IPO adiado: como algumas das maiores startups do país planejam o breakeven

Foco em negócios com rentabilidade, cortes de custos e demissões: fundadores contam o receituário para atingir o equilíbrio na operação. Abrir o capital será consequência

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Bloomberg Línea — O segundo ano do ambiente de juros elevados, capital de risco escasso e desaceleração da economia exigiu das maiores startups do país modelos de negócios adaptados à nova realidade. Os unicórnios brasileiros Creditas, Facily e Loft, por exemplo, estabeleceram 2023 como prazo para alcançar o breakeven, o ponto de equilíbrio entre receita e despesas, de forma que não será necessário mais tirar dinheiro do caixa porque a geração de receita na operação será suficiente para pagar as contas.

Para chegar lá, essas empresas têm feito cortes de custos, incluindo de funcionários. Startups em geral não operam com lucro porque investem recursos em crescimento, com custos de entrada como desenvolvimento de produto, aquisição de clientes via marketing e contratações. O Nubank (NU), por exemplo, fundado em 2013, só reportou seu primeiro lucro em 2021, pouco antes de seu IPO.

“Quando os bancos centrais despejavam dinheiro no mercado, os investidores e as startups seguiam uma estratégia de ‘crescimento a qualquer custo’. Hoje, tanto os investidores quanto as startups precisam pensar mais em lucratividade”, disse Alex Zaytsev, CEO e cofundador da Raison Asset Management, fundo pré-IPO da Europa que investiu em uma oferta secundária da startup de entregas Rappi.

“No entanto não é obrigatório que empresas em estágio avançado sejam lucrativas. Isso depende do setor, da tecnologia, da idade da empresa, entre outros”, disse Zaytsev à Bloomberg Línea.

Renato Abissamra é sócio sênior da Spectra, gestora especializada em ativos alternativos que atua em áreas que vão de venture capital a distressed assets e que compra cotas de fundos de investidores que desejam desinvestir por alguma razão. Ele explicou que as empresas têm que modelar quanto conseguem crescer em termos de receita dado um determinado volume de capital.

“Esse ‘banho de realidade’ que o mercado de VC tomou, e isso é positivo, vai fazer com que as empresas olhem mais para essa perspectiva de queima de caixa, sabendo que o dia de amanhã pode não ser tão colorido como o dia anterior. Vai haver um um redimensionamento da relação entre queima de caixa e crescimento daqui para frente”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.

Para startups em estágio avançando, os planos para rentabilidade precedem os de oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês), conforme o fundador e CEO da Creditas, Sergio Furio, disse em entrevista recente à Bloomberg Línea. Com foco em crédito com garantias, a Creditas é uma das startups mais valiosas da América Latina e candidata a IPO na visão de especialistas do mercado de capitais.

Na Creditas, o plano é alcançar o lucro antes de abrir o capital. Furio espera levar a empresa a um IPO se o mercado de ações reabrir em 2024 e se a empresa estiver rentável. Se os juros se mantiverem estáveis, a fintech acredita que pode atingir o breakeven até dezembro.

Segundo ele, a demanda por breakeven não partiu de qualquer investidor da Creditas, mas “é algo “100% Sergio Furio.”

Da mesma forma, Igor Senra, cofundador e CEO da fintech Cora, que recebeu US$ 116 milhões em uma Série B com a Greenoaks Capital em agosto de 2021, disse que a meta de breakeven “é uma coisa interna”, sem participação de investidores nessa tomada de decisão.

O banco digital para pequenas e médias empresas pretende atingir a lucratividade “em algum momento no final do ano que vem”, de acordo com Senra.

“Esse movimento que a gente fez [de demissões] é para que possamos ter mais segurança e margem de manobra para que o breakeven seja factível.”

Nos últimos dias, a Cora cortou 59 pessoas - cerca de 13% da companhia - em um movimento de reorganização, “para ter mais foco”, disse Senra em entrevista à Bloomberg Línea.

“O corte também não teve nenhum tipo de pressão dos investidores, foi algo que entendemos que era o que mais nos ajudaria a construir uma empresa sólida, bem preparada para o momento do mundo.”

O PicPay, fintech que pertence à holding J&F, da família Batista, dona também da JBS (JBSS3), disse que está preparado para um IPO agora que registrou seu primeiro lucro. Em entrevista à Bloomberg News, o diretor de Relações com Investidores, M&A e Estratégia da fintech, André Cazotto, afirmou que avalia a janela ideal para a oferta, o que ainda lhe parece distante.

Diogo Dzodan, CEO da Facily, startup de social commerce que atingiu o status de unicórnio no fim de 2021, disse que a empresa cortou custos, realizou demissões e fechou centros de distribuição no ano passado como parte da estratégia de alcançar o breakeven e dispensar novas captações.

A Loft, por sua vez, que chegou ao status de uma das startups mais valiosas da América Latina quando concluiu sua última rodada anunciada em 2021, tem sido uma das mais agressivas no “enxugamento” de seu quadro pessoal. Realizou quatro rodadas de demissões em um ano, totalizando cerca de 1.200 cortes. O objetivo, segundo a empresa, é chegar ao breakeven no fim deste ano.

No começo de reestruturação, em junho passado, a Loft trouxe para liderar a operação Marcel Regis, um executivo com 25 anos de experiência e cargos de liderança na Ambev (ABEV3) e na AB InBev (BUD), grupos conhecidos justamente pelo foco em corte de despesas e busca de eficiência.

Também em entrevista à Bloomberg News, Juan Franck, managing partner do SoftBank para a América Latina, disse que “algumas das empresas do nosso portfólio que estão em estágios mais maduros podem se beneficiar de uma próxima janela de IPOs, uma possibilidade que, de acordo com especialistas de mercado, pode ocorrer no fim deste ano ou no início de 2024″.

Zaytsev pontuou que, ainda que existam exemplos de listagens públicas bem-sucedidas de empresas que não eram lucrativas no momento do IPO, “com certeza elas deveriam apresentar um caminho claro para a lucratividade no futuro”.

Foco no que traz resultado

Mas não é toda startup madura que colocou um prazo para alcançar o breakeven. É o caso da Nuvemshop, conhecida também como Tiendanube na América Latina. A empresa opera no mesmo modelo da canadense Shopify, com a oferta de ferramentas para pequenas e médias empresas gerirem negócios online.

Segundo dados do PitchBook, a empresa captou US$ 500 milhões em financiamento de risco da Série E em um acordo liderado pela Tiger Global Management e pela Insight Partners em agosto de 2021. O investimento elevou a sua avaliação para US$ 3,1 bilhões.

“Hoje temos bastante controle dos nossos custos e uma disponibilidade de caixa que nos permite seguir investindo em estratégias de longo prazo”, disse a empresa por meio de nota.

A Nuvemshop afirmou que continuará com uma estratégia de redução de queima de caixa sem abrir mão de investimentos estratégicos. A empresa relatou que reduziu sua queima de caixa aproximadamente pela metade neste ano.

Já o MadeiraMadeira, unicórnio bancado pelo SoftBank, que também estava preparado para um IPO enquanto aguardava a janela, fez sua segunda rodada de demissões nas últimas semanas.

Enquanto isso, a Cora está removendo projetos e ações que teriam um prazo mais longo de maturação e retorno para focar em práticas “mais próximas nas quais teríamos um retorno mais imediato”, como explicou Senra. “Estamos reorganizando tudo, não só pessoas mas orçamento, times, até fornecedores [...] Sabíamos que esse negócio de ‘dinheiro de graça’ uma hora iria acabar e teríamos que ter um modelo de negócio que parasse em pé”, afirmou.

Em vez de tentar uma captação no mercado - mais restrito para Série B em diante -, Senra disse que optou por lidar com o que consegue controlar, como buscar quando a empresa será lucrativa e o tamanho do gasto da fintech, “para que a gente assuma o controle e não deixe na mão dos investidores, que hoje podem estar com um humor, e amanhã, com outro. Não queríamos ficar a critério deles”.

Para atingir a lucratividade, a Cora planeja reduzir o burn rate (a queima de caixa), ao mesmo tempo que busca aumentar a geração de receita. A fintech não divulgou sua taxa de queima de caixa, mas disse que está “em linha com uma empresa do tamanho da Cora”.

“Temos um unit economics positivo, mas precisávamos ter tamanho e escala suficiente para cobrir todos os nossos custos. É isso o que estamos fazendo. Queremos continuar crescendo dentro do unit economics positivo”, disse Senra, explicando que a margem por cliente da Cora é positiva. Se isso for multiplicado por muitos clientes que paguem o custo interno, a empresa atinge o breakeven.

“Antes desses cortes estávamos espalhados em muitos testes exploratórios de segmentos e produtos e vimos que, para que aquela determinada linha de receita ou teste se concretizasse, demoraria muito tempo e com um grau de incerteza muito grande”, disse o empreendedor.

“Deixamos essas explorações para depois para focar neste momento no que dá resultado no curto prazo. E isso serve tanto para receita quanto para custo”, explicou.

Lucro primeiro, IPO depois

O ano passado foi de escassez para ofertas públicas iniciais, com o menor número de ofertas na última década. Não houve startup brasileira que tenha aberto o capital. “Foi uma queda impressionante após a quantidade recorde de listagens em 2021. Hoje vemos que o mercado está se recuperando um pouco e esperamos um mercado de IPO mais vibrante em 2023″, disse Zaytsev, que aponta que o mercado de ofertas públicas iniciais é sensível ao apetite de risco dos investidores.

“Quando a tolerância ao risco diminui, o mercado de IPO é um dos primeiros a reagir negativamente e vice-versa: cresce mais rápido que o S&P 500 e outros índices quando há sentimento otimista do investidor.”

Mas, quando o apetite por risco voltar ao mercado, pode haver um efeito de demanda reprimida que resulte em “um crescimento de IPOs impressionante”, segundo o investidor.

“Muitas empresas que haviam anunciado planos de abrir o capital tiveram que rever suas estratégias devido às condições do mercado”, disse. Entre as empresas que reportadamente adiaram planos de IPO desde 2021 estão o Ebanx e o PicPay, as duas fintechs que atuam no setor financeiro.

Segundo Zaytsev, empresas que postergaram os planos estão prontas para voltar ao jogo quando a janela reabrir “porque um IPO continua sendo a maneira mais eficiente de uma empresa levantar fundos”.

Questionada sobre possíveis eventos que ofereçam saída a investidores, a Nuvemshop disse à Bloomberg Línea que não se preocupa com um eventual IPO, “mas, sim, com os clientes”.

Já Senra afirmou que, a partir do momento em que a Cora aceitou investidores de risco no negócio, a empresa combinou que em algum momento eles vão ter eventos que permitam a saída. “Talvez o melhor caminho para que eles tenham essa saída seja um IPO. É isso que nós enxergamos no futuro. Construímos a empresa para chegar lá em algum momento.”

Desafio dos valuations

Os aportes em startups brasileiras caíram 86% no primeiro trimestre de 2023 na comparação com o mesmo período do ano passado, segundo pesquisa divulgada pela plataforma Distrito. Os três primeiros meses do ano somaram 91 rodadas, que movimentaram cerca de US$ 247,02 milhões. No mesmo trimestre de 2022, haviam sido 306 rodadas e US$ 1,7 bilhão em investimentos para as startups do país.

Uma das startups que conseguiram captar neste ano foi a Barte, com foco em pagamentos entre empresas. A fintech recebeu em março um aporte de R$ 16 milhões, seis meses depois de anunciar a primeira rodada de captação, no valor de R$ 6,5 milhões. “É hora de fazer o feijão com arroz bem feito”, disse Caetano Lacerda, CEO da startup, em comunicado.

Os valuations das startups estão em queda em todo mundo e uma das últimas vítimas notáveis é a Stripe, fintech de meios de pagamento cuja avaliação caiu quase pela metade.

Segundo Zaytsev, há algumas poucas empresas de tecnologia que de alguma forma estão “protegidas” dessa tendência de queda nas avaliações, incluindo as de Elon Musk (por exemplo, a SpaceX e a Neuralink) e as que atuam em segmentos em alta, como o de Inteligência Artificial generativa.

“As avaliações em queda não são boas para os investidores atuais dessas empresas, mas o são para os novos, que têm a chance de comprar ações com um grande desconto”, disse Zaytsev.

Senra brinca que preferia que o valuation da Cora fosse medido em tempo real como acontece com a capitalização de mercado de empresas listadas. “Hoje não temos ideia [do valuation] e ficamos meio no escuro nesse sentido. O da última rodada é a melhor referência que temos até hoje.”

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