Bloomberg Línea — Algumas startups brasileiras não conseguiram retirar todo o seu dinheiro a tempo do SVB (Silicon Valley Bank), banco no qual muitas das empresas mantinham seus recursos recebidos de fundos de venture capital do Vale do Silício e que entrou em colapso nesta semana nos Estados Unidos.
A Bloomberg Línea apurou que há fundadores brasileiros com mais de US$ 10 milhões no banco, fechado pelo Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia na sexta-feira (10) após uma corrida bancária das empresas para sacar seus recursos. Há fundadores que pediram a transferência mas que ainda não receberam os fundos.
O Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia assumiu a operação de todas as filiais e a matriz do banco após alegar níveis de liquidez inadequadas e insolvência. O órgão regulador nomeou o FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) como receptor. O FDIC é a entidade que faz o papel de Fundo Garantidor de Crédito (FGC) nos EUA.
Com a retirada dos depósitos, quem tinha dinheiro no SVB deve receber até segunda-feira (13) o limite segurado de US$ 250 mil.
Os depositantes não segurados receberão um certificado de liquidação pelo valor restante de seus fundos não segurados, disse o regulador americano, acrescentando que ainda não sabe os números.
Na prática, empresas que ainda mantinham mais de US$ 250 mil na conta do SVB devem ser compensadas de alguma forma com o caixa que entrará pela provável venda dos ativos do banco. Mas ainda assim não se sabe quando ou como isso será feito.
Pessoas familiarizadas com a discussão ouvidas pela Bloomberg Línea disseram que esperam que algum banco compre o SVB para que os fundadores que deixaram mais de US$ 250 mil no banco consigam o dinheiro.
Caio Caputo, sócio do Caputo, Bastos e Serra Advogados, disse que a venda de US$ 21 bilhões em ativos em títulos da carteira do SVB e as vendas em ações de US$ 2,25 bilhões foram movimentos que escancararam uma crise financeira e um problema grave de balanço no banco, o que trouxe um receio muito grande para o mercado porque os bancos trabalham alavancados.
“Se todos os clientes do banco, de uma hora para outra, resolvem realizar saques, o banco não tem esse dinheiro. Isso é regulamentado, tem um múltiplo que você pode trabalhar em cima disso alavancado”, explicou em referência ao Índice de Basileia, que rege o setor bancário global.
“A situação ficou ainda mais grave por se tratar de um banco especializado em startups, que naturalmente são empresas mais frágeis, em movimento de crescimento, e que têm na sua conta bancária dinheiro que vem justamente dos fundos que investem nelas”, disse Caputo.
Sem ter como sustentar os grandes volumes de saques dos clientes, em razão do fluxo menor de entrada de investimentos e das maiores despesas das empresas para manter a operação, o SVB passava por um desequilíbrio, segundo Caputo.
Efeito cascata
O colapso do SVB pode agravar ainda mais o difícil ambiente econômico para startups, que viram os investimentos caírem no ano passado em relação aos recordes de volume de venture capital em 2020 e 2021.
Segundo a plataforma de inovação Distrito, em 2021 foram aplicados US$ 5,8 bilhões nas startups brasileiras de late stage (em estágio mais avançado de desenvolvimento), ou 63% do total investido naquele ano. Em 2022, esse valor caiu para US$ 1,5 bilhão, ou 45% do acumulado no ano.
É um cenário desafiador para empreendedores que precisam de dinheiro externo para começar ou tocar negócios em tecnologia intensivos em capital. Startups, que geralmente queimam mais caixa do que empresas consolidadas, dependem do acesso ao caixa para seus negócios. Eventuais atrasos por dinheiro de fundos represados podem acabar com empresas.
“Quem não sacou vai ter que seguir as regras impostas pela legislação americana e terá que aguardar as próximas notícias do FDIC depois que eles tomarem controle de fato na segunda-feira”, disse Caputo.
O SVB foi uma instituição chave para o ecossistema de venture capital (VC) durante décadas. O banco do Vale do Silício era o escolhido por investidores de venture capital para transacionar investimentos de empresas em razão de sua estrutura de operação adequada para os fundos.
Mas as empresas de capital de risco que levaram ao aumento dos depósitos no SVB foram as mesmas que aconselharam as empresas do portfólio a sacar dinheiro do banco depois que o SVB Financial Group anunciou que tentaria levantar mais de US$ 2 bilhões após uma perda significativa em sua carteira. Essa relação foi destacada pelo CEO Greg Becker em seu apelo para tentar salvar o banco.
Gestoras de venture capital do Brasil como Canary e Upload Ventures aconselharam os fundadores de startups de seu portfólio a retirar todo o dinheiro, diante dos temores de que o banco americano ficasse sem liquidez, de acordo com pessoas familiarizadas com o assunto. A Canary não respondeu ao pedido de comentário da Bloomberg Línea. A Upload disse que não vai comentar.
Fundos de VC também retiraram seu dinheiro do banco.
Abrir uma conta em um banco americano não é algo simples considerando que as startups que têm a estrutura legal de Cayman e Delaware são em geral de fundadores sem Social Security Number (o número de Seguro Social dos Estados Unidos emitido para cidadãos americanos, residentes permanentes e residentes temporários).
A estrutura americana das startups brasileiras é uma empresa LLC de passagem.
Alguns bancos e fintechs se beneficiaram inicialmente com depósitos com o colapso do SVB, como o Morgan Stanley, a Brex e o Mercury. Fontes ouvidas pela Bloomberg Línea disseram que a Brex e o Itaú BBA - neste caso recursos convertidos em reais - teriam recebido mais de US$ 1 bilhão em depósitos desde o colapso do SVB. O Itaú BBA negou. A Brex não quis comentar.
Mas o desafio para as startups brasileiras está na holding constituída nas Ilhas Cayman, já que muitos bancos americanos decidem não trabalhar com esse tipo de estrutura. Há startups brasileiras que optavam pelo Pacific Western Bank.
O setor estima que 90% das startups brasileiras que possuem empresas offshore tinham dinheiro no SVB, já que era o banco que os próprios VCs indicavam ao realizar aportes.
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