Opinión - Bloomberg

Rio de Janeiro precisa de mais que um Carnaval para resolver seus problemas

Carnaval pode ter injetado cerca de R$ 4,5 bilhões na economia da cidade, mas reerguê-la exige muito mais

Governo municipal planeja revitalização do centro da cidade
Tempo de leitura: 7 minutos

Bloomberg Opinion — Enquanto dirigia pelo centro do Rio de Janeiro durante o carnaval, tive que frear enquanto um folião cheio de glitter usando uma sunga e meia arrastão dançava pela rua. Seu companheiro, que usava um tapa-sexo e chifres de diabo, andava ao seu lado com outros tantos foliões.

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Para a cidade mais famosa do Brasil, fevereiro é o mês mais maluco. Mas a catarse carnavalesca deste ano – sendo este o primeiro carnaval desde a pandemia de covid-19 em 2020 – elevou o frenesi coletivo.

O Brasil perdeu quase 700 mil vidas na pandemia – o segundo maior número de óbitos do mundo. Poucas cidades foram mais atingidas que o Rio de Janeiro – uma metrópole de 6,77 milhões de pessoas, que teve 38 mil mortes por causa da covid-19, a segunda maior taxa de mortalidade (505 a cada 100 mil casos) de todas as 27 capitais de estado brasileiras.

Três anos depois, os ânimos se recuperam. Entre desfiles e bloquinhos, a prefeitura estimou que o carnaval deste ano injetou cerca de R$ 4,5 bilhões na economia municipal, um aumento de 12% em relação a 2020. As receitas fiscais aumentaram 20%, enquanto a ocupação dos hotéis durante os quatro dias de feriado atingiu 96%.

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Mas o Rio precisa de mais do que uma boa festa. Os efeitos da pandemia provocaram fechamento de empresas, casas noturnas e restaurantes clássicos – foi um golpe para essa vibrante economia de hospitalidade, com o setor de serviços representando 87% da economia da cidade.

O mercado de trabalho entrou em colapso e a mobilidade social se estagnou. Apesar dos enormes subsídios federais para proteger os grupos vulneráveis, 16,7% dos habitantes da cidade estavam vivendo na pobreza em 2021 – em comparação com 11,8% em 2019 – chegando ao dobro desse índice na Grande Rio.

No entanto, enquanto os números ainda são escassos, o Rio começou a sair de seu torpor da pandemia. Em meados de 2022, a economia da cidade se expandia em 1,6% em comparação com apenas 1,2% de crescimento do PIB nacional. O varejo está agitado novamente, assim como o mercado de trabalho. Pela primeira vez desde 2016, o desemprego caiu abaixo dos dois dígitos, chegando a 9,8% em meados de 2022. Isso colocou mais dinheiro nos bolsos cariocas: depois de cair acentuadamente durante a emergência sanitária global, a renda média mensal do Rio de Janeiro voltou quase aos níveis pré-pandemia no terceiro trimestre do ano passado.

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Enquanto a cidade se recupera, ela também terá que repensar seu caminho, não apenas para se preparar para o próximo obstáculo, mas também para enfrentar os inúmeros problemas locais – desigualdade gritante, exclusão digital, criminalidade e delinquência – que a emergência de saúde pública revelou ou agravou.

Embora não haja atalhos para o renascimento, o consenso no pós-pandemia é que fazer mais do mesmo não vai funcionar. Para o Rio, isso significa eliminar o mau hábito do mundo emergente de se entregar à expansão urbana e lançar novas casas, ruas e bairros inteiros do zero.

A recuperação do Rio começa com a revitalização do centro da cidade, e o governo local está apostando em grandes incentivos para persuadir pessoas e empresas a voltar. “Por muito tempo, viver no centro da cidade era algo antiquado, até mesmo proibido”, disse Francisco Bulhões, secretário municipal de desenvolvimento econômico e inovação. “Isso precisa mudar”.

A grande aposta política da cidade é o Reviver Centro, um plano inovador impulsionado pelo mercado para adicionar milhares de unidades residenciais ao centro abandonado. O ex-chefe de planejamento urbano do Rio, Washington Fajardo, que elaborou o plano, afirma que não será fácil. Embora os cariocas gostem do centro da cidade, eles são relutantes em viver ali. Segundo o QuintoAndar, a zona central da cidade é de “segurança média”.

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Última edição do carnaval carioca havia ocorrido em 2020, pouco antes do início dos lockdowns globais pela covid-19

A reconstrução de um centro da cidade desordenado envolve demolições ou reformas caras de edifícios antigos. Assim, a prefeitura decidiu oferecer aos construtores que se comprometem a construir no centro da cidade generosos incentivos fiscais e o direito de levantar arranha-céus, além de novas concessões para construir em bairros mais atraentes comercialmente. De fato, um dos efeitos prometidos da revitalização do centro da cidade são as gruas de construção que se aproximam de Ipanema, Barra da Tijuca e outros bairros abastados.

Reconstruir a Cidade Maravilhosa precisa de muito mais. Outrora a capital brasileira, a cidade perdeu indústria e poder financeiro para São Paulo e influência política para Brasília, e tem sofrido com dificuldades desde então.

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Os problemas do Rio pioraram com a engenharia heroica que deu errado. No início do século passado, a então capital brasileira era o epicentro da varíola, febre amarela, cólera e de outras doenças infecciosas. As autoridades acreditavam que a metrópole seria salva somente com a destruição do centro claustrofóbico da cidade. A ideia era tropicalizar a reforma de Paris no século XIX com a demolição de guetos, a retirada de colinas e a construção de largas avenidas para deixar a cidade respirar.

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Em vez de se tornar uma nova Paris, o Rio ficou com favelas, engarrafamentos e subúrbios marginalizados. Conforme a cidade crescia – passando de uma população de 811.433 pessoas em 1920 para 6.320.446 até o último censo completo em 2010 – surgiram projetos de habitação e bairros improvisados, muitas vezes sem esgoto adequado, eletricidade ou coleta de lixo, e longe do trabalho dos habitantes dali. O resultado foi uma metrópole disfuncional, oca no centro e cada vez mais desordenada com cada novo projeto.

O Rio teve o 17º pior trânsito do mundo segundo o índice TomTom do ano passado. Somente Istambul e a Cidade do México têm uma fatia maior de pessoas condenadas a passar mais de duas horas por dia presas no transporte, de acordo com o Moovit em 2022.

A consultoria A.T. Kearney classificou o Rio como a 78ª cidade (de 165) em seu ranking de principais cidades globais de 2002 – uma queda de 26 posições em apenas cinco anos. O futuro da cidade parece ainda pior: a queda foi de 74 posições em cinco anos no índice de perspectiva urbana, chegando ao 142º lugar. Embora o Rio tenha ficado em 10º lugar em uma lista de 100 cidades brasileiras inteligentes em 2022, ela ficou apenas em 61º lugar em qualidade de vida.

O panorama da cidade pode parecer ainda mais desanimador quando o impacto total da pandemia for contabilizado no censo pendente, o qual, após um atraso de três anos, deve finalmente ser divulgado no final deste ano.

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No entanto, todos eses são objetivos próprios de uma cidade conhecida por seu talento negligenciado e seu encanto desperdiçado. Considere que a limpeza da Baía de Guanabara, que em algumas décadas passou de cartão postal tropical para uma sopa tóxica de lixo e navios em decomposição, acrescentaria um valor inestimável aos imóveis do centro da cidade, ao mesmo tempo em que removeria milhões de moradores pobres da vulnerabilidade.

O arquiteto Sérgio Magalhães, ex-secretário de Habitação do Rio, diz que transformar o decadente sistema ferroviário urbano em um metrô moderno (com estações reformadas e sinalização dinâmica em vez invés de horários fixos) poderia libertar milhões de cariocas do poluente e obsoleto sistema de ônibus, que obstruía o trânsito.

Mesmo com todo o seu desastre, poucas cidades do Novo Mundo oferecem a transição por cinco séculos de arquitetura de classe mundial como o Rio de Janeiro – incluindo o mosteiro de São Bento da era colonial, o Theatro Municipal que evoca a Belle Époque e o Palácio Capanema, uma joia modernista. A cidade foi a oitava colocada em inovação e dinamismo econômico entre 415 cidades brasileiras pesquisadas em 2021, e a 46ª em competitividade geral.

A economia criativa – crédito do Rio por trazer o valor de uma produção da Broadway para o Carnaval – e os cariocas têm a oportunidade de reescrever as regras para um futuro mais durável, equitativo e urbano no pós-pandemia.

As cidades do Novo Mundo “passam da primeira juventude à decadência sem um estágio intermediário”, o antropólogo Claude Levi-Strauss lamentou em Tristes Trópicos, seu clássico de 1955 sobre o Brasil. A nova gestão de secretários entendeu o recado. Mas colocar esses planos em ação é outra história.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Mac Margolis é ex-colunista da Bloomberg Opinion e cobre a América Latina e América do Sul. É autor de “The Last New World: The Conquest of the Amazon Frontier.”

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