Bloomberg — Quando a série “Succession”, da HBO, estreou em 2018, ela foi promovida como uma versão moderna de “Rei Lear”. O patriarca Logan Roy, interpretado por Brian Cox, desenvolve demência lentamente enquanto seus filhos e funcionários brigam pelo poder.
Ao contrário da obra de Shakespeare, a série traz salas de reunião como cenário e jatinhos em vez de cavalos, mas a estrutura básica de alianças, traição e brigas internas é bem parecida.
Se você já leu Rei Lear, deve ter percebido que a série se desviou muito antes do final de sua terceira temporada. Não me lembro, por exemplo, de os filhos do rei finalmente colocarem de lado suas brigas para derrubar o pai, e definitivamente não me lembro de o golpe dos filhos do rei ser frustrado por sua mãe.
Mas aqui estamos nós, entrando na quarta e última temporada da série, que estreia neste domingo (26), com três dos quatro filhos de Roy presos em Los Angeles, o que eu acredito ser a alegoria de purgatório de Succession.
Parece que já se passaram vários meses desde que seu plano de tomar o controle da Waystar Royco – o império conservador de mídia e entretenimento de seu pai – deu errado.
Recuperando-se do golpe – mas ainda como bilionários –, eles se tornaram empresários, concebendo uma empresa de mídia chamada “The Hundred”, que é divulgada como “uma mistura de Substack, MasterClass, The Economist e The New Yorker”.
Kendall (Jeremy Strong) parece ter se livrado de seus problemas com drogas e pelo menos das manifestações externas de seus problemas de saúde mental. Siobhan (ou “Shiv”, interpretada por Sarah Snook) separou-se de seu marido, Tom (Matthew Macfadyen), que puxou seu tapete na temporada anterior em troca de uma promoção. E Roman (Kieran Culkin) só quer que todos se deem bem.
Logan, por outro lado, está bem-sucedido em Nova York. Ele triunfou sobre seus filhos e arranjou um comprador para sua empresa, mantendo a divisão de notícias para si.
Enquanto isso, o meio-irmão libertário mais jovem dos Roy, Connor, continua gastando muito em sua corrida presidencial – ele descobriu que manter seu 1% dos votos vai lhe custar pelo menos US$ 100 milhões na reta final da disputa.
As duas gerações da família, contudo, devem logo se reencontrar. Logan parece sentir saudade de seus filhos rebeldes, que, por sua vez, continuam desesperados por sua atenção. Há também a existência inconveniente das ações da empresa que são dos filhos, e que lhes dão direito a voto.
Quando Logan vender a empresa, todos farão a transição de bilionários (em teoria) para bilionários na prática – supondo que eles não se atrapalhem e prejudiquem as negociações por pura raiva.
E isso pode muito bem acontecer. Porque um dos aspectos mais astutos de Succession é que nenhum dos Roy realmente se importa com dinheiro, pelo menos não de maneiras que eles mesmo compreendem.
Nesse aspecto, o espetáculo é uma recriação perfeita da realidade obscuramente deprimente dos ricos globais. Seja em Bel Air ou no Upper East Side, os interiores são revestidos de travertino e madeira, os ternos são feitos sob medida, os colarinhos das camisas são imaculados, as joias são perfeitas e ignoradas.
Os aviões são sempre privados e estão a um telefonema de distância – ninguém fica pesquisando passagens baratas ou tarifas de bagagem. Ninguém abre a carteira nem paga por uma corrida de táxi. Ninguém toca em dinheiro.
Em outras palavras, o dinheiro, basicamente, foi transcendido: a família não quer mais dinheiro porque pretendem usá-lo, mas porque não há mais nada a querer. Somente Logan – cínico, cruel e astuto – tem uma relação instintiva com a pragmática da vida cotidiana.
E ainda assim, há uma breve cena em que ele se encontra triste e enojado em uma animada calçada do centro da cidade: a realidade só é palatável por trás das janelas escurecidas de um Maybach ou do alto de um arranha-céu. Ele pode até saber o que as pessoas querem, mas isso é muito diferente de conhecer a forma como vivem.
Esse é parcialmente o motivo pelo qual a arrogância dos filhos de Logan é explicável e absurda ao mesmo tempo e o motivo pelo qual a série em si é uma grande e boa piada: Kendall, Shiv e Roman são totalmente desqualificados para qualquer coisa, principalmente dirigir uma grande empresa, mas eles acreditam que estão destinados a serem executivos de alto escalão.
Mas não podemos culpá-los. Por toda sua vida, eles viram pessoas se curvarem a seu dinheiro e, portanto, a eles. Príncipes herdam reinos, não os conquistam.
A realidade tende a penetrar nas fendas até mesmo dos interiores mais suntuosos. Ver os filhos de Logan se deparar com provas tangíveis de sua inadequação tem sido a fonte dos momentos mais divertidos da série.
Certamente, pelas três primeiras temporadas da série e pelos próprios personagens, é isso que pode acontecer se eles realmente conseguirem o que querem. Um outro rei das obras de Shakespeare, Henrique IV, disse verta vez que pesada é a cabeça que usa a coroa.
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