Aquisições, breakeven, valuation e até IPO: o que pensa o cofundador da Rappi

Sebastian Mejia diz em entrevista à Bloomberg Línea que empresa se transformou desde a última rodada em 2021 e que não precisa mais de injeções de capital

Presidente e cofundador da Rappi, o colombiano Sebastian Mejia disse que a startup não precisa captar recursos com investidores
11 de Abril, 2023 | 05:05 AM

Bloomberg Línea — O presidente e cofundador da Rappi, o colombiano Sebastian Mejia, disse que a startup não tem planos para abrir capital, nem mesmo quando a janela para IPOs (ofertas públicas iniciais) reabrir novamente, ainda que haja investidores com capital e apetite por empresas de alto crescimento.

“Não está nos planos e não é uma decisão de ninguém mais do que da Rappi, de sua equipe e de seus fundadores”, disse Mejia em entrevista à Bloomberg Línea.

“Somos uma empresa que tem escala e negócio sustentável, que tem caixa e não precisa de dinheiro de ninguém de fora”, disse o empreendedor, que disse que a startup alcançou o breakeven (equilíbrio entre receitas e despesas) e descartou planos para novas captações.

A Rappi anunciou nesta segunda-feira (10) a aquisição da Box Delivery, startup brasileira de entregas last mile (última etapa do transporte de um produto até a casa do consumidor), por valores não revelados, com pagamento em dinheiro e, principalmente, em ações.

PUBLICIDADE

Segundo o cofundador, o negócio representa uma exceção, e não uma nova estratégia de crescimento inorgânico. “[Aquisições] não fazem parte do DNA [...] Não temos construído a Rappi fazendo aquisições. Simplesmente não é a nossa história. Esta é a única maior aquisição”, disse Mejia.

As declarações ocorrem em um momento em que o mercado especula quais as startups mais preparadas para abrir o capital assim que as condições de mercado permitirem. Muitas das “startups da vez” para a listagem foram eleitas por fundos que estão entre os seus principais investidores.

No fim de março, um dos investidores na Rappi, o managing partner do SoftBank para a América Latina, Juan Franck, disse em entrevista à Bloomberg News que “algumas das empresas do portfólio que estão em estágios mais maduros podem se beneficiar de uma próxima janela de IPOs, uma possibilidade que, de acordo com especialistas de mercado, pode ocorrer no fim deste ano ou no início de 2024″.

O investidor citou empresas como Rappi, Unico, Creditas, Clip, MadeiraMadeira e Kavak como algumas das empresas que se encontram preparadas, hipoteticamente, para uma listagem. Após a entrevista, o Softbank esclareceu que o seu executivo não quis mencionar nenhuma startup em particular.

O SoftBank é um dos investidores da Rappi, que também é apoiada por grandes nomes de venture capital como T.Rowe Price, Sequoia Capital, Tiger Global Management e Andreessen Horowitz.

Segundo Mejia, abrir capital “não é uma decisão de nenhum investidor”. A empresa se tornou um negócio sustentável e não precisa de financiamento externo, segundo ele.

Para especialistas da indústria de startups e de venture capital, no entanto, um IPO é a alternativa mais provável do ponto de vista estatístico.

PUBLICIDADE

Dados do PitchBook que avaliam a probabilidade de uma saída bem-sucedida para investidores de empresas apoiadas por fundos de VC (venture capital) mostram que a Rappi tem 90% de chance de ter uma oferta pública inicial, versus 9% de ser adquirida e 1% de chance de não haver saída. Os percentuais são gerados por um algoritmo de aprendizado de máquina, que levam em conta posicionamento de mercado, indicadores de desempenho da empresa, investidores ativos e atividade de negócios.

Segundo o cofundador, a Rappi seguirá gerando caixa para bancar a operação e crescer e está bem capitalizada. Disse ainda que a startup caminha para ser uma empresa rentável e que o crescimento sustentável é resultado “de muito trabalho nos últimos dois anos”.

“É resultado de crescer o negócio e se tornar um negócio muito mais eficiente. Não é só o foco no lado dos custos mas muito no lado de crescimento e de uma operação que cada vez que cresce gera ainda mais margens”, disse, embora não tenha aberto os números.

“Estamos entre a segunda e a terceira maior empresa privada da América Latina em volumes de vendas e base de clientes e temos negócios muito fortes em nove países”, disse Mejia.

Segundo ele, a Rappi não tem planos de expandir para além da América Latina. “Somos a única empresa que é verdadeiramente local nesse segmento”, disse.

O desafio é também atingir o equilíbrio da operação em diferentes mercados. Na Colômbia, por exemplo, seu país de origem, a Rappi enfrenta potenciais aumentos de custos advindos de uma reforma trabalhista em discussão no legislativo. É uma operação isolada que hoje não é rentável, conforme o CEO Simon Borrero disse ao jornal local Semana, ao tratar justamente dos efeitos da reforma.

Desafios do setor de entregas

A trajetória da Rappi ilustra os desafios das empresas de delivery também em outros mercados, em que levantar capital pode ser fundamental para a continuidade dos negócios, ainda que isso signifique uma redução do valuation - portanto, do capital dos investidores.

A Instacart, empresa americana de entrega de supermercado sob demanda, elevou sua avaliação interna em 18% de dezembro de 2022 para fevereiro de 2023, segundo o Information, citando uma pessoa com conhecimento do assunto. A startup não respondeu a um pedido de comentário da Bloomberg Línea.

Em 2022, por outro lado, a Instacart reduziu o preço de suas ações privadas quatro vezes. Agora, mesmo com seu valuation interno ainda cerca de 70% menor do que há dois anos, o Information afirmou que o movimento pode ser um presságio para aumento nos preços do equity de startups maduras.

Já a Merqueo, startup colombiana de delivery de supermercado, pediu à SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) registro para uma oferta pública inicial. No documento, a empresa relatou perdas significativas nos últimos anos e que não está claro quando ou se se tornará lucrativa.

As despesas operacionais foram um dos principais impulsionadores das perdas. No documento, a Merqueo disse que deve continuar com prejuízo no futuro próximo, à medida que investe em crescimento.

Rappi fez ofertas secundárias

A Rappi não divulgou qualquer captação externa em 2022. Oficialmente, a startup foi avaliada em US$ 5,25 bilhões em sua última rodada em julho de 2021 depois de uma Série F de mais de US$ 500 milhões liderada pela T.Rowe Price.

Segundo informações do Crunchbase e do Pitchbook, a última transação teria sido uma oferta secundária privada, uma espécie de rodada interna, com a venda de participação por investidores que já estavam na base, sem dinheiro para o caixa. Questionada pela Bloomberg Línea, a Rappi disse que não divulga informações sobre investimentos.

Segundo o Crunchbase, a Rappi recebeu US$ 900 mil em dezembro de 2021 e US$ 150 milhões em janeiro de 2022, além de um valor não divulgado em oferta secundária em setembro de 2022.

O último investidor, segundo o Crunchbase, teria sido o CrossWork.us, um fundo focado em empresas pré-IPO, por meio do sócio Steven Ogunro.

Dados do PitchBook mostram que a Rappi teria recebido US$ 108,6 milhões em financiamento de risco de Série F de CrossWork, Opera Ventures e Atman Capital Partners, que teria sido completado em 30 de setembro de 2022, a um pós-valuation de US$ 5,36 bilhões.

Ainda de acordo com o PitchBook, na oferta secundária que teria sido a última transação envolvendo o capital da Rappi, a Atman Capital Partners, nova gestora de Pedro Sorrentino, fundador da ONEVC, vendeu uma participação na empresa para um comprador não revelado.

O Raison Asset Management, um fundo de private equity focado em empresas pré-IPO, disse à Bloomberg Línea que investiu em uma oferta secundária na Rappi no começo de 2022, mas não divulgou o montante. Na mesma época, a Delivery Hero anunciou que vendeu sua participação de US$ 150 milhões na Rappi. Mas, segundo o Raison, o acordo com a Rappi não estava relacionado ao Delivery Hero.

Em ofertas primárias, o dinheiro captado junto a investidores vai para o caixa da empresa e há emissão de ações. Já nas ofertas secundárias, investidores vendem ações e embolsam os recursos. Normalmente a secundária tem um valuation, ou um preço por ação, um pouco menor do que a oferta primária.

Valuation igual, empresa diferente

Questionado sobre o valuation de US$ 5,25 bilhões da última rodada, Mejia disse que “se manteve”. “Temos gerado tanto valor interno com as pessoas que estão construindo e trabalhando [...] Posso falar que temos gerado muito, muito valor interno. Faz dois anos que tivemos a nossa última rodada, portanto estamos falando de uma empresa muito, muito diferente, e muito melhor”, afirmou.

Valuation, como já temos evidenciado nos últimos dois anos, é um número. E muitas empresas não são capazes de sustentar esse número”, disse Mejia.

As startups da América Latina estão com seus valuations pressionados desde o começo de 2022 à medida que o dinheiro para capital de risco ficou mais escasso. No ano passado, foram US$ 12,1 bilhões investidos em empresas da região, cerca de 33% abaixo dos US$ 18,5 bilhões em 2021, mas ainda assim mais que o dobro dos US$ 5,8 bilhões em 2020, segundo a plataforma de dados Sling Hub.

A Rappi é a segunda startup que mais recebeu financiamento externo na América Latina desde 2018, segundo o Sling Hub. Dados do PitchBook mostram que a empresa captou US$ 2,86 bilhões até hoje, excluindo empréstimos - como um financiamento de US$ 500 milhões do Itaú Corpbanca, do Banco Davivienda, do Banco de Bogotá e do Grupo Bancolombia em setembro de 2022.

Leia também

Softbank vê janela para IPOs de startups da América Latina no fim do ano

IPO adiado: como algumas das maiores startups do país planejam o breakeven

Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups

Filipe Serrano

É editor da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.