Bloomberg Opinion — Em abril de 2020, quando metade do mundo enfrentava um lockdown, o site de streaming de vídeos Vimeo (VMEO) lidava com uma demanda “sem precedentes”, canalizava investimentos em atendimento ao cliente e infraestrutura técnica e hospedava almoços virtuais para novos funcionários. Três anos depois, sua receita está em declínio, suas ações caíram 93% desde a abertura de capital e a empresa promove demissões. E não é a única.
Desde outubro, foram anunciados mais de 500 mil cortes de emprego em todo o mundo, segundo monitoramento da Bloomberg, principalmente por empresas com funcionários que trabalham em atividades de “escritório” (vs. os de linhas de produção em indústrias) como a Vimeo.
O que começou com uma onda de demissões entre as big techs está se espalhando. Consultores da McKinsey e da KPMG são demitidos; empresas como FedEx (FDX) e Boeing (BA) cortam gerentes e “burocracia”; bancos tradicionais como o Credit Suisse (CS) são enterrados.
Alguns dirão que essa é a vida em uma economia normal. Com tudo voltando à realidade pré-pandemia – desde o número de horas assistindo vídeos online até aquisições de empresas e taxas de juros, não é um choque ver as empresas se esforçando para se reestruturar.
“Durante a pandemia, todos usavam vídeo, e o que acontece é que você desenvolve uma ‘síndrome do objeto brilhante’ e se distrai com o novo”, disse recentemente o CEO da Vimeo Anjali Sud à Forbes, afirmando que a empresa agora queria focar em clientes corporativos.
Mas isso contrasta bastante com a demanda por empregos considerados “manuais”, já que a queda na oferta de trabalhadores mais velhos tem mantido os mercados de trabalho apertados. E é certamente o oposto do que se poderia esperar da Era do Zoom, na qual elites que trabalham remotamente foram preparadas para deixar os mais velhos e menos alfabetizados digitalmente para trás.
O que está acontecendo agora não é exatamente uma “recessão” nos empregos de “escritórios” – as taxas de desemprego para profissionais nos Estados Unidos ainda estão em geral baixas –, mas esses trabalhadores remotos parecem ser os primeiros a serem demitidos.
A questão é se este é um fenômeno temporário ou mais duradouro. Uma recessão total pode muito bem distribuir os efeitos de forma mais uniforme. Entretanto, considerando as decepcionantes tendências recentes de produtividade, e o fato de que as tendências de automação estão entrando na era do ChatGPT, há uma chance real de que este possa ser apenas o começo.
Embora tenha havido sem dúvida uma migração para o trabalho digital e remoto durante a covid-19, as tendências de produtividade voltaram aos níveis pré-pandemia, ou até menos, de acordo com um artigo co-elaborado por Nicholas Bloom, da Universidade de Stanford.
Um documento do Fundo Monetário Internacional lançado em março sugere que a digitalização proveniente da pandemia levou a uma ampla recuperação na adoção de tecnologias essenciais, mas não um impulso para investimentos em algo mais revolucionário. Países como Portugal viram um aumento nos empregos remotos, mas a Dinamarca não viu um aumento sustentado.
E embora se pudesse esperar um salto nas qualificações profissionais para um mundo mais conectado, o documento do FMI não constatou evidências de aumento na demanda por habilidades digitais dentro das profissões.
Uma pesquisa do ano passado identificou evidências de “falta de qualificação” em vez de “aumento de qualificação”, pois os empregadores flexibilizaram as exigências das vagas para lidar com a escassez de mão-de-obra.
A “síndrome do objeto brilhante” mencionada por Sud, da Vimeo, é também bastante reveladora: a corrida digital durante a pandemia de covid-19 abriu uma avalanche de oportunidades de negócios de curto prazo que pareciam boas demais para recusar – mas, no mundo pós-pandemia, esse fluxo diminuiu; por isso, consultores que dão palestras para CEOs sobre produtividade também estão diminuindo – para o desgosto dos nômades digitais que idealizaram trabalhar diretamente da praia.
Ao contrário do boom de produtividade observado nos anos 90 – a era dos pagers, de mensagens de texto e da internet discada –, a Era do Zoom até agora teve um efeito apenas incremental. “Não vimos grandes ganhos de produtividade”, diz George Moran, economista da Nomura International.
No entanto, o ChatGPT pode colher o que o Zoom plantou. Depois de digitalizar mais empregos sem um salto correspondente nas habilidades ou no investimento em inovação produtiva, há o risco de que o trabalho de escritórios esteja agora mais vulnerável à interrupção do que antes.
Sem cair em visões distópicas de IA, um mundo no qual mais tarefas cognitivas podem ser automatizadas é um grande negócio para o escritório (remoto ou não). No entanto, quem pede conselhos ao ChatGPT sobre como consertar um cano de água furado, pode receber como resposta: “é melhor falar com um encanador profissional que possa ajudá-lo com o conserto”.
Não é à toa que os CEOs estão animados com a IA (Inteligência Artificial). O CEO da Vimeo disse recentemente aos analistas que a IA pode fazer automaticamente tarefas cognitivas e criativas, como fazer vídeos para clientes, e acrescentou que a IA generativa é uma área que a empresa acompanha.
“Todos os meses há centenas de anúncios de emprego mencionando a IA generativa”, disse recentemente o economista chefe da ZipRecruiter ao Wall Street Journal. Se a tecnologia valer a pena, este parece ser outro objeto brilhante que fará trabalhadores de escritórios tremer nas bases.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lionel Laurent é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre moedas digitais, a França e a União Europeia. Já trabalhou para a Reuters e a Forbes.
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