R$ 11,6 milhões a shoppings espalhados por diversas regiões do país. São cerca de 90 credores de shopping centers. Ao todo, a companhia, que tem como principais acionistas o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, da 3G Capital, declarou à Justiça uma dívida de cerca de R$ 42,5 bilhões para quase 10 mil credores.

Os maiores credores são os bancos. A Americanas deve R$ 26,4 bilhões a 12 instituições financeiras. Entre elas estão o Itaú Unibanco (ITUB4), Bradesco (BBDC4), Santander Brasil (SANB11), BTG Pactual (BPAC11) e Safra, que decidiram suspender temporariamente (30 dias) as ações judiciais contra a varejista, uma das condições previstas no plano de reestruturação apresentado no mês passado para a negociação de um acordo.

No mesmo dia em que anunciava a trégua com esses bancos, a Americanas desocupava o imóvel no Shopping Vitória, um dos maiores da capital capixaba, por decisão judicial. A companhia estava nesse espaço desde a fundação do centro comercial, há 30 anos. Era uma loja âncora do local.

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Shopping Vitória, um dos maiores do Espírito Santo, pertencente ao Grupo Buaiz, conseguiu despejar loja da Americanas na última terça-feira

Procurada pela reportagem, a Americanas confirmou que sua loja no Shopping Vitória encontra-se fechada por “motivos de litígio” oriundo de divergência por parte do shopping sobre o processo de recuperação judicial da companhia.

“O processo de recuperação judicial impede a Americanas de efetuar pagamentos cujo evento de origem seja anterior ao início do pedido realizado e que eventos posteriores à RJ, como aluguéis a estabelecimentos, estão sendo pagos normalmente, conforme determina a legislação”, respondeu a varejista em e-mail enviado à Bloomberg Línea.

Sobre o despejo em Vitória, a Americanas informa que ainda cabe recurso e que está tomando “as medidas judiciais cabíveis” para a reabertura da unidade.

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O Shopping Vitória é o único centro comercial da família capixaba Buaiz, grupo empresarial que atua na indústria de café e de moagem de trigo, bem como na área de comunicação, retransmitindo o sinal das emissoras paulistas Jovem Pan e TV Record.

“A Lojas Americanas está fechada por determinação judicial em razão de ação de despejo movida pelo Shopping Vitória”, confirmou a assessoria do centro comercial em nota.

Como cabe recurso à decisão judicial, a administradora do shopping ainda não pode procurar um novo inquilino para o ocupar o espaço.

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“Com o impedimento legal de pagamento de débitos anteriores à RJ, a companhia vem pleiteando, por vias judiciais, o direito de manutenção de suas atividades nas lojas físicas face às cobranças indevidas de valores inscritos na RJ, fora do procedimento concursal. E destaca que a impossibilidade de despejos fundados em cobranças de débitos anteriores à RJ já foi reconhecida pelo juízo recuperacional”, acrescentou a nota da varejista.

Não é o único shopping que entrou com ação de despejo contra a Americanas na Justiça. Em janeiro, o Tivoli Shopping, administrada pela AD Shopping, em Santa Bárbara D’Oeste, interior paulista, também processou a varejista por falta de pagamento.

Quantas lojas da Americanas vão fechar?

Antes da recuperação judicial, a Americanas dizia ter 1.863 lojas próprias - não entravam na conta cerca de 1.300 com as marcas Local e BR Mania em parceria com a Vibra Energia (VBBR3), que anunciou o fim da joint venture dias depois do pedido de RJ.

De janeiro a março, foram fechadas 17 lojas próprias, conforme relatório protocolado na Justiça do Rio de Janeiro no dia 20 do mês passado. A companhia não atualizou ainda esse relatório e evitou divulgar quantas unidades estão em funcionamento atualmente, mas o número de lojas que foram fechadas já supera a marca de 20, com base nas notícias publicadas pela imprensa local.

Em diversas cidades, a varejista tem fechado lojas desde a revelação do rombo contábil de R$ 20 bilhões, feita no dia 11 de janeiro.

A companhia não informa o número de unidades que pretende fechar este ano.

Em Fortaleza, a companhia encerrou no começo deste mês as atividades de uma unidade no Meireles, bairro nobre da capital cearense, onde um centro de distribuição também havia sido desativado no segundo semestre do ano passado.

Em fevereiro, a Americanas também havia confirmado à reportagem o fechamento de lojas nas cidades de Araraquara e Limeira, no interior paulista. Na cidade mineira de Contagem, também baixou as portas de uma loja de rua, bem como uma unidade no Moinhos Shopping, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O discurso da varejista era de que essas unidades já estavam previstas para serem descontinuadas desde 2022, antes do processo de recuperação judicial.

“O processo de abertura e fechamento de lojas faz parte da dinâmica do varejo. Nos últimos meses, a companhia tanto encerrou operações específicas, avaliadas como deficitárias, quanto inaugurou unidades físicas - foram cinco novas lojas em diferentes cidades, no primeiro trimestre de 2023. Esta movimentação integra o plano de transformação da Americanas, com foco na rentabilidade do negócio”, informa a nota da Americanas enviada à Bloomberg Línea.

Despejo durante a recuperação judicial

Depois do deferimento do pedido de recuperação judicial, em 19 de janeiro, a varejista começou a notificar os centros comerciais e shoppings onde tem lojas físicas de que os aluguéis devidos até a data do deferimento não seriam pagos por causa do efeito de suspensão de cobranças conferido pela recuperação judicial. O comunicado sobre o não pagamento dos valores em aberto informava que os créditos anteriores ao pedido de recuperação estavam com sua exigibilidade suspensa.

“O entendimento que predomina no Judiciário é o de que a recuperação judicial não suspende a possibilidade dos despejos. Isto é, se uma empresa varejista está em recuperação judicial e deixar de pagar os aluguéis, isso não impede que o locador peça o despejo e execute os garantidores desse contrato”, disse o advogado Daniel Cerveira, especialista em varejo e direito empresarial, que não tem relação com o caso Americanas.

Mesmo que a varejista consiga suspender a exigibilidade dos créditos, não existe uma ferramenta legal que impeça que o shopping ou locador peça o despejo e execute a garantia, acrescentou o advogado. Ele observou, porém, que existe uma outra corrente jurídica que defende que manter as lojas funcionando é essencial para a saúde financeira da empresa.

(Atualiza às 18h54, do dia 14/03, com nota detalhada da Americanas)

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.