O que levou o Grupo Petrópolis, dono da Itaipava, a pedir recuperação judicial?

Para analista, crise da concorrente favorece ganho de market share pela Ambev e até possível compra de ativos; papéis ABEV3 sobem mais de 6%

Grupo Petrópolis, dono da Itaipava, também atua em outros segmentos da indústria de bebidas, como vodka, refrigerante e energético
28 de Março, 2023 | 03:30 PM

Bloomberg Línea — O Grupo Petrópolis, dono das marcas de cerveja Itaipava e Petra, entrou com pedido de recuperação judicial devido a uma dívida da ordem de R$ 4,4 bilhões. A 5ª Vara Empresarial da Justiça do Rio de Janeiro deferiu uma cautelar referente à solicitação nesta terça-feira (28), segundo o processo consultado por Bloomberg Línea.

De acordo com o documento, assinado pela juíza Elisabete Franco Longobardi, a Preserva-Ação Administração Judicial foi nomeada à administradora judicial. A tutela cautelar de urgência determina a liberação de recursos da companhia pelos bancos Santander, Daycoval, BMG, além de Fundo Siena e do Sofisa.

A petição aponta que, até a sexta-feira passada, o volume dos recursos retidos corresponde a R$ 215,771 milhões (Santander), R$ 109,386 milhões (Fundo Siena), R$ 47,569 milhões (Daycoval), R$ 9,231 milhões (BMG) e R$ 1,464 milhão (Sofisa). Essas quantias englobam depósitos e recebíveis futuros (duplicatas, boletos já emitidos cujos valores irão ser depositados nas próximas semanas).

O Daycoval informou que não comenta decisões jurídicas envolvendo seus clientes. As outras instituições citadas ainda não responderam a pedido de comentários pela reportagem.

PUBLICIDADE

“O Grupo Petrópolis está ultrapassando uma crise de liquidez que já perdura e vem se agravando há aproximadamente 18 meses, diante da drástica redução de receita durante esse período, em razão da queda no volume de vendas, que antes girava em 31,2 milhões de hectolitros de bebida vendidos no ano de 2020. Nos anos de 2021 e 2022, contudo, o volume caiu para 26,4 e 24,1 milhões de hectolitros, respectivamente”, diz a petição inicial, a qual a Bloomberg Línea teve acesso.

Sobre seu passivo, o Grupo Petrópolis explica que as dívidas em aberto são, em sua quase totalidade, derivadas de operações financeiras e de mercados de capitais (linhas de crédito) e com grandes fornecedores.

“Essas obrigações financeiras e de mercado de capitais são da ordem de R$ 2 bilhões. Com grandes fornecedores (incluindo operações de risco sacado), as dívidas com terceiros (isto é, excluídas as operações intercompanies/com partes relacionadas) perfazem R$ 2,2 bilhões”

Sobre o regime de urgência do pedido de RJ, grupo fundado em Petrópolis (região serrana do Rio de Janeiro diz que se deve ao vencimento de parcela de R$ 105 milhões no último dia 27. “Seu inadimplemento provocará o vencimento antecipado de demais operações existentes com a casa bancária, resultando na pronta liquidação dos recursos travados na conta vinculada e tentativa de apropriação dos recebíveis do Grupo Petrópolis que irão ingressar na referida conta nas próximas semanas”, menciona a petição.

Bolsa

No pregão da B3, as ações da concorrente Ambev (ABEV3), dona da Brahma, Skol e Budweiser e líder do mercado de bebidas, tinham alta de mais de 6% por volta das 15h20 (horário de Brasília).

“A Ambev ganharia potencialmente market share com avanço de capacidade de distribuição, logística, e a incapacidade da concorrente. E talvez a possibilidade de compra de fábrica, de unidades ou linhas de produção e outros ativos”, avalia a analista da MyCap, Julia Monteiro, em entrevista à Bloomberg Línea.

O analista Gustavo Troyano, do Itaú BBA, comentou também o impacto da crise do Grupo Petrópolis para a Ambev.

PUBLICIDADE

“É positiva para o curto prazo, mas muito cedo para ser otimista com o longo prazo. É razoável supor que Petrópolis se concentrará em reotimizar sua estrutura de capital e rentabilidade no curto prazo, levando a um ambiente competitivo benigno ao longo do processo. Esse processo já estava em andamento, e a notícia vem reafirmar a dinâmica que temos visto nos últimos anos. Por outro lado, ainda não está claro se esta notícia levará a uma competição mais acirrada no Brasil, já que um novo (e capitalizado) player em potencial surge na indústria cervejeira brasileira”, disse Troyano, em relatório.

O pedido de RJ foi apresentado ontem (27) sob alegação de que a referida parcela poderia comprometer o caixa e as operações do grupo de forma imediata. O grupo é representado pelos escritórios Salomão Sociedade de Advogados e Galdino & Coelho.

A companhia pediu urgência com o objetivo de evitar o vencimento de uma parcela de R$ 105 milhões de uma dívida financeira. A justificativa é a queda nas vendas e uma “alta exponencial” da taxa Selic, que hoje está em 13,75% ao ano. Esse contexto teria levado ao “imediato encarecimento do serviço da dívida”.

Segundo a solicitação, o aumento da taxa básica de juros teria gerado impactos de R$ 395 milhões por ano no fluxo de caixa do grupo. O valor da dívida de R$ 4,4 bilhões, no entanto, foi atribuído pelos advogados da cervejaria até a companhia publicar a lista detalhada de credores.

Plano de recuperação

Quais os próximos passos do processo? Especialista em advocacia empresarial e sem ligação com o caso, Filipe Denki, que é secretário Adjunto da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB, diz à Bloomberg Línea que um plano de recuperação deverá ser apresentado no prazo de 60 dias.

“Nos próximos dias, o administrador judicial nomeado encaminhará uma carta dos credores informando o ajuizamento da recuperação judicial para que verifiquem se o crédito indicado pelo grupo está correto ou necessita de alteração. Haverá também a publicação do edital de deferimento da recuperação judicial. No prazo de 60 dias deverá ser apresentado o plano de pagamento (plano de recuperação judicial)”, explica Denki.

No mercado acionário, já houve uma reação imediata. Por volta das 15h20, a ação da Ambev tinha alta de 6,3%, cotada a R$ 14,80. Procurado pela reportagem, o Grupo Petrópolis não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

O portfólio do Grupo Petrópolis traz as marcas de cerveja Itaipava, Cabaré, Petra, Crystal, Lokal, Black Princess, Weltenburger e Brassaria Ampolis (com os rótulos Cacildis, Biritis, Ditriguis e Forévis); as vodkas Blue Spirit Ice e Nordka, a Cabaré Ice, os energéticos TNT Energy Drink e Magneto, o refrigerante It!, o isotônico TNT Sports Drink, a água Petra e a água tônica Petra.

A companhia possui oito fábricas em operação e diz ser responsável pela geração de aproximadamente 24 mil empregos diretos.

Contexto

A RJ da cervejaria ocorre em um contexto de aumento de empresas buscando proteção judicial por dificuldades no pagamento de dívidas. Em janeiro, a Americanas (AMER3) entrou em processo de RJ após a revelação de um rombo de R$ 20 bilhões em sua contabilidade e declarar uma dívida de mais de R$ 40 bilhões com quase 10 mil credores.

O Brasil vive uma disparada de solicitações de RJs. No primeiro bimestre, já foram 195 pedidos do tipo, sendo 103 em fevereiro, uma alta de 87% em 12 meses, segundo a consultoria Serasa Experian. Envolvendo grandes empresas, foram 9 pedidos em fevereiro e 15 em janeiro. Micro e pequenas empresas lideram o ranking de requisições.

A estagnação econômica do país, a inflação e juros altos influenciam diretamente na alta da inadimplência, tanto para empresas como para consumidores, avaliou o economista da Serasa, Luiz Rabi. “No caso dos empreendimentos, por acumularem uma quantidade enorme de dívidas, acabam entrando em risco de insolvência e alimentando as estatísticas de falências e de recuperações judiciais”, disse em nota.

Mercado em alta

O Grupo Petrópolis atua em um setor que está em alta no país. Em 2022, o consumo de cerveja cresceu 8%, alcançando o volume de cerca de 15,4 bilhões de litros, segundo levantamento da empresa de pesquisa de mercado Euromonitor International, para o Sindicerv (Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja). O dado reflete o retorno dos grandes eventos, festivais musicais, festas tradicionais e torneios esportivos.

A Ambev, maior fabricante do país, lucrou R$ 14,9 bilhões (+13%) em 2022, batendo recorde de volume de vendas no 4º trimestre, favorecido pela Copa do Mundo no Catar.

O Brasil é o terceiro maior produtor do mundo de cerveja e a cadeia produtiva representa 2% do Produto Interno Bruto (PIB). O faturamento da cadeia cervejeira apresentou alta de 19,8% no ano passado, totalizando R$ 277,4 bilhões, segundo a entidade.

Entre os brasileiros, a categoria de cerveja mais popular continua sendo a lager, que representa 97% do volume total de vendas de cerveja no varejo.

(Atualiza às 16h50 com detalhes do processo, comentário de analista e contexto)

Leia também

CEO da Americanas: ‘ainda não posso dizer se foi erro ou se foi fraude’

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.