Europa e EUA travam disputa em incentivos bilionários para energia limpa

Enquanto Brasil estuda renovar incentivo a combustíveis fósseis, União Europeia muda discurso sobre oferta de créditos tributários pelo governo dos EUA para o clima

Parque eólico na Califórnia: EUA aceleram incentivos para estimular energia limpa (Bing Guan/Bloomberg)
Por Richard Bravo
26 de Fevereiro, 2023 | 06:18 PM

Bloomberg — Enquanto o governo brasileiro, do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discute a renovação de um subsídio estimado em R$ 29 bilhões neste ano para combustíveis fósseis como a gasolina e o óleo diesel, Estados Unidos e Europa entram em embate por incentivos a energias limpas.

A raiva inicial da Europa com o plano de subsídios verdes do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciado em 2022, arrefeceu diante da análise de que os incentivos europeus à energia limpa representam benefícios iguais ou superiores aos oferecidos pela lei americana.

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A Lei para Redução da Inflação dos EUA (IRA, na sigla em inglês), que oferece até US$ 369 bilhões em financiamentos e créditos tributários ao longo da próxima década a programas de energia limpa, pretende alcançar os valores praticados pela União Europeia. Esta gasta mais de 70 bilhões de euros (cerca de US$ 74 bilhões) por ano em subsídios para a mesma finalidade, segundo pessoas que conhecem o pensamento na Comissão Europeia e em alguns dos principais países do bloco.

Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia, que está à frente da discussão do programa para o meio-ambiente

Agora que algumas autoridades da UE não consideram mais o programa americano uma ameaça na corrida para apoiar a indústria doméstica favorável ao clima, muitos na Europa estão mudando seu foco para a China, que acreditam representar um risco muito maior, disseram as pessoas, que falaram à Bloomberg News na condição de não ser identificadas.

“O IRA é uma oportunidade para tornar a economia dos EUA mais verde, mas temos algumas vantagens em relação a eles que precisamos enfatizar”, disse Frans Timmermans, vice-presidente da Comissão Europeia e chefe do acordo verde da UE, no início deste mês em Estrasburgo, na França.

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A UE fornece uma quantia que “é pelo menos comparável à quantia de dinheiro que os americanos estão colocando na mesa”, disse ele.

Além disso, a UE também tem uma ferramenta de comércio verde própria: o Mecanismo de Ajuste de Fronteiras de Carbono, que cobrará uma taxa sobre importações intensivas em emissões, como aço, cimento e hidrogênio, de países com regras climáticas menos rígidas.

Os EUA, que não estabelecem um preço federal para o carbono, estariam, em teoria, sujeitos à medida, que entrará em vigor ainda neste ano.

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Crescem os gastos globais na promoção de energias limpas

Quando a lei americana foi aprovada no ano passado, muitos líderes europeus reclamaram, chamando o texto de tentativa de roubar investimento.

O presidente da França, Emmanuel Macron, acusou Washington de criar um “padrão duplo” com a Europa, e questionou a “sinceridade do comércio transatlântico”.

O primeiro-ministro da Bélgica, Alexander De Croo, em janeiro, acusou os EUA de tentarem atrair indústrias verdes, dizendo: “Estão ligando para empresas belgas e alemãs de uma forma muito agressiva para dizer: ‘Não invistam na Europa, temos algo melhor’”.

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Mas as autoridades mudaram de discurso desde então, elogiando os EUA pelas características verdes da lei e usando-a como uma oportunidade para destacar os grandes gastos da própria UE, principalmente por meio de seu Mecanismo de Recuperação e Resiliência de 724 bilhões de euros e seu plano REPowerEU, destinado a acabar com a dependência da Europa dos combustíveis fósseis russos.

Embora a IRA seja benéfico para o investimento nos EUA, até que ponto isso acontecerá às custas da Europa e será “absolutamente marginal”?, disse Jacob Kirkegaard, membro sênior do German Marshall Fund, em entrevista.

“Muitas empresas europeias vão investir nos EUA, mas isso é desenvolvimento de mercado, é para onde está o crescimento”, disse Kirkegaard. “Isso não significa que eles vão se mudar da Europa – porque a realidade é que elas também vão investir maciçamente na Europa.”

Um dos desafios da UE não é a quantidade de capital disponível – há muito –, mas a facilidade com que pode ser alocado e acessado. Há também um esforço para tornar as regulamentações do bloco mais ágeis em toda a cadeia de valor, desde o fornecimento de materiais e financiamento de investimentos até incentivos para fabricantes e consumidores finais.

Carros elétricos

O plano americano oferece aos consumidores um crédito fiscal de até US$ 7.500 para veículos elétricos montados na América do Norte, desde que pelo menos 40% do valor das matérias-primas em suas baterias sejam derivados de materiais extraídos ou processados nos EUA ou em países que tenham acordo de livre comércio com Washington. Só esse incentivo vale cerca de US$ 7,5 bilhões, de acordo com uma estimativa de custos do Congressional Budget Office, em Washington.

Quase todos os estados membros da UE fornecem alguma forma de apoio para aumentar as vendas de veículos elétricos, incluindo bônus no valor de 10 mil euros. O fundo de recuperação do bloco também fornece mais de 11 bilhões de euros para iniciativas de mobilidade de baixa emissão, como veículos elétricos e usinas elétricas.

Uma preocupação persistente, no entanto, é que os créditos tributários da IRA possam ter um impacto de longo prazo nas cadeias de suprimentos automotivos e que os investimentos possam ser desviados para os EUA, desde que os incentivos continuem alinhados com os requisitos de montagem lá, disseram as pessoas.

Os números do orçamento do Congresso americano para gastos federais são estimativas, e alguns esperam que o valor real dos subsídios seja muito maior. Como cerca de dois terços dos gastos na lei não têm teto, o valor total pode chegar a US$ 800 bilhões em uma década – cerca do dobro da projeção do Congresso –, de acordo com analistas do Credit Suisse Group AG.

O funding da União Europeia para a promoção de energia limpa, pelas principais modalidades de recursos

Energia renovável

A IRA alocou US$ 95,6 bilhões para aumentar as fontes de energia renovável, incluindo hidrogênio, solar e eólica. Em média, a UE gastou cerca de 72 bilhões de euros em subsídios de energia renovável a cada ano desde 2015, de acordo com um relatório da comissão.

Dada a alta demanda na Europa, não se espera que a capacidade de produção eólica da UE seja realocada a menos que o financiamento se esgote, disseram as pessoas. A indústria solar da UE, no entanto, está mais exposta, pois importa a maioria dos produtos, especialmente da China.

A Europa precisa se unir aos EUA para encontrar sua própria “área ideal de transformação verde”, disse Alicia Garcia-Herrero, membro sênior do think tank Bruegel, com sede em Bruxelas.

“Senão, o que vai acontecer? A Europa continuará importando tudo da China, de baterias a painéis solares, e os EUA criarão seu próprio ecossistema”, disse ela. “Isso é o que a Europa não pode pagar.”

Hidrogênio

Os créditos tributários do plano americano para aumentar a produção de hidrogênio valem cerca de US$ 13 bilhões, de acordo com a análise do Congresso. Isso está aproximadamente de acordo com os 10,6 bilhões de euros em projetos de gastos públicos que os países da União Europeia alocaram para impulsionar a cadeia de valor do hidrogênio.

Em última análise, é improvável que a IRA tenha impacto significativo na UE, já que o nível de subsídios sugere que a maior parte do foco estará no mercado doméstico dos EUA, de acordo com autoridades europeias.

Atualmente, a UE pretende produzir 10 milhões de toneladas de hidrogênio renovável e importar a mesma quantidade. Se os EUA se tornarem uma fonte de hidrogênio, isso poderá beneficiar a UE. O fundo de recuperação fornece apoio significativo em toda a cadeia de valor do hidrogênio, desde a produção até o uso final.

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