Bloomberg Opinion — Eu espero muito ter filhos um dia. O que eles vão fazer na Terra é a escolha deles, mas o tipo de mundo que eles vão habitar será determinado por mim e por todos nós agora – enquanto eles ainda são uma invenção da minha imaginação. É um conceito simples, mas isso não impede que se torne cada vez mais terrível.
Essa seriedade foi apresentada por um gráfico no último Relatório de Síntese do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. A ilustração é uma das primeiras do documento – uma atualização das faixas de aquecimento, elaborada pela primeira vez por Ed Hawkins, professor de ciências climáticas da Universidade de Reading, na Inglaterra.
As barras coloridas são dramáticas, passando do azul ao roxo profundo; elas retratam as mudanças na temperatura global desde 1900. A nova versão ajustada no relatório do IPCC projeta vários cenários até o ano 2100, com base no que podemos fazer em relação a nossas emissões globais.
A revisão que me deixou perplexa é a ilustração com silhuetas humanas no fundo do gráfico, cortesia da gráfica do IPCC, Arlene Birt: ela mostra a vida útil das pessoas nascidas em 1950, 1980 e 2020 com código de cores até seu lugar cronológico no aquecimento do planeta. Cada geração tem uma relação completamente diferente com a crise da Terra.
“O aquecimento que vivi até hoje é muito maior do que o aquecimento que meus pais viveram até a mesma idade”, diz Alex Ruane, membro da equipe de redação principal do IPCC e codiretor do grupo de impactos climáticos do Instituto Goddard para Estudos Espaciais da Nasa. “E quando você olha para a mesma sequência de ícones para as gerações atuais, você pode ver que o aquecimento é muito mais acentuado”.
A figura também revela o quanto as decisões tomadas hoje terão enormes efeitos no mundo de amanhã. Quando um bebê nascido em 2020 fizer 70 anos, a diferença na mudança potencial de temperatura é maior até mesmo do que o aquecimento que tivemos até os dias atuais. Em um cenário em que nossas emissões permanecem altas, uma pessoa de 70 anos em 2090 poderia estar vivendo em um planeta que é 4℃ mais quente do que os níveis pré-industriais.
Se tivermos sucesso em fazer cortes profundos, rápidos e sustentados em nossas emissões, o planeta ficará apenas cerca de 1,5℃ mais quente. É uma diferença de 2,5℃. O planeta está atualmente 1,1℃ mais quente que a média entre 1850 e 1900 – e esse aumento já teve impactos substanciais na disponibilidade de água, no calor e na saúde tanto de humanos quanto de animais.
O IPCC não destaca apenas a injustiça climática intergeracional. Ele também foca na injustiça e no sofrimento desigual infligido pelo aquecimento global. Entre 2010 e 2020, a mortalidade humana causada por enchentes, secas e tempestades foi 15 vezes maior em regiões altamente vulneráveis – normalmente países em desenvolvimento sem acesso à tecnologia e outras medidas para mitigar e se adaptar ao aumento das temperaturas. Os impactos negativos do aquecimento global continuarão afetando de forma desproporcional essas populações. O que é injusto é que essas pessoas mal contribuíram para a crise climática, mas sofrerão as consequências.
A menos que as políticas sejam mais eficazes, o IPCC sugere que estamos no caminho certo para um aquecimento de 3,2℃ até 2100. É difícil dizer exatamente como será esse mundo. O que sabemos neste momento não parece nada bom. Um estudo sugere um aumento nas chances de uma grande onda de calor em todo o mundo. Entre 1981 e 2010, essa chance era de 5%. Se chegarmos a 3℃ até a virada do próximo século, será de 80%.
Cidades como Amsterdã e Bangkok provavelmente desapareceriam com o aumento do nível do mar, ao lado de praticamente todas as Maldivas e as Seychelles. Bilhões de pessoas nas áreas mais expostas se tornariam refugiados climáticos.
Ruane faz questão de enfatizar que ainda temos agência aqui. O futuro não tem que ser assim. Mas evitar os cenários de pesadelo dependerá muito do que fizermos na próxima década.
O Dr. Hoesung Lee, presidente do IPCC, disse em uma entrevista coletiva que a mensagem geral do relatório era uma mensagem de esperança. Há ferramentas viáveis, eficazes e de baixo custo disponíveis para nós neste momento que nos permitiriam atingir a meta de Paris de um aumento de 1,5℃. Mas para isso, teremos que reduzir as emissões em 50% até 2030. É tecnicamente possível, mas não será fácil.
Entretanto, é difícil manter viva a esperança quando os governos – inclusive aqueles que afirmam estar comprometidos em reduzir as emissões a zero líquido – ainda estão aprovando novos projetos de combustíveis fósseis. De acordo com o IPCC, a infraestrutura pesada de carbono existente já excede o orçamento de carbono restante para limitar o aquecimento a 1,5°C. Projetos como aquele de perfuração de petróleo Willow, da ConocoPhillips, no Alasca e a recém aprovada mina de carvão no Reino Unido são desconcertantes – talvez até criminosos – diante de tudo o que sabemos sobre os danos que infligiriam às gerações que ainda estão por nascer.
De fato, dois processos já foram movidos contra o projeto Willow, alegando que o governo Biden violou a lei federal para aprová-lo, e muitos esperam que os stakeholders – principalmente crianças e grupos marginalizados – usem os tribunais contra governos e empresas para lutar por seu futuro.
Governos, bancos e empresas de combustíveis fósseis não estão prontos para estes processos. Portanto, aqui vai uma sugestão para ajudá-los a evitar litígios: encerrem os financiamentos e subsídios para esses projetos e redirecione o dinheiro para a ação climática, prestando atenção especial aos lugares que atualmente não dispõem de recursos para se descarbonizar.
É algo óbvio, e a recompensa é imensa. O relatório do IPCC cita dezenas de benefícios, incluindo melhoria da saúde humana, aumento da produtividade agrícola, ganhos em inovação e economia de custos ao evitar os piores danos e catástrofes relacionados ao clima.
Na coletiva de imprensa, o cientista climático Peter Thorne fez referência ao falecido autor Douglas Adams, dizendo: “estamos além do ponto que a mudança climática pode ser ‘um problema de outra pessoa’”. É um problema nosso, e chegou a hora de agirmos como se as vidas de nossos filhos estivessem em risco, porque estão.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Lara Williams é colunista da Bloomberg Opinion e escreve sobre mudança climática.
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