Bloomberg — Jean-Charles Naouri construiu um império de supermercados na França ao longo de mais de 30 anos com generosos volumes de dinheiro emprestado e engenharia financeira. Pode ser necessária uma nova administração para evitar que entre em colapso sob o peso de sua dívida.
O destino do Casino Guichard-Perrachon agora depende de um acordo com o rival Moez-Alexandre Zouari, que começou há duas décadas administrando lojas sob franquias da empresa de Naouri, e se os dois homens podem realizar uma fusão dos dois grupos de varejo. A ambição deles é listar a nova empresa na Euronext já em setembro, segundo três pessoas familiarizadas com o assunto.
Para Naouri, 74 anos, é uma aposta para salvar o Casino de cair nas mãos dos credores, já que ele enfrenta o desafio de ter que pagar US$ 3,2 bilhões em dívidas nos próximos dois anos, mesmo que isso signifique ceder a administração ao empresário mais jovem. Para Zouari, há uma chance de ele acabar administrando empresas conhecidas na França, com milhares de lojas em todo o país.
O executivo francês ficou conhecido no Brasil há uma década ao travar - e vencer - uma batalha com o empresário Abilio Diniz pelo controle do GPA (PCAR3), o Grupo Pão de Açúcar. Abilio acabou saindo do grupo fundado por seu pai e construiu fatia relevante no capital do rival Carrefour.
O plano é fundir as operações de varejo francesas do Casino – que incluem as redes de supermercados Monoprix, Franprix e Casino – com as lojas da Teract, administrada por Zouari, 52 anos. Eles anunciaram os esboços de um acordo no mês passado, mas os detalhes ainda precisam ser acertados.
“O acordo com a Teract é o único na cidade”, disse Tomas Mannion, analista sênior de investimentos da Sarria, uma empresa independente de pesquisa de crédito. “Além de uma venda para um cavaleiro branco – que é essencialmente essa –, não há outra maneira [para a sua crise].”
Casino e Teract estão buscando investidores dispostos a injetar € 500 milhões, uma tarefa que pode ser facilitada porque os maiores acionistas da Teract incluem a gigante cooperativa agrícola InVivo Group, o empresário de telecomunicações Xavier Niel e o banqueiro Matthieu Pigasse.
Uma possível fonte de recursos é o Bpifrance, o banco estatal de investimentos, que já possui ações do Teract, embora não haja negociações em andamento, disseram pessoas a par do assunto, que pediram para não serem identificadas porque o assunto é privado.
Bpifrance, Teract e Casino se recusaram a comentar.
Fechar o acordo será difícil. As operações de supermercados enfrentam margens estreitas e os consumidores já estão cortando gastos para lidar com a inflação. Além disso, há muitas perguntas não respondidas sobre como a fusão funcionará, principalmente quanto da dívida será transferida do Casino para a nova empresa e qual consentimento será necessário dos detentores de títulos.
A tarefa é ainda mais difícil porque os anos de taxas de juros próximas de zero acabaram, tornando as condições financeiras mais apertadas e aumentando o desafio sobre o bolso dos consumidores.
Naouri prometeu garantir que a nova empresa não fique muito endividada. Ele concordou em limitar a dívida em duas vezes os ganhos, disse Zouari. Embora nenhuma decisão tenha sido tomada sobre quem seria o responsável pelas operações do dia-a-dia, os investidores estão especulando que Zaouri pode estar dando as cartas.
Supermercado 5 estrelas para frutas e padaria
“O setor de varejo é cada vez mais dominado por redes de desconto [com modelo de preços baixos] e por gigantes fabricantes de alimentos que obtêm margens inaceitáveis”, disse Zouari em entrevista. “Queremos fazer o caminho inverso e criar uma oferta de qualidade que possa equivaler a um hotel de 5 estrelas, mas em fruta, legumes e padaria.”
Muitos investidores estão céticos quanto ao sucesso da transação e muitos apostam que uma reestruturação do Casino é inevitável. Os títulos da empresa são negociados em níveis profundamente depreciados e as ações despencaram 61% no ano passado.
O Casino tem ativos líquidos suficientes para cumprir os vencimentos da dívida do próximo ano, mas sua capacidade de cumprir as obrigações de 2025 dependerá de uma série de fatores, incluindo condições econômicas e financeiras favoráveis, bem como vendas bem-sucedidas de ativos e fluxo de caixa aprimorado, escreveram analistas da agência S&P em nota na segunda-feira (3).
Naouri, um ex-banqueiro de investimentos, controla o Casino por meio de uma série de veículos de investimento negociados publicamente; essas empresas já estão sob proteção judicial dos credores.
“A fusão da Teract com as operações francesas do Casino é outro de seus truques para acalmar os bancos, mas não está resolvendo nada”, disse Pierre-Olivier Essig, analista da AIR Capital em Genebra.
Mas, se a dupla conseguir, isso consolidará a reputação de Naouri como um estrategista perspicaz. E pode ser um dos últimos atos de corda bamba do empresário nascido na Argélia antes de sua aposentadoria.
Naouri tem todos os incentivos para fazer o empreendimento com a Teract funcionar. Observadores do mercado dizem que ele não tem escolha, já que uma fusão com um rival como o Carrefour, que tem Abilio Diniz como acionista, pode levar à perda de empregos e ao fechamento de lojas - um veneno político na França, onde o governo não hesita em avaliar negócios corporativos.
“O Casino é a razão de sua vida e Jean-Charles está trabalhando por seu legado agora”, disse Zouari.
- Com a colaboração de Julien Ponthus.
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