Opinión - Bloomberg

Nem mesmo uma recessão vai ser capaz de conter a inflação nos Estados Unidos

Se uma recessão levar o Fed a cortar as taxas de juros antes de domar a inflação, o país provavelmente vai sofrer de dois males: manutenção da inflação alta e uma recessão

Ele deu a entender que os aumentos das taxas de juros estão quase no fim
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — O mercado já avisou que espera que a batalha entre o Federal Reserve e a inflação tenha acabado. O presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, deu a entender que os aumentos das taxas de juros estão quase no fim. Mas a inflação ainda está em 6%, e Powell insiste que o Fed ainda está empenhado em atingir sua meta de 2%.

LEIA +
Powell sinaliza projeções do Fed que apontam para mais um aumento do juro

Ele pode estar pensando – junto com alguns outros economistas – que o Fed já fez o suficiente. Afinal, os aumentos das taxas de juros podem levar alguns anos para afetar toda a economia e diminuir a inflação. A atual turbulência bancária pode ser o primeiro sinal de que isso está começando a funcionar. As projeções se afastaram de um “soft landing” a economia e estão novamente prevendo uma recessão iminente, que deverá colocar os últimos pregos no caixão da inflação.

Infelizmente, não se pode contar com uma recessão para resolver o problema de inflação nos Estados Unidos. É provável que o Fed ainda tenha mais a fazer se estiver falando sério sobre levar a inflação a 2%.

A forma como a política monetária afeta a economia e a inflação não é bem compreendida. Uma política mais rígida do Fed reduz a oferta de dinheiro, o que presumivelmente reduz a inflação porque há menos dinheiro em circulação. Mas, como explicou o ex-presidente do Fed de Nova York, Bill Dudley, depois que o Fed começou a pagar juros sobre as reservas bancárias que detém, a oferta de dinheiro tornou-se menos importante porque cortou a relação entre a oferta de dinheiro e o crédito.

PUBLICIDADE

No entanto, presume-se que uma taxa mais alta contraia a economia porque torna o crédito mais escasso e mais caro. Isso significa menos investimento, mais empresas falidas, menos pessoas comprando ou construindo casas e, por fim, mais desemprego. Nesse ponto, trabalhadores recebem aumentos menores, se é que os recebem, e as pessoas geralmente são mais pessimistas e gastam menos. Assim, a demanda cai e a inflação diminui. Ou pelo menos é o que se pensa.

LEIA +
Economistas elevam para 65% a chance de recessão nos EUA com crise bancária e Fed

Há muitas partes móveis em uma economia e, como os últimos três anos demonstraram, as coisas nem sempre funcionam como se espera. Há uma possibilidade de que os EUA entrem em uma recessão e ainda mantenham a inflação alta. Isso pode acontecer se uma recessão vier com outro choque de abastecimento, como um recuo no comércio ou um aumento nos preços de energia.

Alguns economistas argumentam que a estagflação dos anos 70 no país ocorreu devido a uma política monetária expansionista, o que significa que se uma recessão levar o Fed a cortar as taxas de juros ou reiniciar a flexibilização quantitativa antes que a inflação seja controlada, poderemos acabar com uma inflação alta e uma recessão.

PUBLICIDADE

Outra possibilidade é que uma recessão reduza a inflação em parte, mas não muito. O economista Jason Furman apontou recentemente que as últimas recessões só fizeram baixar a inflação entre 0 e 1,9 ponto percentual. Neste momento, é necessário que a inflação caia mais de 2,5 pontos para bater a meta do Fed. É claro que cada recessão é diferente, e quanto mais severa for, mais baixa será a inflação.

Mas não se sabe exatamente o quanto uma recessão precisa ser severa para controlar a inflação. Já se passaram mais de 40 anos desde o último sério surto de inflação nos EUA e muita coisa mudou desde então.

Os economistas estimam que, no passado, era necessária uma queda de 2% e 3% do PIB para reduzir a inflação em 1 ponto percentual. Mas como a relação entre a taxa de desemprego e a inflação ficou mais tênue desde os anos 80, pode ser necessária uma contração muito mais forte atualmente.

O Fed pressupõe que o desemprego precisará atingir um pico de 4,6% para reduzir a inflação para 2%. Mas isso parece extremamente otimista. Se as crises de inflação anteriores forem um indicador, será necessária uma queda muito maior no PIB para que a inflação chegue a 2%. O ex-secretário do Tesouro Larry Summers argumentou que o desemprego precisaria chegar a 6%.

PUBLICIDADE
LEIA +
É possível para o Fed combater a inflação e o contágio da crise bancária

Portanto, uma recessão leve ou o cenário de baixo crescimento que o Fed está tentando engendrar provavelmente não será suficiente para atingir a meta de 2%. Não teria sido suficiente nos anos 80 e há razões para acreditar que será ainda menos eficaz agora, porque, embora uma contração no crédito tenha efeitos negativos, a economia ainda é bastante resiliente. Os orçamentos das famílias e empresas ainda estão em boa forma após a pandemia. Muitas famílias assumiram baixas taxas hipotecárias e suas decisões de moradia não são mais muito sensíveis às taxas.

A outra razão pela qual uma recessão induzida pelo Fed pode não funcionar é que o Fed perdeu parte de sua credibilidade. Taxas mais altas exercem maior impacto quando as pessoas acreditam que o Fed tem poder e determinação para diminuir a inflação.

Quando as pessoas esperam que a inflação seja baixa, elas não aumentam os preços nem exigem grandes aumentos salariais. Mas se as pessoas ainda esperam uma inflação alta, uma recessão – principalmente se for leve – não será suficiente para derrubá-la.

PUBLICIDADE

Um sinal de esperança e que os indicadores do mercado de títulos para as expectativas de inflação indicam menos infação. Mas o mercado de títulos tem um péssimo histórico de previsão da inflação. O fato de que os mercados estão reduzindo os preços quando os governadores do Fed ainda falam sobre aumentos sugere que a credibilidade do Fed está caindo.

Se for o caso, uma recessão pode prejudicar a economia e demitir as pessoas de seus empregos sem fazer muito para orçar a inflação. O Fed estará em uma posição ainda mais complicada: trazer ainda mais dor, ou aprender a viver com uma inflação mais alta.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Allison Schrager é colunista da Bloomberg Opinion. É pesquisadora sênior do Manhattan Institute e autora de “An Economist Walks Into a Brothel: And Other Unexpected Places to Understand Risk”.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Tese de década dos emergentes perde força com crise bancária e aperto do Fed