Herdeiro de empresa de alimentos quis apostar contra embalagens de plástico

A Okeanos, cofundada por Florencio Cuétara, usa carbonato de cálcio para criar embalagens para petiscos, arroz, café e sal e embrulhos para flores

A Frito-Lay, divisão da PepsiCo, tem o objetivo de tornar todas as suas embalagens 100% recicláveis, compostáveis, biodegradáveis ou reutilizáveis até 2025
Por Hannah Wallace
01 de Abril, 2023 | 06:23 PM

Bloomberg — Florencio Cuétara é o tipo de pessoa que atravessa a rua para dizer às pessoas para recolherem seu lixo. Um dia, Cuétara, um mergulhador ávido, estava nadando no Mediterrâneo quando encontrou uma embalagem plástica de biscoitos. “O pacote estava bem na minha frente enquanto eu mergulhava. E xinguei quem quer que a tivesse colocado ali, como se fosse culpa de outra pessoa”, diz Cuétara. “Então percebi que o pacote era meu – tinha meu sobrenome.”

O negócio da família Cuétara é a empresa suíça Cuétara Foods, que fabrica 25 marcas de biscoitos e bolachas vendidas em todo o mundo. Para Florencio, que na época era CEO para as Américas, aquele momento foi decisivo. “Eu pensei: ‘quero culpar os outros por isso’”, diz ele. “Mas eu não sou inocente aqui. Eu sou parte do problema.”

A maioria das embalagens de batatas fritas e outros petiscos são feitas com três camadas de materiais poliméricos: uma barreira de umidade no interior (geralmente polipropileno biaxialmente orientado), um polietileno de baixa densidade no meio e uma camada externa de resina termoplástica. Do ponto de vista ambiental, os polímeros – como todos os plásticos – têm dois pontos bastante negativos: eles são feitos de petróleo e nunca se decomporão.

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, atualmente os seres humanos produzem cerca de 400 milhões de toneladas de resíduos plásticos por ano. Metade desse plástico é de uso único, como os pacotes de batata frita, que acabam em aterros sanitários ou em cursos d’água, onde se decompõem em microplásticos que acabam sendo consumidos pela vida aquática, e, em última instância, por pessoas.

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A pedido dos consumidores e sob a sombra de possíveis regulamentações, grandes e pequenas empresas de petiscos estão procurando uma maneira de quebrar esse ciclo com materiais alternativos para suas embalagens. A única questão é quem será bem sucedido.

Movimento de reembalagem

Florencio Cuétara viu a fatídica embalagem de biscoitos em 2015, iniciando uma busca de quatro anos para encontrar um material de embalagem diferente que não dependesse de combustíveis fósseis. Em 2019, Cuétara e o Dr. Russ Petrie, cirurgião ortopédico da Califórnia, fundaram a Okeanos, que usa carbonato de cálcio para criar embalagens para petiscos, arroz, café e sal, assim como embrulhos para flores.

O carbonato de cálcio (CaCO3), mineral encontrado naturalmente em pedras ou rochas, já foi usado anteriormente como enchimento em embalagens, mas apenas em pequenos percentuais. Cuétara e Petrie desenvolveram uma tecnologia chamada “Made from Stone” (“feito de rochas”, em tradução livre) de até 70% de carbonato de cálcio; o restante é feito de resina. Os pacotes das empresas são flexíveis e leves – flutuam na água – e a tecnologia é usada por fabricantes em 15 países, incluindo Brasil, Índia, Canadá, Filipinas e Estados Unidos. “Chamaram-nos de loucos muitas vezes”, diz Cuétara.

Para Sean Mason e Mark Green, cofundadores da empresa britânica Two Farmers, foram necessários cinco anos para encontrar um material de embalagem biodegradável que mantivesse os petiscos crocantes. “Obviamente, o plástico de uso único que está em pacotes de batatas fritas está prejudicando a paisagem e os mares”, diz Mason.

Mason também viu uma necessidade de consistência. A Two Farmers obtém todas as suas batatas da fazenda de Green em Herefordshire, onde a rotação de culturas (que planta trevos ou alfafa após a cultura comercial) é usada para nutrir o solo.

A fazenda também tem um digestor anaeróbico que converte os resíduos agrícolas em biometano – que, por sua vez, produz eletricidade mais do que suficiente para abastecer toda a operação. “Nossa diferença era a agricultura sustentável, por isso acreditamos que devíamos levar a sustentabilidade até a embalagem”, diz Mason.

Porém, na hora de identificar um material alternativo, Mason e Green ficaram perplexos. Primeiro, consideraram caixas de papelão. “De repente, percebemos que ainda teríamos que colocar um saco plástico dentro da embalagem para manter o petisco fresco”, diz Mason.

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“Então efetivamente estávamos usando embalagem demais”. Em seguida eles consideraram latas – “muito caro e provavelmente muito desperdício para um pequeno pacote de 40 gramas”.

Por fim, numa feira de embalagens, eles se depararam com filmes de celulose de eucalipto em seu estado bruto, e começaram a conversar com os produtores sobre seu potencial para pacotes de batatas fritas.

A dupla encontrou um laminador, que os ajudou a descobrir como adicionar colas e tintas à base de plantas para impressão. Depois de produzir o filme, eles o enviaram para TŪV Áustria – uma certificadora terceirizada que verifica se a embalagem é compostável – para que fosse testada para compostabilidade e ecotoxicidade.

Após algumas tentativas e erros, o material foi aprovado, e em 2019 a Two Farmers lançou oficialmente suas batatas fritas gourmet em embalagens 100% compostáveis feitas de celulose de eucalipto.

Mason, que credita o documentário Planeta Azul II de David Attenborough por ajudar a conscientizar os britânicos sobre plásticos de uso único, diz que as embalagens de sua empresa levam de 30 a 36 semanas para se decomporem em sistemas de compostagem doméstica ou 11 semanas em uma composteira industrial.

O filme de eucalipto é muito mais caro que o plástico – mais de 10 vezes, para ser exato – e cada pacote sai por US$ 1,40. Mas a qualidade não é problema: no ano passado, dois produtos da Two Farmers ganharam o prêmio Great British Food na categoria de petiscos salgados.

Escalando a produção

Milhares de empresas fabricam petiscos em todo o mundo, mas qualquer progresso em embalagens plásticas terá que envolver algumas das grandes. Nos EUA, por exemplo, a Frito-Lay, uma divisão da PepsiCo (PEP), tem uma fatia de mercado de 60%, de acordo com a empresa de análise de dados IRI Worldwide.

A Frito-Lay North America iniciou sua própria incursão em embalagens alternativas há mais de uma década, lançando em 2009 um pacote 100% compostável para as batatas fritas SunChips. Feita com 90% de ácido poliláctico, o pacote era notoriamente barulhento ao ser aberto ou manuseado – chegando a 95 decibéis, segundo relatos – e a Frito-Lay descontinuou a embalagem em 2010.

Desde então, a Frito-Lay tem feito progressos mais silenciosos, e a empresa tem o objetivo de tornar todas as suas embalagens 100% recicláveis, compostáveis, biodegradáveis ou reutilizáveis até 2025. Em 2021, a empresa lançou uma embalagem feita com 85% de ácido poliláctico – tipicamente composto de amido de milho – para dois de seus petiscos vegetarianos da marca Off the Eaten Path. O restante da embalagem é de revestimentos de alumínio, tintas e adesivos.

O pacote dos petiscos Off the Eaten Path é compostável industrialmente, o que significa que pode ser colocado nos sistemas de compostagem das cidades. Os pacotes também podem ser devolvidos através de uma etiqueta de envio gratuito para a TerraCycle, da Nova Jersey, que tem parceria com a Frito-Lay no empreendimento – embora questões tenham sido levantadas sobre a eficácia do programa de reciclagem de plásticos da TerraCycle, que envolve instalações de terceiros.

“Estamos passando por uma fase de teste e aprendizado [com a marca Off the Eaten Path] à medida que trabalhamos para atingir nosso objetivo final de projetar 100% de nossas embalagens para serem recicláveis, compostáveis, biodegradáveis ou reutilizáveis”, diz David Allen, vice-presidente e diretor de sustentabilidade da Pepsi-Co Foods North America.

A Kettle Foods, que fica em Salem, estado americano do Oregon e fabrica a popular marca Kettle Chips, lançará um pacote “Made from Stone” nesta primavera.

Regulamentações em breve

As empresas que ainda não estão caminhando rumo a embalagens sem plástico podem ser forçadas a fazê-lo no futuro, conforme os órgãos reguladores começarem a intervir.

No ano passado, a União Europeia propôs novas regras que exigiriam que as empresas que vendem produtos nos países do bloco tornassem suas embalagens mais fáceis de reutilizar, reciclar ou compostar.

As regras também limitariam o espaço vazio desnecessário em embalagens, parte de um objetivo geral de reduzir o desperdício de embalagens em 5% até 2030, em comparação com os níveis de 2018. Se eficaz, a UE poderia estabelecer um padrão a ser seguido por outros países.

Mas os obstáculos continuam enormes, e as embalagens são apenas uma parte de um problema muito maior. A maioria dos países em desenvolvimento não tem instalações de reciclagem ou compostagem, e nos países em que estão presentes, esses sistemas são frequentemente falhos ou disfuncionais.

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA estima uma taxa de reciclagem de plástico de pouco menos de 9% no país, ao passo que o Beyond Plastics, um projeto da Faculdade de Bennington, o fixa a uma taxa ainda mais desanimadora de 5% a 6%.

Na UE, quase 38% do plástico foi reciclado em 2020, e as regulamentações impostas em 2021 interromperam a venda dos 10 plásticos mais comuns que aparecem nas praias europeias, incluindo tampas de garrafas e canudos. Mas abordar a questão das embalagens plásticas em grande escala exigirá mudanças em cada parte de seu ciclo de vida: desde as matérias-primas até a duração do uso e a natureza do descarte. “Mesmo com a reciclagem, você aumenta as emissões”, diz Cuétara. “E lembre-se: você só consegue reciclar algumas vezes.”

Esses obstáculos fazem parte do motivo pelo qual Cuétara diz que os pacotes “Made from Stone” estão se popularizando: os fabricantes de embalagens podem continuar usando seus equipamentos existentes, e o carbonato de cálcio é naturalmente abundante e tem preços relativamente estáveis.

“Se alguém viesse à minha empresa de batatas fritas e dissesse: ‘quero que você mude tudo e se livre de seus fornecedores e isso vai lhe custar mais’, a resposta seria: ‘obrigado, mas não temos interesse’”, diz ele. “Tenho que dizer, quase não ouvimos recusas. É impossível dizer não a isso”.

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