Bloomberg Línea — Um dos maiores grupos de mídia do Brasil sentiu uma retração do mercado publicitário no primeiro trimestre, mas prevê uma recuperação ao longo deste ano e planeja novos investimentos. O Grupo Jovem Pan pretende ampliar os estúdios na sua sede na avenida Paulista, em São Paulo, e criar um canal em vídeo voltado para a música e entretenimento, revelou o CEO da companhia, Roberto Araújo.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Araújo disse que o grupo paulista estuda a expansão de sua plataforma de distribuição de conteúdo com o objetivo de aumentar sua audiência e atrair novos anunciantes. A companhia está de olho na tendência global identificada pelo acrônimo FAST (Free Ad-Supported Streaming), serviços gratuitos de streaming de TV sustentados por anúncios. Nos Estados Unidos, plataformas como Roku Channel, Amazon Freevee, PlutoTV e Peacock operam no modelo.
“Vamos crescer principalmente em novas formas de distribuição de conteúdo. As ondas grandes de disrupção ainda estão por vir. Estamos vendo e testando grande parte delas. O FAST TV já é uma realidade nos EUA e na Europa, mas ainda mal entrou no Brasil. Já fomos o primeiro canal de notícias a entrar na plataforma da Samsung, em que temos até 350 mil pessoas assistindo por dia”, afirmou.
Desde outubro de 2021, o grupo de mídia, que nasceu como emissora de rádio na década de 1940, atua também como canal de TV por meio da Jovem Pan News, com uma programação 24 horas por dia, enfrentando a concorrência direta com canais como GloboNews e CNN Brasil.
“Em apenas um ano e meio, já consolidamos o segundo lugar na audiência. Em alguns momentos, chegamos a superar a GloboNews no ano passado”, destacou Araújo.
O Grupo Globo, maior conglomerado de mídia do país e dono da GloboNews, anunciou há poucos dias dezenas de cortes na área de jornalismo e teledramaturgia mesmo após reportar um lucro de R$ 1,253 bilhão em 2022. A holding da bilionária família Marinho tem dívida de R$ 5,7 bilhões, segundo a agência de classificação de risco Fitch, que colocou o seu rating em perspectiva negativa em dezembro.
O Grupo Jovem Pan também tem reestruturado suas equipes de jornalistas e comentaristas desde o último trimestre de 2022, marcado pela eleição presidencial. “Não temos compromisso com o fracasso. Temos o DNA da inovação. Se a audiência não está satisfeita com o conteúdo, tiramos do ar”, disse Araujo, que desvinculou mudanças no grupo ao resultado das eleições de 2022 e aos atos contra instituições da democracia - as sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário - no começo do ano.
Confira trechos da entrevista com o CEO da Jovem Pan, editada para fins de clareza.
A Jovem Pan perdeu anunciantes após a derrota do então presidente Jair Bolsonaro em outubro e a cobertura dos atos antidemocráticos em Brasília, em janeiro?
Não confirmamos a saída de nenhum anunciante. O relacionamento com o mercado publicitário vai muito bem. Há criadores de fake news, grupos terorristas digitais que inventam narrativas de que a Jovem Pan está em crise. Existe uma retração no mercado em geral, que não está aquecido. Sofremos em janeiro e fevereiro, que não costumam ser meses muito bons, mas a saúde financeira da empresa vai muito bem. Temos entregado crescimento de audiência e buscado investir em novas verticais.
Sites especializados em TV noticiaram que o empresário Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, teria deixado o comando do grupo devido às críticas à cobertura da Jovem Pan sobre a invasão das sedes do Três Poderes por manifestantes em janeiro. É verdade?
Assumi a presidência do grupo no final de dezembro, antes das manifestações. Era uma ideia antiga do Tutinha de se afastar do cargo, já que eu cuidava do dia-a-dia da empresa. A mudança não tem relação com os atos. O Tutinha é um dos sócios. Obviamente, ele tem escritório aqui. É um gênio da comunicação, sabe o que funciona e o que não funciona. Sempre o escutamos. Ele é um mentor.
Afinal, a Jovem Pan mudou a linha editorial após a vitória de Lula?
Crescemos muito desde nossa estreia como canal de TV há um ano e meio. As críticas têm a ver com o nosso crescimento no mercado. Estamos incomodando. Quem não incomoda não gera crítica. E ainda estamos longe de onde queremos chegar. A Jovem Pan não faz ativismo político. Fazemos jornalismo de opinião, porque a audiência já encontra todos os relatos dos fatos no celular após acordar.
O sucesso da Jovem Pan se deve ao entendimento de que a audiência jovem busca ouvir opiniões divergentes e tirar sua própria conclusão. Tínhamos os extremos dos dois lados. Não temos vergonha de mudar quando erramos. Resolvemos cortar os extremos. A Jovem Pan nunca foi nem nunca será a voz do bolsonarismo. Defendemos em editorial o respeito ao resultado da eleição.
O Brasil não pode ficar refém de um eterno Fla-Flu. Nossos microfones estão abertos para o Lula, já o convidamos para falar desde a campanha e já estamos entrevistando ministros.
Na avaliação do senhor, há uma crise do setor de mídia no Brasil? A Globo, maior grupo do país no segmento, está fazendo cortes de profissionais há mais de um ano para economizar.
Não temos endividamento nem temos o interesse de comprar ninguém. Temos capacidade de crescer com nossa estrutura. Vamos ampliar nossos estúdios em mais um andar no prédio na avenida Paulista. Já temos cinco estúdios de TV. Planejamos fazer mais conteúdo, atacar em outras verticais. Vamos fazer uma realocação interna para abrir espaço para o fim do ano ou o começo do próximo para ter maior capacidade para produzir. Teremos em breve novidades em nossa área de esportes.
Com tantos avanços de tecnologia, o anunciante está mais exigente? Mudou o perfil?
Sim. Ele vem mudando. Existem novos anunciantes com os novos canais de distribuição. Por isso estamos investindo muito na nossa plataforma de dados. Queremos entregar pacotes com produtos e leads mais efetivos. Com nossa plataforma 360º, vamos agregando novos perfis de anunciantes, que buscam novas formas de conteúdo. Não existe mais o anunciante que só procura o break comercial.
A Globo anunciou que vai comprar de 15% a 18% da Eletromidia, entrando no mercado de publicidade out of home (OOH). A Jovem Pan estuda esse segmento também?
A Globo está certa em sua jornada de transformação em uma mediatech. Ela é mais estruturada e faz um trabalho de excelência. Mas não estamos olhando esse segmento. Isso não significa que no futuro não possamos chegar a analisar alguma oportunidade. Não podemos dizer que nunca vamos estar nesse segmento. Só não estamos olhando para isso hoje.
Empresas reclamam do impacto dos juros elevados e alertam para a desaceleração da economia. Varejistas enfrentam dificuldades. Que avaliação o senhor faz dos 100 dias do novo governo?
É muito cedo para avaliar. Existe uma retração no mercado, mas o governo mal chegou. Estamos contratando gente. A situação já está melhorando mês a mês. Acreditamos no Brasil. Neste mês, contratamos o Alexandre Barsotti, que estava no Grupo Band, como novo diretor comercial da Jovem Pan. Desde outubro, estávamos sem diretor comercial, buscando alguém no mercado. Também chegou o André Ramos para ocupar a direção de jornalismo e esportes.
Crescer faz parte do nosso plano, principalmente em novas formas de distribuição de conteúdo. Estamos também fazendo um canal em vídeo mais voltado para música e entretenimento. Queremos estar em todas as plataformas digitais, já estamos nos canais da Samsung, na Pluto TV, e nosso sinal está em qualquer antena no país.
Em novembro, o YouTube decidiu desmonetizar os canais da Jovem Pan, eliminando repasses por anúncios. Segundo a mídia especializada, teria sido em razão de desinformação eleitoral e violações de diretrizes de publicidade da plataforma. Como está hoje essa questão?
Está caminhando para a normalização. Não infringimos qualquer regra, nenhuma política de comunidade. Não recebemos nenhuma resposta sobre o que fizemos de errado. Há várias construções de narrativa nas redes sociais para difamar a Jovem Pan. Nunca nos associamos com coisa errada. Vamos aguardar.
Em março, tivemos 29 milhões de visitantes únicos no YouTube. A rádio continua líder e, no jornalismo, adquirimos a vice-liderança. Tendo audiência, o resto é mais fácil. Difícil é criar um plano comercial mirabolante e ainda ter que buscar audiência.
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