Vale: como novo padrão de crescimento da China deve alterar demanda por minério

País asiático aponta para nova dinâmica da economia, diferente de ciclos anteriores, o que será decisivo na definição de preços da commodity em 2023

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Bloomberg Línea — A reabertura da China será decisiva na dinâmica de preços do minério de ferro em 2023, mas, diferentemente do ocorrido em outros ciclos de retomada, desta vez serviços e varejo devem ser o grande foco do governo de Xi Jinping. Paralelamente, importantes volumes de capacidade produtiva entram em operação por grandes mineradoras. Nesse contexto, as chamadas majors do setor – Vale (VALE3), Rio Tinto (RIO), BHP (BHP) e Fortescue – devem travar uma disputa ainda mais acirrada pelo valioso mercado chinês, com produtos de maior qualidade sendo decisivos na conquista de market share.

A China é responsável por mais da metade do consumo global da matéria-prima. Na Vale, o país foi destino de 63% das vendas, em volumes, de minério de ferro e pelotas da companhia em 2022. Na Rio Tinto, 54,3% da receita da mineradora no ano passado foi destinada à China (incluindo Taiwan).

Nas últimas semanas, os preços do insumo vêm ganhando fôlego com a reabertura da economia chinesa pós-restrições para conter a covid e ultrapassaram em diversas ocasiões o patamar de US$ 130 por tonelada. No entanto a expectativa é que os preços não se mantenham no nível atual.

Na avaliação do sócio da KPMG Ricardo Marques, os preços da matéria-prima em 2023 devem recuar em relação ao praticado hoje. “Entendemos que o mercado trabalha com minério de ferro por volta de US$ 100 [por tonelada] no fechamento de 2023″, afirmou.

Segundo o analista da Tendências Consultoria Matheus Ferreira, espera-se uma retração dos preços especialmente no segundo semestre, em meio a um quadro de excesso de oferta global. “As grandes mineradoras têm projetos de expansão em curso e, do lado da demanda, o cenário não é tão positivo”, esclarece.

Com isso, a consultoria estima que o preço médio do minério de ferro em 2023 atinja US$ 98, ante US$ 121,3 no ano passado.

Ferreira apontou que, embora a reabertura da China tenha impulsionado os preços do minério de ferro, o quadro não deve perdurar. “Esperamos que a retomada da economia chinesa seja diferente dos ciclos anteriores, menos intensiva em commodities e mais puxada por consumo e serviços.”

Em sua visão, há uma expectativa de retração na atividade siderúrgica chinesa. “Não esperamos aumento da produção de aço devido às metas de controle de poluentes, tanto na China quanto fora do país asiático”, destacou.

Para analistas, o governo chinês também está determinado a conter a alta dos preços do minério de ferro e, por essa razão, planeja restringir a produção de aço.

Nesse contexto, as líderes do mercado global praticamente mantiveram o guidance (estimativa) de produção de minério de ferro para 2023. A Vale projeta volumes de 310 milhões a 320 milhões neste ano, ante 310 milhões em 2022. Já a Rio Tinto prevê produção de 320 milhões a 335 milhões de toneladas em 2023, o mesmo volume do ano passado.

Durante a pandemia, o minério de ferro enfrentou inúmeros altos e baixos. Os preços, em um primeiro momento, sofreram o efeito negativo da crise sanitária global, recuando de cerca de US$ 95 por tonelada, em janeiro de 2020, para US$ 84 em abril, mínima registrada em 2020.

Houve, a partir de então, uma trajetória de recuperação até meados de 2021. “O montante de estímulos econômicos, principalmente no Ocidente, fez com que a demanda de bens industriais tivesse uma rápida retomada e isso acabou favorecendo a recuperação da indústria na China”, lembrou Ferreira.

A atividade siderúrgica se recuperou fortemente e a demanda por minério na China levou os preços a atingir recorde de US$ 215 em junho de 2021, em meio a um descasamento entre oferta e demanda global.

Mais recentemente, porém, o intenso aperto monetário global, a queda dos lançamentos imobiliários nos Estados Unidos e uma crise no setor imobiliário da China levaram os preços do minério de ferro a atingir o patamar de US$ 90, recuando significativamente em relação às máximas.

Qualidade em jogo

Em meio a metas mais rígidas de controle de poluentes, as mineradoras estão investindo na produção de minério de maior qualidade, que aumenta a eficiência energética dos altos-fornos das siderúrgicas.

O insumo referência no mercado global é o de 62% de ferro contido, mas os minérios de 65% e 67% têm obtido prêmios significativos. A Vale informou no mês passado, durante divulgação de balanço financeiro, que cada ponto percentual de aumento no teor médio de ferro corresponde a cerca de US$ 550 milhões de Ebitda incremental, considerando o valor e o volume anual atual da companhia.

O sócio da KPMG ressaltou que a estratégia das majors está pautada no minério de maior qualidade, diante dos desafios de descarbonização. “Isso já está acontecendo na siderurgia e deve permanecer como tendência no futuro”, observou. “Estamos considerando um prêmio em torno de 18% para o minério 65%”, disse Marques, tomando como base conversas com clientes e dados do mercado.

O produto de maior qualidade também é uma estratégia para compensar a desvantagem que a Vale tem em relação às suas rivais australianas, que estão muito mais próximas à China.

“Em razão dos custos logísticos, a estratégia que as mineradoras do Brasil adotam já há algum tempo é oferecer o minério de maior concentração, que confere maior prêmio”, relatou Marques.

Para o analista da Tendências, os minérios 65% e 67% devem garantir um benefício para as mineradoras que têm parte do portfólio com esse grau de pureza. “A Vale está investindo mais em minério de maior pureza de olho no processo de descarbonização da economia chinesa”, disse Ferreira.

A líder de Energy, Resources & Industrials da Deloitte, Patrícia Muricy, apontou ainda que projetos de parcerias entre mineradoras e siderúrgicas em torno de insumos mais sustentáveis também devem ser um diferencial neste cenário atual.

Ela citaoucomo exemplo o “briquete verde”, um novo produto de minério de ferro que dispensa o uso de altas temperaturas no processo de produção do aço.

A Vale espera inaugurar, neste semestre, sua primeira fábrica de briquetes verdes, com capacidade de produção de 6 milhões de toneladas.

“O briquete verde diminui a necessidade de energia no processo produtivo da siderúrgica. Na Europa, o aço verde já é uma realidade e essa tendência deve crescer”, diz Muricy.

A Rio Tinto também está testando um produto batizado de Bioiron, que usa biomassa em vez de carvão metalúrgico para converter o minério da região de Pilbara, na Austrália, em um produto para ser usado no processo de fabricação do aço.

Incertezas

Muricy alertou que incertezas ainda rondam o processo de reabertura da China, o que deve ser crucial na dinâmica de preços do minério de ferro neste ano.

“Questões geopolíticas, como a possibilidade de a China invadir Taiwan, ou econômicas, como o nível de crescimento do país, ou ainda se o governo deve diversificar mais a atividade em relação à produção de aço, tudo isso deve impactar a demanda por minério de ferro”, afirmou.

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