Como foram os dias antes da descoberta do rombo da Americanas, segundo Rial

Em depoimento ao Senado, o ex-CEO da Americanas contou como foram os dias que antecederam à revelação das inconsistências contáveis de R$ 20 bilhões

Segundo ele, os três acionistas de referência, o trio bilionário Marcel Telles, Beto Sicupira e Jorge Paulo Lemann, mostraram-se surpresos
28 de Março, 2023 | 08:07 PM

Bloomberg Línea — Em depoimento ao Senado nesta terça-feira (28) sobre as dívidas da varejista em recuperação judicial, o ex-CEO da Americanas (AMER3) Sergio Rial detalhou a cronologia dos acontecimentos desde que teria descoberto o rombo contábil em 4 de janeiro até o fato relevante e sua renúncia no dia 11 de janeiro.

A versão da linha do tempo do ex-CEO tem sido alvo de investigação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Rial já negou em outras ocasiões que tivesse conhecimento do rombo antes de assumir a empresa em janeiro.

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Nesta terça, o executivo afirmou que tinha um acordo de prestação de serviço de setembro a dezembro, para poder se familiarizar com a companhia com antecedência. Ele negou que tivesse um contrato com a varejista desde maio de 2022 para consultoria, como levantado por um senador, antes de ser anunciado como o próximo CEO da companhia.

Rial disse que no início de 2022 recebeu uma ligação dos “acionistas de referência” e que essa conversa evoluiu para um processo de contratação como diretor-executivo.

Depois de ser entrevistado, em 19 de agosto foi anunciado que Rial iria para a Americanas no primeiro dia de 2023, já que não poderia entrar antes por compromissos entre agosto e dezembro.

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O executivo disse que entre agosto e dezembro de 2023 teve 21 reuniões para ter entendimento da operação da Americanas, que era uma fusão da plataforma digital B2W com as lojas físicas da Americanas.

“Tinha um faturamento superior a R$ 50 bilhões, nas mãos de três acionistas de referência com reputação inquestionável”, disse aos senadores. Rial afirmou que o ex-CEO Miguel Gutierrez era centralizador e que tinha informações “muito bem controladas por ele e pela diretoria”.

Até o dia 26 de dezembro de 2022, não se sabia o resultado financeiro da Americanas para 2022. “Na realidade não sabemos até hoje, o quarto trimestre não foi publicado. E eu tentando entender o que seria o ano de 2022 para projetar o orçamento de 2023″, disse Rial, na audiência.

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Assim foi a linha do tempo até se descobrir o rombo da Americanas, segundo Rial:

27 de dezembro

Segundo Rial, Gutierrez, o ex-CEO da Americanas, teria pedido que Rial não participasse do fechamento nos últimos dias de 2022. No dia 27 de dezembro, ele convocou uma reunião e o presidente do conselho acreditou que Rial deveria estar presente, e o chamou.

Nesta reunião, Gutierrez teria apresentado que 70% das vendas da Americanas vinham das plataformas digitais e que, neste caso, é difícil ter financiamento apenas com fornecedores, por isso os bancos entravam.

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“Se os bancos entram, é dívida bancária. Quando eu assumo no dia 2 de janeiro tenho a preocupação de trazer um novo diretor financeiro e por conta dessa apresentação do dia 27 peço que expliquem a ele em detalhe”, afirmou Rial.

4 de janeiro

A descoberta da inconsistência acontece no dia 4 de janeiro, segundo Rial, quando dois diretores revelam a ele que as contas se tratavam de uma dívida bancária e ela não estava devidamente contabilizada na rubrica “bancos” no balanço.

No terceiro trimestre de 2022, a dívida bancária da empresa era de R$ 19 bilhões. “O número da apresentação do dia 27 era de R$ 15,9 bilhões e se torna R$ 35-36 bilhões com patrimônio líquido de R$ 16 bilhões. Naquele momento vi que era estrutura patrimonial de insolvência”, disse Rial aos senadores.

“Se aquela dívida bancária não havia sido reproduzida em bancos, onde estavam os R$ 15,9 bilhões que não haviam sido reportados?”, disse.

5 de janeiro

Rial disse que pediu a apresentação no dia 5 de janeiro de um balancete demonstrando como seria a conta fornecedor. No dia 6, afirma que pediu aos mesmos diretores em posse do balancete de novembro que expliquem a Beto Sicupira o que fizeram. Sicupira é empresário do 3G Capital e um dos acionistas de referência da varejista.

“Com o balancete na tela, eles explicaram o que demonstrava as inconsistências contábeis, os lançamentos que deveriam ter ido para outras contas contábeis como estrutura de perdas eram lançadas como contas redutoras da conta fornecedor”, afirmou.

Segundo Rial, os três acionistas de referência, o trio bilionário Marcel Telles, Beto Sicupira e Jorge Paulo Lemann, mostraram-se surpresos.

O lançamento das perdas como contas redutoras da conta fornecedor importa para os bancos porque quando o risco de uma empresa é avaliado, a dívida bancária é adicionada à conta com fornecedores. Se a conta fornecedor está camuflada, o número total da dívida é estruturalmente menor, e manda um sinal de uma melhor estrutura patrimonial do que de fato acontecia, segundo Rial.

O chamado “risco sacado”, instrumento comum de varejistas, foi o meio pelo qual essa dívida bancária era acumulada. “Dado à natureza recorrente ficou mais fácil fazer isso por meio do risco sacado. É difícil contabilmente fazer isso com uma dívida que tem início e fim”, disse Rial.

9 de janeiro

No dia 9 de janeiro, Rial disse que se reuniu com o comitê de auditoria da PwC para informar da situação e que eles teriam ficado chocados.

“Sugiro que a PwC converse com a equipe contábil no dia 10. E as informações já não saíam com fluência. Do dia 4 ao dia 11 eu não recebi nada no papel, eu extraía as informações a conta-gotas com o diretor financeiro. O que eu sabia era que a empresa tinha muito mais dívida bancária do que tinha reportado”, afirmou.

10 de janeiro

Depois da reunião do dia 10 de janeiro, a PwC teria voltado “preocupada”, mas sem conseguir mencionar um número para essa dívida, que depois no fato relevante seria divulgada como R$ 20 bilhões.

“No dia do fato revelante, em 11 de janeiro, eu reúno a equipe da Americanas e deixo muito claro que nós iríamos comunicar isso ao mercado e eu precisava de elementos concretos”, disse Rial.

“Se essa dívida bancária é real, vamos ao sistema SCR do banco central e verificar se ela está lá. O CFO verificou e a dívida estava lá. Se a divida é bancária, ela tem nome e sobrenome, precisávamos de uma lista de credores. Não mencionar um número poderia ter sido muito pior, por isso falamos ‘na ordem de R$ 20 bilhões, não havia precisão técnica”, afirmou.

Rial renunciou ao cargo de CEO no dia 11 de janeiro e deixou a presidência do conselho do Santander em 20 de janeiro de 2023.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups