Bloomberg Línea — Em tempos de juros altos e falta de capital para investimentos de venture capital, chama a atenção quando uma empresa de capital de risco consegue levantar recursos volumosos para aportar em startups. É o caso da Kaszek, fundada em 2011 por Hernan Kazah, cofundador do Mercado Livre (MELI), e Nicolas Szekasy, ex-CFO do gigante do comércio eletrônico.
Nesta semana, a empresa anunciou ter captado US$ 975 milhões (aproximadamente R$ 5 bilhões) para dois novos fundos, em um movimento que tende a dar novo impulso para o mercado de startups na América Latina em uma fase de investimentos em baixa.
Os dois novos fundos são o Kaszek Ventures VI e o o Kaszek Ventures Opportunity. A empresa alocou US$ 540 milhões para o fundo de estágio inicial e US$ 435 milhões para o fundo de growth, voltado para startups maduras e em estágio de crescimento.
Hernan Kazah, cofundador da Kaszek, disse à Bloomberg Línea que a empresa planeja usar o dinheiro para “investir em grandes empresas e em condições justas”, de olho em oportunidades abertas pelo momento de maior dificuldade das empresas.
“O ambiente atual, com menos capital disponível, coloca alguma pressão na ‘gestão de portfólio’, mas também pode criar uma grande oportunidade na ‘formação de portfólio’, já que a maioria das melhores empresas surgem em tempos de crise. Foi o caso do Mercado Livre, foi o caso do Nubank, por exemplo”, afirmou o investidor, citando duas das empresas eram próximas do fundo.
Kazah disse que começou a captação dos fundos no dia 1º de fevereiro e encerrou em 31 de março. Segundo ele, os recursos vieram em sua maioria do mesmo grupo de investidores que já tinha aportado em outros fundos anteriores da Kaszek. A estratégia, ele diz, é olhar para os próximos 10 a 12 anos, seguindo as tendências seculares de mudança tecnológica.
“Continuamos a ser agnósticos do setor. Investimos principalmente em fundadores extraordinários que tentam disruptar ou criar grandes mercados. Os fundadores são os que nos ensinam quais são os setores interessantes”, afirmou.
Mesmo assim, a Kaszek acredita que há boas oportunidades em fintech, “talvez mais do lado B2B do que B2C”, disse Kazah, acrescentando que a empresa também está otimista com empresas de infraestrutura financeira, blockchain, marketplaces, healthtech e climatech.
A captação da Kaszek ocorre em uma fase de queda dos aportes em startups no mundo e na América Latina. No Brasil, os investimentos em venture capital caíram 18% em 2022 ante 2021, segundo o Sling Hub, acompanhando o movimento global de aversão ao risco à medida que as taxas de juros subiram pelo mundo. Em 2022 foram investidos US$ 12,1 bilhões na América Latina ante US$ 18,5 bilhões em 2021, US$ 5,8 bilhões em 2020 e US$ 6,4 bilhões em 2019, segundo o Sling Hub.
No ano passado a América Latina espanhola teve melhor performance do que o Brasil em volume de investimentos pela primeira vez, muito por conta da queda de rodadas maiores do que US$ 100 milhões.
Investimentos da Kaszek
A Kaszek é uma das empresas do ramo mais ativa na região. Ela administra mais de US$ 1 bilhão em capital e tem 86 empresas ativas em seu portfólio em toda a região, segundo dados do PitchBook. A Kaszek diz que já investiu em mais de 100 empresas.
Entre as startups investidas estão os unicórnios Kavak, Bitso, Gympass, Loggi, QuintoAndar, Creditas e NotCo. Algumas delas já renderam saídas e deram retorno. Um dos grandes êxitos da empresa foi o investimento no Nubank (NU). Ao todo, a Kaszek teve 41 saídas até o momento, segundo o provedor de dados PitchBook.
A Kaszek também participou da aquisição da PedidosYa pela Delivery Hero, da Love Mondays pelo Glassdoor, da VivaReal pelo Grupo ZAP e do IPO da Netshoes em 2017. Segundo dados do PitchBook, 2021 foi o ano mais ativo da Kaszek, com 55 rodadas e oito saídas. Neste ano a empresa teve três rodadas e uma saída.
Nem todas as empresas investidas pelo fundo tiveram sucesso, o que faz parte do jogo quando se atua neste setor. Startups como a Neta Mx, a NetCom e a Hash, por exemplo, fecharam as portas, gerando perdas no balanço dos fundos da empresa.
“Durante um mercado em alta, as baixas contábeis [write-offs] geralmente diminuem à medida que o excesso de capital oculta ou atrasa algumas baixas. Então, durante os mercados de baixa, o oposto acontece”, disse Kazah, que afirma que o mercado deve ver mais fechamentos de startups por um tempo até que reencontre o equilíbrio.
Questionado sobre a possibilidade de liderar rodadas a valuations (avaliação de valor) mais baixos do que investimentos anteriores, Kazah disse que “se as avaliações forem mais altas ou mais baixas em relação às últimas rodadas, isso seria caso a caso, mas não é improvável que alguns casos [de rodadas com avaliações menores] possam fazer sentido, mas em avaliações redefinidas”.
A Kaszek levantou o KV-I, de US$ 95 milhões em 2011, o KV-II, de US$ 135 milhões em 2014, o KV-III de US$ 200 milhões em 2017, o KV-IV de US$ 375 milhões e o KV Opportunity Fund I, de US$ 225 milhões em 2019, totalizando US$ 600 milhões, e o KV-V e US$ 475 milhões e o KV Opportunity Fund II, e US$ 525 milhões, em 2021, totalizando US$ 1 bilhão.
Kazah não divulga os retornos dos fundos, mas afirma que o primeiro deles, de 2011, “tem tido um retorno forte em dólar, muito mais forte em reais, e achamos que pode estar no topo entre os fundos de sua safra”, disse à Bloomberg Línea.
Para os outros fundos, Kazah acredita que “esses fundos produzirão fortes retornos para nossos LPs [Limited Partners, isto é, os fundos de pensão, family offices, endowments que aportam nos fundos]”.
O dinheiro administrado pela Kaszek vem principalmente dos Estados Unidos, mas também da Europa, Ásia e América Latina. “Não temos LPs no Oriente Médio por enquanto”, disse Kazah.
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