Lula na China: investimentos esperados vão de Minha Casa Minha Vida a hidrogênio

Investidores chineses buscam expandir atuação na maior economia da América Latina em áreas que vão além do interesse de longa data em infraestrutura e agronegócio

Xi Jinping, presidente da China, e Joe Biden: depois de encontrar líder dos EUA, presidente Lula vai se reunir agora com o mandatário da China
23 de Março, 2023 | 01:41 PM

Bloomberg Línea — A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, de 26 a 31 de março, pode render novos ciclos de investimentos ao Brasil, segundo fontes ouvidas pela Bloomberg Línea. De obras do Minha Casa Minha Vida ao desenvolvimento de projetos de hidrogênio, investidores chineses já se movimentam para participar de encontros com integrantes da comitiva brasileira para costurar novos acordos.

Trata-se da terceira visita de Estado de Lula em seu atual mandato, após viagens à Argentina e aos Estados Unidos, de Joe Biden, em um sinal de que o país asiático ganhará ainda mais relevância na agenda do governo brasileiro. Lula se encontrará com o presidente da China, Xi Jinping.

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Nesta quinta-feira (23), às vésperas da viagem do presidente, a China retomou as importações de carne bovina brasileira que tinham sido suspensas há um mês em razão de um caso de vaca louca descoberto no Brasil.

A comitiva, que terá a participação de empresários de diferentes setores, deve visitar Pequim e Xangai. Espera-se que a viagem seja o pontapé inicial para uma nova leva de negócios em diversas áreas.

Minha Casa, Minha Vida

O programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) deve ser um dos temas levantados durante os encontros. Regulamentado nesta semana, o programa já despertou interesse no país asiático. Um grande conglomerado chinês estatal espera discutir com integrantes da comitiva brasileira de que forma poderia entrar no negócio, relata uma pessoa próxima às negociações, que falou sob condição de anonimato porque as discussões são privadas.

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O grupo estuda oferecer estruturas pré-moldadas para construção das casas, o que aceleraria o processo de construção, mas não descarta erguer uma planta no Brasil para produzir os kits localmente.

O interesse ocorre principalmente na faixa 1 do programa, em que existe menos interesse por parte das construtoras brasileiras e o risco reside muito mais entre as empresas.

O sócio do Inova China, hub de Inovação Brasil-China, Kevin Tang, disse que os investimentos chineses vêm, muitas vezes, de estatais ou empresas de capital misto, o que significa que há um componente político importante envolvendo uma decisão como essa, especialmente se o discurso diplomático é positivo.

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“Isso não quer dizer que agora os chineses vão inundar o Brasil de novos investimentos, mas logicamente a nova posição política [em relação à China na comparação com a postura do governo de Jair Bolsonaro] afeta positivamente a decisão de investir por aqui”, disse.

O advogado especialista em negócios Brasil-China do escritório Souto Correa, Guilherme Rizzo Amaral, afirmou que, além de setores tradicionais como mineração, energia e agronegócio, os investidores chineses buscam novas áreas de atuação.

“O número de consultas aumentou substancialmente”, disse Amaral, que atende cerca de 20 clientes chineses.

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Entre as áreas de interesse está a de jogos online, contou o advogado. “Um importante mercado está, hoje, no celular. Os clientes estão buscando oportunidades no setor de jogos.” Ele esclareceu, entretanto, que os investidores dessa área estão em compasso de espera diante da possibilidade de regulação do setor no Brasil.

Adicionalmente, Amaral afirmou que a área de fintechs continua despertando o interesse dos chineses, embora o cenário global esteja mais desafiador para o negócio.

Oportunidades

A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Em 2022, as exportações brasileiras ao país asiático somaram US$ 89,4 bilhões, seguidas dos Estados Unidos, com US$ 37,4 bilhões, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).

No setor industrial, Tang ressaltou que pode haver uma grande cooperação entre China e Brasil. “No segmento de componentes, especialmente na área de eletrificação [de veículos], há muitas oportunidades diante das mudanças nas cadeias de produção. Isso tem feito com que empresas chinesas busquem outros países para montar fábricas.”

É o caso da chinesa Higer Bus, que anunciou no ano passado um investimento de US$ 50 milhões em uma fábrica de ônibus elétricos na região de Pecém, em Fortaleza (Ceará). A chinesa Great Wall também está investindo na montagem local de SUVs e picapes na antiga fábrica da Mercedes-Benz em Iracemápolis, no interior de São Paulo.

Tang lembrou que recentemente a Petrobras anunciou a intenção de investimentos na área de geração de energia eólica offshore (em alto-mar), dentro do plano de longo prazo de descarbonização da companhia. “A China já é um dos maiores players da indústria eólica e tem potencial para ajudar a expandir a matriz offshore do Brasil”, disse.

Ele destacou que a pandemia dificultou os planos de expansão da economia chinesa e que, agora, com a visita de Lula, o plano é retomar investimentos que ficaram represados.

“Energia continua sendo uma área de interesse dos chineses, especialmente renováveis, e para o presidente Lula o hidrogênio é muito importante, segmento em que a China tem um grande potencial de fornecimento”, avaliou.

De acordo com o sócio do Castro Barros Advogados, Paulo Dantas, Estados Unidos e China já estão liderando a corrida do hidrogênio verde, em meio à demanda global por descarbonização. “Economia verde é o tema do momento e projetos com essa temática vão ganhar atenção cada vez maior”, disse.

Segundo o especialista, que integra grupos de trabalho de hidrogênio no Brasil, a China possui as principais tecnologias para a produção do insumo. “Há um movimento global significativo na área, mas a janela de oportunidades em hidrogênio é curta, temos que aproveitar”, disse Dantas.

Ele acrescentou que a viagem de Lula à China logo no início do mandato é simbólica. “Isso ajuda a atrair novos investimentos.”

Interesse mais seletivo

Na última década, o investimento chinês esteve presente, em grande parte, em projetos intensivos em capital no Brasil, como infraestrutura, energia elétrica e petróleo e gás.

No setor petrolífero, por exemplo, os chineses foram destaque em disputas emblemáticas promovidas pelo governo brasileiro. Em 2013, no primeiro leilão da história do pré-sal brasileiro, na área de Libra, os grupos estatais chineses CNPC e CNOOC venceram, com lance único, em consórcio formado com a Petrobras, a anglo-holandesa Shell e a francesa Total.

Já em 2019, no leilão do excedente da Cessão Onerosa, um megacampo de petróleo, novamente as estatais chinesas arremataram, em lance único com a Petrobras, o maior bloco do certame, o de Búzios.

No entanto, o sócio da Virtus BR Partners Assessoria Financeira, Douglas Bassi, disse que, com base em cálculos de retorno financeiro, o governo chinês provavelmente subsidiou parte destes projetos no Brasil.

“Os tempos de investimento a fundo perdido ficaram para trás”, assinalou. Bassi, que atua em grandes projetos de infraestrutura, disse ainda que o país asiático está mais seletivo. “Historicamente, infraestrutura atraiu grande parte dos recursos chineses, mas não temos visto tanto movimento neste sentido. A China tem seu próprio desafio de crescimento”, ponderou.

De acordo com a pesquisadora associada do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e membro sênior do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Lia Valls, mesmo durante o governo de Jair Bolsonaro, cujo discurso era mais duro em relação à China – nos moldes do ex-presidente americano Donald Trump –, o país asiático se manteve como o principal parceiro comercial do Brasil.

“Apesar de os chineses não gostarem do discurso de Bolsonaro, que repetia o de Trump, o comércio entre Brasil e China não foi bloqueado. Agora, o tom mais amigável do governo brasileiro tende a favorecer os negócios”, pontuou a especialista.

Ela acrescentou que uma das grandes discussões entre os dois países deve acontecer em torno do agronegócio. “A renda dos chineses está crescendo e a população vai continuar descobrindo novos nichos de consumo. Estamos exportando carnes, mas dentro do agronegócio há um campo extenso de produtos que podem ser exportados”, disse Valls.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.