Traders dispensados no Morgan Stanley prosperam com gestoras próprias no Brasil

Thiago Melzer, na Upon Global Capital, e Rodrigo Jolig, na Alphatree Capital, destacam-se diante de seus pares com ganhos acima de 20% desde o início de 2022 em ambiente volátil

Thiago Melzer e Rodrigo Jolig, que geraram centenas de milhões de dólares para o Morgan Stanley de Nova York, foram suspensos em 2019
Por Donal Griffin e Vinícius Andrade
24 de Março, 2023 | 03:03 PM

Bloomberg — Para a dupla de traders que deixou o Morgan Stanley (MS) após uma investigação interna contenciosa sobre supostas irregularidades, sair do banco de investimento se tornou um negócio lucrativo.

Thiago Melzer e Rodrigo Jolig ajudaram a supervisionar opções de câmbio no Morgan Stanley, negócio que gerou centenas de milhões de dólares para o banco de Nova York, até que os dois foram suspensos em 2019.

Eles saíram em 2021 e montaram gestoras de recursos em seu país natal, o Brasil, e seus fundos têm gerado retornos de dois dígitos, de acordo com documentos das empresas e dados compilados pela Bloomberg News.

Melzer, que era chefe global de opções cambiais no Morgan Stanley até a investigação, é cofundador e diretor de investimentos da Upon Global Capital, uma gestora com sede em São Paulo cujo fundo flagship subiu 23% após taxas desde o início do ano passado até a última terça-feira (21), segundo os documentos.

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Jolig, que era responsável por opções de câmbio em mercados emergentes e se reportava a Melzer, agora é CIO da Alphatree Capital, cujo fundo subiu 21% no mesmo período.

Os fundos multimercado brasileiros registraram os melhores retornos em seis anos em 2022, ganhando com a subida das taxas de juros e a instabilidade política provocada pela estreita vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo com alguns de seus cotistas resgatando seu dinheiro e migrando para ativos considerados mais seguros.

O ambiente volátil tem proporcionado uma nova vida para os dois operadores, que poderiam ter enfrentado desafios para encontrar trabalho em um banco de investimento global após sua saída do Morgan Stanley, segundo especialistas em recrutamento.

Em uma divulgação inicial feita à Finra, autoridade reguladora do setor financeiro dos EUA, no momento de sua saída, o Morgan Stanley citou alegações sobre marcação de posições e o uso de plataforma de comunicação não aprovada.

Nova versão para saída, determina regulador

Melzer contestou as conclusões e um painel de árbitros independentes da Finra decidiu a seu favor em setembro, ordenando que a explicação oficial para a sua saída fosse alterada para “percepção de suas ações de supervisão que não estavam relacionadas a quaisquer valores mobiliários, interação com clientes ou práticas de vendas”.

Mas as empresas de Wall Street se tornaram cada vez mais avessas ao risco em suas práticas desde a crise financeira, disse Jason Kennedy, diretor executivo da empresa de recrutamento Kennedy Group.

Operadores que foram oficialmente desligados por um banco de investimento podem ter dificuldades para passar pelos “background checks” de outros, segundo ele.

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Mesmo os hedge fund globais, que enfrentam muito menos escrutínio regulatório do que os bancos, tornaram-se mais conservadores quando se trata de sinais de alerta, disse ele. A melhor opção é criar seu próprio fundo, disse ele.

Melzer e Jolig não comentaram.

A dupla ainda pode “desenvolver-se profissionalmente e lucrar com ambientes empreendedores para amantes de risco” em seus fundos, disse Anna Tavis, professora de gestão de capital humano na New York University e ex-executiva sênior de recrutamento.

Contudo, as carreiras no setor de serviços financeiros tradicionais são “escadas com inúmeras proteções” e qualquer suposto deslize “é quase uma via sem saída sem retorno”, disse Tavis.

Ganhos acumulados

Melzer ajudou a montar a Upon Global Capital em 2021, quando ele estava deixando o Morgan Stanley, e a gestora agora supervisiona mais de R$ 490 milhões, segundo dados da Anbima. Um de seus sócios na gestora é Pedro Silveira, ex-sócio e ex-head da XP nos Estados Unidos.

Jolig ajudou a criar a Alphatree na mesma época, atraiu a família Horn, da Cyrela (CYRE3), como acionista e tem cerca de R$ 450 milhões sob gestão, de acordo com a Anbima.

Os dois fundos superaram o ganho de 14% registrado desde o ano passado pelo IHFA, índice de hedge funds Anbima, que acompanha a performance de multimercados domésticos. O CDI, utilizado pelos investidores brasileiros como referência, subiu 16%. O Bloomberg Macro Hedge Fund Index, que monitora hedge funds globais, subiu 2% até o fim de fevereiro, mostram os dados.

Muitos hedge funds macro reportaram retornos de dois dígitos em 2022, lucrando com a volatilidade causada pelo aumento de juros, inflação recorde e invasão da Ucrânia pela Rússia. Este ano provou ser igualmente imprevisível: uma crise bancária derrubou o Credit Suisse e o Silicon Valley Bank com semanas de intervalo e a incerteza sobre a direção das taxas de juros continua a abalar os mercados globais.

As oscilações nos títulos do Tesouro dos EUA foram mais intensas do que as observadas durante o colapso do Lehman Brothers.

Rivais maiores viram alguns dos ganhos do ano passado serem eliminados em meio à turbulência. Um fundo da Haidar Capital Management, de Said Haidar, despencou 44% em 2023, enquanto o trader macro veterano Adam Levinson está fechando seu fundo Graticule após perdas.

A Brevan Howard Asset Management reduziu o risco de ao menos três de seus traders depois que eles atingiram níveis máximos de perdas, informou a Bloomberg News.

Melzer e Jolig parecem ter evitado situações semelhantes até agora. O principal fundo da Upon sobe 2,7% neste ano e recentemente disse que abriu uma posição comprada no iene japonês, enquanto aumentou apostas em quedas adicionais do índice S&P 500, de acordo com documentos e dados compilados pela Bloomberg.

O fundo da Alphatree sobe 2,2% com ganhos em ações e renda fixa compensando perdas em moedas e commodities recentemente, mostram os documentos e os dados.

“A volatilidade do mercado, das taxas e do câmbio, juntamente com um mundo geopolítico estratificado, fornece o cenário mais ideal para os hedge funds macro ganharem dinheiro”, disse Gaurav Patankar, analista de hedge funds da Bloomberg Intelligence. “Esperamos que essas circunstâncias se sustentem e sejam particularmente benéficas para gestores macro emergentes.”

Os dois traders ajudaram a liderar a investida do Morgan Stanley no mundo de opções de câmbio, derivativos complexos que investidores utilizam para especular sobre a direção das moedas. Com Melzer no comando, o banco ultrapassou rivais como o Goldman Sachs (GS), mostram os dados.

Uma pessoa familiarizada com o assunto estimou que a divisão gerou cerca de US$ 800 milhões em receita nos três anos até 2018.

A estratégia se mostrou custosa em 2018. O time de Melzer havia acumulado um grande volume de negócios vinculados à lira turca com um fundo obscuro da chinesa GF Securities. Quando as apostas deram errado, o fundo colapsou e suas posições foram assumidas pelo Citigroup.

Enquanto os funcionários do Morgan Stanley examinavam as transações, eles questionaram as marcações feitas pela unidade.

Funcionários do Morgan Stanley começaram a investigar as práticas na divisão de opções em 2019. Em novembro, o banco suspendeu a dupla. Mais tarde, a área registrou uma perda de cerca de US$ 150 milhões para o ano devido a operações na Europa Central e Oriental, Oriente Médio e África, informou a Bloomberg News à época.

Mark Lake, porta-voz do Morgan Stanley, não comentou.

Para Melzer, sua saída do Morgan Stanley agora está no espelho retrovisor.

“Foi um processo de ‘divórcio’ um pouco mais demorado e conturbado do que eu gostaria”, disse Melzer, em podcast que foi ao ar no ano passado. “Tudo foi resolvido numa forma bastante satisfatória e agora é 100% de foco no fundo.”

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