Tesla: plano secreto de Musk não é tão secreto nem surpreendente

Promessa feita há 17 anos de fabricar um carro para o mercado de massa e vender mais itens da linha atual deve ser divulgada no Investor Day em 1º de março

Por

Bloomberg Opinion — Elon Musk está prestes a liberar a terceira iteração de seu “Plano Diretor” para a Tesla (TSLA), algo em que ele aparentemente vem trabalhando há quase um ano. Mas para quê o esforço?

O Plano Diretor original, publicado em um blog em 2006 – quatro anos antes da abertura de capital da Tesla – parecia um discurso padrão do Vale do Silício: vender um carro caro para pioneiros e depois usar os lucros para fabricar carros mais baratos para um mercado maior e assim por diante.

A Tesla não seguiu exatamente esse caminho, principalmente porque o custo de construir uma empresa de automóveis significa que vender o sonho para o mercado de ações é mais importante do que reinvestir a receita. Mas o trajeto foi parecido.

A segunda interação foi mais um manifesto que um plano, misturando a defensiva sobre a aquisição dúbia da SolarCity, que trazia perspectivas tão positivas que parecia irreais. Sete anos depois, além do bem-sucedido lançamento do Model Y, praticamente nenhuma dessas perspectivas aconteceu. Os painéis solares foram escassos, e o negócio de energia da Tesla como um todo gera menos de 5% de receita. Os semirreboques da empresa ainda não tem especificações públicas e o ônibus elétrico nem é mais mencionado. Quanto à obtenção de aprovação regulatória mundial para fabricar Teslas autônomos que podem se tornar táxis robôs lucrativos, nada disso aconteceu no sentido tradicional.

Na verdade, foi isso que aconteceu:

Quando sua empresa não cumpre praticamente todos os seus planos declarados, mas o valuation aumenta para mais de US$ 600 bilhões, é possível que o plano não seja realmente importante. Talvez mais precisamente, as especificidades não importam.

Um dos aspectos mais divertidos do recente recall de segurança de 360 mil Teslas foi a objeção de Musk à palavra “recall” como sendo “anacrônica” para correções de software over-the-air. Você pode dizer o que quiser, mas o homem que vende a tecnologia de assistência ao motorista, comercializada como “Piloto Automático” e “Autonomia Total” – esta última, segundo os órgãos reguladores, pode ficar um pouco confusa em cruzamentos – gosta de respeitar a semântica.

A dissonância óbvia não parece importar. É por isso que o objetivo do Plano Diretor é simplesmente ter um em vez de servir como um meio de responsabilização pela execução. Considerando que os detalhes do segundo Plano Diretor são apenas ficção até agora, o terceiro Plano Diretor provavelmente vai precisar de ajustes para que os investidores continuem engajados. No entanto, Musk publicou em seu perfil no Twitter que oferecerá “o caminho para um futuro energético totalmente sustentável para a Terra”. E considerando o total de mercados em potencial, a Terra é bem grande.

Manter esse mercado-alvo grande e um pouco confuso é útil porque, mesmo que a Tesla não precise mais explorar os mercados de ações da maneira como costumava fazer, justificar sua capitalização de mercado exige muito mais do que apenas vender carros.

Por exemplo, pode-se pressupor que a Tesla aumente as vendas de veículos em 50% ao ano até 2030, mantendo um preço médio de venda de US$ 50 mil e uma margem líquida de 15%. Mesmo assim, com a Tesla representando de certa forma um terço do mercado global de veículos de passeio até o final da década, você também teria que aplicar uma taxa de desconto de 2% – metade do rendimento dos Treasuries de 10 anos – para que o valuation atual fizesse sentido. Painéis solares, táxis robôs e inteligência artificial ajudam a melhorar a situação.

Apesar das ações da Tesla quase dobrarem desde o início do ano, sua capitalização de mercado continua US$ 600 bilhões abaixo do pico atingido há 15 meses. A Tesla anunciou seu investor day, dia em que o terceiro Plano será apresentado, em 2 de janeiro – no mesmo dia em que emitiu números decepcionantes de vendas encerrando um ano que trouxe a queda das ações, em parte porque o próprio Musk as vendeu demais. Coincidência ou não, a promessa de um novo plano é de grande utilidade.

Nessa frente, independentemente do Plano Diretor apresentado, a prioridade imediata em sustentar o valuation da Tesla é bastante banal.

Quando a Tesla divulgou seus resultados de 2022, a empresa afirmou que visava produzir 1,8 milhões de veículos este ano. Isso seria apenas 31% maior do que no ano passado, mas ainda permitiria à empresa atingir a meta da taxa composta de crescimento médio anual de 50% que estabeleceu no início de 2021 – algo que Tesla se esforçou ao máximo para enfatizar no anúncio, feito após uma queda acentuada nas ações e uma crescente preocupação com a demanda devido aos números mornos de vendas e aos cortes de preços da Tesla.

O salto subsequente nas ações pode ter refletido os comentários mais otimistas de Musk sobre a apresentação da expansão das margens e o “potencial” para produzir 2 milhões de veículos este ano. Mas também refletiu um rali das ações de tecnologia, que também estavam em baixa, e do bitcoin (BTC). De volta com um prêmio de 160% para o mercado, a Tesla precisará mostrar que consegue suportar a maioria dos males comuns no setor automotivo – uma desaceleração e competição de preços – para que o otimismo seja mantido.

Isso também significa demonstrar progresso em novos produtos. Não apenas o Cybertruck, há muito atrasado e provavelmente caro, mas um veículo mais barato para o mercado de massa. Este último é fundamental para qualquer objetivo de transição de energia em escala e foi, afinal, o principal objetivo do Plano Diretor original há 17 anos. Provavelmente ouviremos muito sobre isso em 1º de março, juntamente com as coisas mais estranhas. No entanto, para que o plano sustente o valuation da Tesla ao longo deste ano, as promessas precisam ser cumpridas. O Plano Diretor definitivo não se trata de ciência. Basta vender mais carros.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Liam Denning é colunista da Bloomberg Opinion e cobre energia e commodities. Anteriormente, foi banqueiro de investimentos, editor da coluna “Heard on the Street”, do Wall Street Journal, e repórter da coluna “Lex”, do Financial Times.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Não vamos parar aí, diz CEO da Stellantis após investir em cobre na Argentina