Startups enfrentam dificuldade para trazer dinheiro do SVB para o Brasil

Transferências dos valores totais mantidos no banco americano sob intervenção têm sido efetuadas apenas para empresas com contas nos EUA, segundo fontes

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Bloomberg Línea — Apesar da liberação de recursos do SVB (Silicon Valley Bank) de forma integral para clientes na segunda-feira (13), há fundadores de startups não conseguem trazer o dinheiro para contas no Brasil.

Startups conseguiram sacar todo o dinheiro que mantinham na instituição, conforme anunciado pelo governo americano na noite de domingo (12). Mas isso só funcionou para aquelas com contas nos Estados Unidos. Os demais fundadores brasileiros não conseguiram trazer o dinheiro para real.

Na quinta-feira (9) e na sexta-feira (10) da semana passada, quando ainda era possível fazer remessas internacionais, mais de US$ 200 milhões foram enviados, mas, quando o SVB abriu na segunda-feira sob controle do FDIC, havia uma limitação para saques domésticos.

“Já ouvi alguns relatos de startups brasileiras que tinham contas no banco que conseguiram resgatar 100% dos valores depositados nesta segunda, inclusive acima dos US$ 250 mil”, disse Caio Fasanella, Head de Investimentos da Nomad, em entrevista à Bloomberg Línea. Foi possível, inclusive, resgatar pontos do cartão para startups por meio da plataforma SVB Go.

Mas a limitação dessas transferências apenas para contas domésticas americanas criou um problema para as startups brasileiras que não tinham essa alternativa e que precisam acessar os fundos o quanto antes para honrar compromissos da operação.

Opções de bancos nos EUA

Diante dessa demanda, empresas como a Trace Finance e o Latitud se apressaram para lançar produtos bancários - que disseram que já estavam em desenvolvimento há meses - para resgatar saldos dessas startups que ainda continuam com dinheiro preso no banco sob intervenção do FDIC.

“Todo mundo que não tirou o dinheiro na semana passada e não tinha uma conta doméstica americana está com o dinheiro preso”, disse Bernardo Brites, CEO e cofundador da Trace Finance, em entrevista à Bloomberg Línea.

O dinheiro de startups brasileiras no SVB tem sido transferido para grandes bancos como JPMorgan (JPM) e Morgan Stanley (MS), menores como o Mercury e fintechs locais como a Brex, dos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi. Há também aquelas na lista de espera da Trace Finance, que anunciou o banco Trace Finance US Inc na quinta (9) durante a corrida bancária ao SVB.

Segundo a Bloomberg News, o Bank of America (BAC) atraiu mais de US$ 15 bilhões em novos depósitos em questão de dias depois do colapso dos três bancos americanos - SVB, Signature Bank e Silvergate -, algo que abalou a confiança em instituições financeiras menores.

A Trace disse que trabalha com “diversos bancos” no backend. Com a demanda, afirmou contar com uma lista de espera de US$ 3 bilhões com a demanda. Mas esse valor é equivalente ao que essas startups levantaram na última rodada. Brites estima que as startups já tenham gastado até metade desse valor captado, ou seja, efetivamente US$ 1,5 bilhão entraria na conta da fintech.

A fintech disse que consegue finalizar o cadastro em até três horas para startups com saldo acima de US$ 500 mil. Apenas da noite de terça-feira (14) para quarta-feira (15), no período da manhã, foram feitos 65 cadastros de empresas para o produto bancário da startup.

A Trace ainda disse que seu produto é segurado pelo FDIC e conta com seguros adicionais que somam até US$ 2 milhões.

Já o produto bancário do Latitud, chamado de Meridian, focará nos fundadores de startups em estágio inicial que precisam de contas internacionais, mas que não são grandes o suficiente para serem clientes de grandes bancos americanos. Nesta quarta-feira (15), a conta empresarial está em teste para startups brasileiras.

Segundo o Latitud, as startups early stage raramente têm histórico de negócio para serem atendidas pelos bancos americanos tradicionais, “que requerem até US$ 10 milhões em depósitos”.

Montanha-russa desde o colapso do SVB

Desde quinta passada, a vida de empreendedores brasileiros com recursos no SVB tem sido uma espécie de montanha-russa. No fim de semana, diante da limitação de cobertura do FDIC para US$ 250 mil por cliente, startups começaram a avaliar linhas de crédito emergenciais com fintechs como a Brex e a Capchase para pagar salários e manter a operação. Mas, com o anúncio no final do dia de domingo (12) de que o FDIC cobriria tudo de forma inédita, os planos foram suspensos.

“Estou muito feliz que os clientes do SVB terão acesso total aos seus depósitos. Com essa excelente notícia, a oferta do nosso empréstimo consignado não é mais necessária. Isso é um resultado bem melhor para esses clientes. Obrigada a todos os funcionários da Brex e parceiros de capital pelo extraordinário trabalho no final de semana”, disse Dubugras em um tuíte no domingo (12).

Em geral, para uma startup brasileira receber investimento no exterior, ela tem três empresas: uma no Brasil, uma nas Ilhas Cayman e outra em Delaware, nos EUA. Para aqueles fundadores que desejam manter uma conta americana, o entrave tem sido a holding com sede nas Ilhas Cayman, por onde normalmente os fundos de venture capital aportam. “Investidores preferem a estrutura de Cayman, pois confiam mais e há benefícios fiscais”, disse o CEO e fundador da Zazos, Alexandre Maluli.

Mas fintechs americanas como a Brex, por exemplo, não aceitam que a conta seja aberta por meio da estrutura de Cayman, mas, sim, pela LLC de Delaware, que é uma empresa pass through (de passagem).

“Ei, Brex, Henrique Dubugras, nós temos enviado uma tonelada de pessoas para a Brex, pois entendemos que, se os fundadores na América Latina tiverem um EIN [um número de identificação fiscal americano usado para identificar uma entidade comercial], podem abrir uma conta em dinheiro mesmo com uma Holding em Cayman. É esse o caso?”, tuitou o CEO da rede de empreendedores Latitud, Brian Requarth, na tarde de segunda-feira.

A Brex respondeu que requer que as empresas sejam incorporadas e registradas nos EUA. Ou seja, é possível abrir uma conta na Brex por meio da entidade de Delaware.

Um dos produtos que o Latitud oferece é “um pacote” de abertura de startups, que conta com advogados para estruturar a empresa no Brasil, em Cayman e em Delaware.

A Kamino também oferece esse tipo de solução. Benjamin Gleason, sócio da Kamino, disse à Bloomberg Línea que tanto Latitud como Kamino costumavam oferecer o SVB como opção para fundadores, por ser o banco que aceitava abrir contas para startups com holding em Cayman e operações no Brasil, mas não nos EUA.

“É importante pensar em diversificação, manter saldos na conta corrente abaixo dos US$ 250 mil assegurados em diferentes bancos e procurar abrir um relacionamento com pelo menos um ou dois bancos sistemicamente importantes”, disse.

Por exemplo, JPMorgan ou Morgan Stanley podem ser opções para startups com muito caixa, ou KeyBank ou FifthThird para startups com menos de US$ 10 milhões, além da alocação de investimentos em títulos considerados seguros como Treasuries e Money Market sweeps, segundo Gleason.

Agora, o sócio da Kamino não aconselha transferir e manter todo o dinheiro em dólares em apenas um banco, como era feito com o SVB, “muito menos em bancos e fintechs com menos histórico e importância sistêmica”, disse.

“Também deve ser pensado dentro de uma estratégia maior de gestão de tesouraria em todas as empresas e países em que a startup opera.”

A Bloomberg Línea apurou que os grandes bancos americanos, como JPMorgan e Morgan Stanley, abrem contas para jurisdição de Cayman, mas o processo é mais demorado em comparação com uma entidade americana.

Segundo Brites, bancos tradicionais pedem até 60 dias para abrir a conta. Isso porque os bancos americanos entendem que, pelo fato de ser uma empresa offshore, o risco é mais alto.

Desde quinta-feira passada (9), dezenas de startups e fundos pediram para abrir conta no Morgan Stanley (MS). Foi o caso da Zazos, de Alexandre Maluli.

Em conversa com a Bloomberg Línea, ele explicou que sua startup tem uma holding em Cayman, que tem como “filha” a empresa LLC de Delaware, que tem embaixo a limitada brasileira.

“Todo o dinheiro que nós captamos vai para Cayman. Para eu trazer dinheiro para o Brasil, preciso antes passar pela conta de Delaware e precisa ser uma conta bancária para cada empresa. Eu tinha as duas no SVB e dava para fazer transferência interna, era mais simples. São empresas em países diferentes, mas que tinham conta bancária no mesmo banco”, disse Maluli.

Agora, ele precisa abrir contas nos EUA para as entidades de Cayman e Delaware.

“Normalmente nós deixamos o grosso do dinheiro no Brasil, mas eu não pretendo trazer para cá agora. A de Cayman, principalmente, vou deixar nos EUA provavelmente investido no Tesouro americano porque o governo é mais seguro do que os bancos”, disse.

Para trazer o dinheiro para o Brasil, Maluli explicou que precisa transferir de Cayman para Delaware, e de Delaware fazer a remessa internacional. “A recomendação que temos recebido [como fundadores] é a de diversificar, ter US$ 250 mil por banco”, contou.

O desafio com os bancos maiores é que eles não são tão rápidos em abrir contas, segundo Brian Requarth, CEO do Latitud. “Você pode abrir contas simultaneamente nos ‘bancões’, mas é melhor focar em fintechs também. Enquanto isso, você pode focar em uma companhia intermediária para não ter implicações legais. Muitos fundadores na nossa comunidade levantaram Seed money e é difícil de se mover com um balanço mais baixo”, disse em conferência na tarde de segunda-feira.

Andy Mattson, sócio da empresa de contabilidade Moss Adams, afirmou que as startups estão preocupadas com o sistema bancário no geral e não sabem onde colocar o dinheiro. “Muitos fundadores querem saber se podem colocar o montante em suas contas pessoais, mas isso pode trazer algumas questões legais”, disse Mattson na conferência do Latitud.

“Quando você é um banco nos Estados Unidos, existe uma quantidade significativa de regras de compliance que precisa seguir, e muitos não querem trabalhar com a burocracia de lidar com paraísos fiscais.”

Dan Green, sócio do escritório de advogacia Gunderson Dettmer, alertou que se um fundador, em sua conta pessoal, pega fundos para a companhia, “isso precisa ser algo de curtíssimo prazo e deve ser deixado claro que não é uma compensação financeira ao fundador”.

“Deve ser aprovado pelo conselho. Não é algo a ser feito de forma impensada”, disse na conferência. Segundo Green, o JPMorgan “está bem interessado em aumentar seu capital na América Latina”.

“Eles estão se movendo bem mais rápido para conseguir alocar essas contas.”

Não existe uma regra que proíba que bancos grandes abram contas de empresas que tenham estrutura em Cayman, de acordo com Green.

Brian Hutchings, também sócio da Gunderson Dettmer, afirmou ainda que colocar dinheiro na conta de um VC não é uma situação ideal “porque você está pegando o dinheiro da companhia e dando para um único acionista”.

“A situação é a mesma, o conselho precisa aprovar e precisa ser documentado”, disse.

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