Fundos de VC brasileiros aconselharam startups a tirar dinheiro do SVB

Canary e Upload estão entre as empresas que recomendaram tal medida a fundadores, segundo fontes disseram à Bloomberg Línea; startups aguardam a transferência

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Bloomberg Línea — Gestoras de venture capital do Brasil como Canary e Upload Ventures aconselharam os fundadores de startups de seu portfólio a retirar todo o dinheiro que têm (ou tinham) no Silicon Valley Bank (SVB), diante dos temores de que o banco americano fique sem liquidez, disseram pessoas à Bloomberg Línea que falaram em condição de anonimato porque as conversas foram privadas.

A Bloomberg Línea procurou o SVB e a Canary para comentários, mas ainda não obteve retorno até a publicação da reportagem. A Upload disse que não vai comentar.

As recomendações foram feitas antes do anúncio neste começo de tarde de sexta (no horário de Brasília) de que o banco sofreu intervenção de autoridades da Califórnia, o que representa a maior quebra no setor nos Estados Unidos desde a crise financeira de 2008.

Na manhã desta sexta-feira (10), pelo menos 10 startups brasileiras que tinham feito o pedido de transferência ainda aguardavam as remessas. São milhões de dólares de saques em espera de transferências que ainda não foram confirmadas.

A Bloomberg Línea apurou que o dinheiro do SVB de algumas startups brasileiras foi transferido para o Morgan Stanley (MS) ou para a Brex, fintech americana fundada pelos brasileiros Henrique Dubugras e Pedro Franceschi, ou ainda convertidos em real e trazidos para o Brasil.

Fundadores brasileiros que recebiam investimento de venture capital estrangeiro tradicionalmente abriam uma conta no SVB por ser a instituição financeira mais prática para bancarizar suas empresas nas Ilhas Cayman e em Delaware, nos Estados Unidos.

Em geral, os fundos globais de VC demandam que uma startup tenha uma empresa aberta em Cayman e em Delaware para receber investimento, pois são locais em que os trâmites para esse tipo de transação são mais simples do que aportar dinheiro diretamente em uma instituição no Brasil, por exemplo.

90% das startups brasileiras offshore tinham conta no SVB

Mas por que escolher o Silicon Valley Bank em vez de bancos tradicionais?

Abrir uma conta em um banco americano não é algo simples considerando que as startups que têm a estrutura legal de Cayman e Delaware são em geral de fundadores sem Social Security Number (o número de Seguro Social dos Estados Unidos emitido para cidadãos americanos, residentes permanentes e residentes temporários).

A estrutura americana das startups brasileiras é uma empresa LLC de passagem. O desafio para as startups brasileiras está na holding constituída nas Ilhas Cayman, já que muitos bancos americanos têm dificuldade de trabalhar com esse tipo de estrutura.

“A ‘cereja do bolo’ é que o operacional dessas empresas é no Brasil”, explicou um fundador ouvido pela Bloomberg Línea em referência à complexidade para fundos estrangeiros.

Além disso, para startups early stage brasileiras que têm pouco fluxo de caixa e ativo, abrir uma conta no SVB ou em bancos alternativos como o Pacific Western Bank é mais fácil e rápido.

Mesmo assim, um especialista do setor ouvido pela Bloomberg Línea em condição de anonimato disse que faz sentido uma estratégia de diversificação da alocação de capital pelas startups e que há muitos fundadores correndo para achar outro banco para o caixa. Isso porque normalmente as startups dependem desse dinheiro para manter seus negócios e se preocupam se não conseguirem acessá-lo.

“A princípio o SVB não vai ficar insolvente, talvez seja mais fumaça do que fogo, mas é bom ter uma estratégia de diversificação. É necessário cautela com tesouraria e gestão de caixa. Fazer a transferência de forma corrida pode piorar a situação da startup”, disse essa pessoa, alertando que há VCs falando em apoiar o SVB para evitar que a corrida bancária por resgates não leve a uma quebra.

O setor estima que 90% das startups brasileiras que possuem empresas offshore tinham dinheiro no SVB, já que era o banco que os próprios VCs indicavam. É normalmente o banco em que está o dinheiro e do qual conseguem fazer a transferência para a startup financiada.

No Brasil, startups como a Kamino e a Latitud têm plataformas (que contam com advogados) para agilizar a abertura de uma startup e de sua estrutura legal no exterior, além do caminho para abrir conta em um banco americano. Essas empresas indicavam a abertura de contas no SVB e em bancos parceiros.

A Bloomberg Línea procurou também a Kamino e a Latitud para comentários, mas ainda não obteve retorno até a publicação da reportagem.

Sinal de alerta nos depósitos

Embora agora gestoras como o Founders Fund, de Peter Thiel, estejam aconselhando fundadores a tirar o dinheiro do SVB, muito da escolha de empreendedores americanos para manter o dinheiro no SVB antes vinha das recomendações dos investidores, já que o banco era considerado sólido.

Mas os depósitos do banco caíram à medida que startups lutam para receber dinheiro em meio à aversão a risco de investidores com juros subindo para conter a inflação.

Os VCs estão aconselhando essa corrida para os saques porque o SVB, um dos 20 maiores bancos dos Estados Unidos, vendeu ativos que estavam imobilizados para fazer caixa, gerando prejuízo. E, mesmo assim, ainda precisou levantar dinheiro com a venda de US$ 2,25 bilhões em ações.

Em comunicado aos acionistas, o banco disse que precisava dos recursos para tapar um buraco de US$ 1,8 bilhão causado pela venda de uma carteira de títulos da ordem de US$ 21 bilhões, composta principalmente por títulos americanos. “Acho que eles estavam muito pouco preparados para um aumento de taxa de juros”, disse um investidor familiarizado com o assunto, em condição de anonimato.

Com a parte de crédito performando mal, o banco começou a perder liquidez rapidamente, o que fez com que startups e fundos de VC tirassem o dinheiro às pressas, em um círculo vicioso. “Provavelmente vai ter algum tipo de comprador em algum momento”, disse esse investidor.

“Mesmo que não houvesse problema [no banco] antes, já era uma situação delicada. Eu não seria louco de deixar meu dinheiro lá com um bank run desses acontecendo”, disse um fundador à Bloomberg Línea.

A Bloomberg Línea conversou com um fundador que disse que decidiu manter o pouco dinheiro que tinha no SVB por causa do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation) americano, equivalente ao FGC (Fundo Garantidor de Crédito) brasileiro, que protege os depositantes de dinheiro em bancos segurados em caso de quebra. Cada depositante está segurado em pelo menos US$ 250 mil.

A ação do SVB derreteu 44% nas negociações de pré-mercado antes da abertura das bolsas em Nova York na sexta-feira.

- Matéria atualizada às 15h com a informação da intervenção no SVB.

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