O que esperar do petróleo e do impacto na Petrobras após um ano de guerra

Indústria de combustíveis fósseis deve enfrentar novos desafios relacionados não apenas aos preços mas à capacidade de oferta em meio à transição energética

A expectativa de analistas é que a cotação do petróleo ainda se mantenha próximo da casa dos US$ 100 em 2023
05 de Março, 2023 | 03:12 PM

Bloomberg Línea — Em um ano de guerra da Rússia na Ucrânia, a indústria do petróleo enfrentou altos e baixos, com crise de oferta, aumento brutal de preços e risco de desabastecimento na Europa, altamente dependente do gás natural do país comandado por Vladimir Putin. Diante de incertezas sobre o fim do conflito, o mundo se vê diante de uma única certeza: a transição energética vai ser mais difícil do que o esperado.

A guerra evidenciou a forte dependência que as nações ainda têm em relação aos combustíveis fósseis. A cotação do barril ultrapassou a casa dos US$ 120 no início do conflito -- de cerca de US$ 70 poucos meses antes --, com uma acomodação dos preços somente a partir de meados de agosto passado.

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Ainda assim, o barril deve fechar este ano com preço médio de US$ 90, estima a consultoria global especializada Wood Mackenzie.

O quadro de oferta e demanda também se reconfigurou nos últimos 12 meses. A Rússia, considerada a segunda maior produtora de petróleo do mundo ao lado da Arábia Saudita, com 10 milhões de barris por dia (bpd) de produção, perdeu mais de 1 milhão de bpd em 2022 – quase meia Petrobras.

Diante de sanções de potências do Ocidente, a Rússia deixou de vender petróleo para diversos países, concentrando suas exportações em China e Índia, a preços mais baixos.

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Com isso, sua capacidade de investir em manutenção, produção e exploração foi significativamente impactada. Isso deve levar a problemas de oferta no futuro.

Choque do gás

Depois dos choques do petróleo na década de 1970, a Europa voltou a viver algo parecido, só que desta vez com outro combustível fóssil, o gás natural.

A Rússia era o principal fornecedor do insumo para o Velho Mundo. Com a guerra, os países europeus reduziram ou suspenderam as compras de Moscou.

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Diferentemente do petróleo, o gás natural demanda necessariamente uma infraestrutura de gasodutos para escoamento, o que obrigou a Europa a comprar mais gás natural liquefeito (GNL), que chega por meio de navios.

O GNL é mais caro e, com a forte demanda, os preços da commodity foram às alturas. Nesse contexto, a grande preocupação das nações europeias era – e ainda é – o risco de uma profunda recessão, já que a maior parte da região depende do gás para aquecimento. Sem o hidrocarboneto, as pessoas literalmente poderão morrer de frio.

Petrobras: cenário menos favorável

Em termos de demanda, o Brasil se beneficiou da guerra na Ucrânia. “O petróleo russo que fluía para a Europa acabou sendo direcionado para China e Índia, sendo substituído por outros óleos, como o brasileiro e o americano. Houve uma mudança do fluxo logístico global”, afirmou o diretor de pesquisa na área de upstream para América Latina da Wood Mackenzie, Marcelo de Assis.

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A Petrobras (PETR3, PETR4) também acabou se beneficiando desse cenário. No quarto trimestre de 2022, a Europa representava 29% das exportações de petróleo da estatal brasileira em volumes, ante 16% no mesmo período do ano anterior.

A estatal se beneficiou ainda mais da escalada dos preços do petróleo com conflito. Em 2022, o lucro líquido da companhia alcançou US$ 36,6 bilhões, alta de 84% sobre o ano anterior.

Já a geração de caixa medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) atingiu US$ 67 bilhões no ano passado, avanço de 52% sobre 2021. Segundo executivos, foi o melhor resultado financeiro da história da empresa.

Para 2023, entretanto, o novo CEO da estatal, Jean Paul Prates, avalia que o cenário deve ser diferente. “Nós tivemos circunstâncias definidoras nos últimos dois anos, que tiveram relação com o contexto pós-covid e a consequente retomada da economia, o que levou a uma escalada dos preços do petróleo”, disse o executivo na última quinta-feira (2) a investidores e analistas.

Apesar da visão mais conservadora para 2023, Prates disse que a companhia deve manter o patamar de lucratividade. “Pretendemos ter lucros à altura dos que foram auferidos agora.”

Não foi apenas a Petrobras. Com a escalada das cotações do petróleo, grandes players globais como a Exxon Mobil (XOM) e a Chevron (CVX) tiveram ganhos recordes.

E grandes nações produtoras de petróleo que sofreram profundamente com a pandemia voltaram a encher os cofres. Foi o caso da Arábia Saudita, cuja economia ainda depende massivamente da commodity.

Somente no terceiro trimestre de 2022, a gigante estatal Saudi Aramco teve um lucro de US$ 42 bilhões, 39% superior ano contra ano, impulsionada por preços mais altos do barril.

Ainda no ano passado, potências petrolíferas que haviam sido deixadas de lado por suas atuações no campo da política foram cortejadas. Venezuela e Irã voltaram a ser considerados como fornecedores importantes de petróleo para Estados Unidos e países europeus.

América Latina e perspectiva global

Embora a produção de petróleo seja significativa na América Latina, os preços mais altos da commodity impactaram por outro lado a atividade de refino em 2022, pressionando a economia dos países em meio à alta dos combustíveis.

Assis destacou que a produção de petróleo da Colômbia e do Equador está em declínio; no México, estável; na Argentina, o potencial de gás natural é grande com o megacampo de Vaca Muerta, mas há a necessidade de investimento em infraestrutura de gasoduto para escoamento do insumo.

“Os países da América Latina se beneficiaram pouco da alta dos preços do barril, pois têm pouca velocidade de reação na produção”, afirmou o especialista.

Diante das incertezas acerca do fim da guerra, fica cada vez mais claro que a transição energética global será mais complicada do que o esperado.

Na visão do vice presidente sênior & head para a América Latina da consultoria Rystad Energy, Schreiner Parker, o conflito obrigou o mundo a olhar de maneira diferente para o tripé custo, segurança e sustentabilidade no setor de energia.

“Antes da guerra, o mundo estava muito voltado para sustentabilidade. Agora, segurança e custo voltaram a ganhar peso na equação. Ainda será preciso investir em petróleo”, afirma.

O CEO da Petrobras reforçou nesta semana que o processo de transição energética na companhia será gradual e que o petróleo continuará sendo prioridade.

“A Petrobras vai manter seu foco no upstream, no pré-sal. Ninguém se transforma do dia para a noite, os combustíveis fósseis são importantes para financiar a transição”, disse Prates a investidores. “A produção de petróleo não vai desaparecer, vai coexistir com renováveis por algumas décadas.”

Por outro lado, embora haja necessidade de investimentos para manter o equilíbrio entre oferta e demanda de petróleo, o mundo caminha para um ambiente de negócios mais difícil para os combustíveis fósseis.

“Vários bancos e mecanismos internacionais de financiamento estão saindo de óleo e gás, não há tanta oferta de crédito para o setor”, disse Assis.

Para Parker, a guerra ainda pode causar outro problema no futuro, de oferta, especialmente porque a Rússia é um dos maiores produtores globais de combustíveis fósseis.

“Quanto mais longo o conflito, maior o risco de enfrentarmos redução de oferta nos próximos anos. O investimento russo já está caindo”, alertou.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.