Na Tecnisa, um CEO que vem do RH e corta custos no mercado de juro alto

Fernando Pérez diz à Bloomberg Línea que adota medidas dos tempos de Volks e Itaú para buscar eficiência na operação, mas setor terá que conviver com margens menores

Fernando Perez, CEO da Tecnisa: experiência anterior como VP de RH da Volkswagen e diretor executivo de RH do Itaú (Divulgação/Tecnisa)
24 de Fevereiro, 2023 | 04:18 PM

Bloomberg Línea — No mercado imobiliário brasileiro, muitas das maiores empresas são administradas por famílias que controlam o negócio desde a sua fundação até a fase de profissionalização em anos recentes. Foi assim também na Tecnisa (TCSA3), em que Meyer e Joseph Nigri estiveram à frente da gestão até o fim de 2021. Desde então, uma das mais tradicionais incorporadoras do país está sob o comando de um ex-banqueiro com extensa experiência na indústria automotiva. Na cartilha de Fernando Perez está um receituário que vai de cortes de custos a mudança de cultura da empresa.

“Cortamos 30% do efetivo, que abrangeu todas as áreas exceto TI e marketing. Reduzimos custos fixos. Cada vez mais usamos tecnologia para ter custos de produção menores. A estratégia é ganhar eficiência e aumentar a produtividade”, disse o CEO da Tecnisa em entrevista à Bloomberg Línea.

“Temos um sistema de cash conservation. Qualquer despesa acima de R$ 20 mil passa por um controle. Acima de R$ 100 mil só passa com minha aprovação”, citou Perez, que lidera a incorporadora em um momento de desaceleração das vendas do mercado em um ambiente de juros altos (veja mais abaixo).

O executivo tem adotado mudanças que destoam de práticas consagradas em um mercado tradicional. No Kalea, um lançamento de alto padrão no bairro nobre dos Jardins, em São Paulo, o apartamento decorado no estande de vendas, cuja montagem com projeto de arquiteto renomado e móveis de grife custaria perto de R$ 10 milhões, foi substituído por uma versão virtual no metaverso por cerca de 10% do valor.

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“Às vezes é uma vantagem não ter a formação ou vir de fora de determinada indústria, porque quem está dentro há mais tempo trabalha com verdades supremas. Eliminamos muitos controles administrativos e relatórios que eram um fim em si mesmo e não geravam valor para os clientes”, afirmou.

As novas diretrizes operacionais começam a se refletir nos resultados. As despesas administrativas e gerais caíram 22% em um ano, e a relação dessas mesmas despesas sobre as vendas líquidas (que cresceram 38%) avançou 10 pontos percentuais, com a melhora do perfil de risco.

Apesar da melhora, ainda falta convencer o investidor, que mostra receio de modo geral às empresas do setor imobiliário. As ações da Tecnisa acumulam queda da ordem de 25% em 12 meses. O Imob (índice que representa uma carteira de ações do setor na B3) caiu 9% no mesmo período.

Mudança de cultura

Segundo Perez, a busca pela eficiência passa por uma mudança tão importante quanto a financeira: a transformação da cultura da Tecnisa para estimular o que se convencionou chamar de sentimento de dono pelos funcionários. Ele colocou a área de produtos em contato direto com a comercial, algo que até então não acontecia, para direcionar projetos de acordo com a demanda dos clientes.

As medidas incluíram a criação de uma “Universidade Tecnisa”, para treinar e formar corretores com o uso de tecnologia para as vendas online, mais assertivas.

“No Jardim das Perdizes, por exemplo, temos 13 torres prontas das 29 previstas. Usamos análise de dados para conhecer o perfil dos compradores, saber de onde vêm, por que se mudaram. Descobrimos que muitos vêm de Higienópolis e pertencem à colônia judaica. Direcionamos os lides [as informações] de compradores potenciais”, disse Perez sobre uma das estratégias de venda.

Atualmente, cerca de 40% das vendas são realizadas por canais digitais, e os demais 60%, pelo offline. Mas o executivo disse esperar inverter essas proporções até o fim deste ano.

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Segundo ele, a cobertura do Kalea, o lançamento de alto padrão dos Jardins e avaliado na faixa de R$ 32 milhões, foi vendido de forma online, do primeiro contato à assinatura.

Os objetivos neste ano são continuar a fortalecer a operação, de modo que o lucro se torne recorrente, e não mais uma exceção nos resultados, com seletividade nos lançamentos ao mercado. Ele diz que a Tecnisa tem capacidade operacional para lançar R$ 1 bilhão em VGV (Valor Geral de Vendas) por ano, mas que não necessariamente será esse o ritmo a ser entregue em 2023.

A mudança cultural e na gestão de pessoas vem da experiência de Perez e de seu trabalho mais recente como consultor na última década, que o fez justamente chegar à Tecnisa em 2017.

O executivo trabalhou mais de 25 anos na indústria automotiva, primeiro na Ford (F), depois na criação da Autolatina (uma joint venture com a Volkswagen no fim dos anos 80 e início dos 90) e, posteriormente, na montadora alemã, como vice-presidente de recursos humanos para o Brasil. Depois passou sete anos no Itaú (ITUB4), chegando a diretor executivo da área de recursos humanos.

“Eu trabalhei perto de dez anos com os alemães na Volkswagen. Eles evitam ao máximo desperdício”, disse Perez ao se referir às decisões sobre reduzir os gastos com decorados, por exemplo.

Cinco anos de dificuldades

As mudanças na Tecnisa, que completou 45 anos em setembro passado, representam um passo necessário depois de cinco anos que o CEO descreve como de dificuldades e prejuízos.

Segundo ele, a crise ocorreu em razão de uma onda de distratos - a desistência do comprador do imóvel com a devolução pela incorporadora da maior parte dos valores -, que levou a Tecnisa a ter que devolver perto de R$ 3 bilhões, e de obstáculos para lançamentos no Jardim das Perdizes, seu principal projeto, por causa da negociação de certificados para construção pela prefeitura (os Cepacs).

O primeiro ano da reestruturação coincidiu com a subida dos juros básicos pelo Banco Central para a casa de dois dígitos, até o patamar atual de 13,75% ao ano. Além de desaquecer a atividade econômica, com impactos no mercado de trabalho, a política monetária mais restritiva encarece o financiamento habitacional, em uma equação que acaba reduzindo a demanda por imóveis.

No resultado mais recente divulgado, referente ao terceiro trimestre, a Tecnisa voltou a ter lucro, de R$ 2 milhões, com margem líquida de 2%, versus um prejuízo de R$ 45 milhões e um margem negativa de 177% um ano antes. A margem bruta saltou de 1% para 18% na base anual.

Os dados do quarto trimestre saem no dia 24 de março. Segundo analistas do BTG Pactual (BPAC11), a incorporadora deve apresentar crescimento de 331% nas receitas na base anual, mas queda da margem bruta para 16%. E a empresa deve ter registrado prejuízo de R$ 7 milhões.

Segundo Perez, os reflexos mais evidentes das mudanças ainda estão por vir nos próximos anos. “Fazendo uma analogia com o nosso negócio, construímos os alicerces do projeto.”

Ameaça dos distratos

Sobre os riscos de um novo impacto do aumento dos distratos, que já começaram a aparecer nos números do terceiro trimestre - foram R$ 7 milhões, versus R$ 2 milhões de abril a junho -, Perez disse que tem sido alvo de atenção, mas que as circunstâncias da empresa e do mercado mudaram.

“É evidente que o tema preocupa, mas o que eu respondo quando me perguntam no conselho é que já enfrentamos outros ciclos da economia com juros altos e que desta vez os efeitos vão acabar sendo melhor absorvidos. Hoje existe a Lei dos Distratos [que limita os percentuais a serem devolvidos], algo que não havia nos ciclos anteriores. Não acho que teremos uma onda como no passado.”

Perez disse também que o novo perfil dos compradores leva a empresa avaliar que o risco atualmente é menor. “O fluxo de pagamento tem sido mais acelerado, de modo que isso inibe os distratos. Quanto mais o comprador já pagou, mais dinheiro ele deixará na mesa se pedir o distrato.”

Isso tem a ver, segundo ele, com o fato de muitos compradores serem de alta renda, com maior capacidade financeira para o pagamento referente à entrada no imóvel. “Muitos pagam acima de 30% do valor total na entrada. O comprador com esse perfil demora mais para tomar a decisão, mas, depois que o faz, o processo de pagamento é mais rápido, porque tem recursos”, disse o executivo.

A Tecnisa realizou recentemente três lançamentos: o Kalea (acima citado) e duas novas torres no Jardim das Perdizes, ambos na zona oeste de São Paulo. O primeiro com o metro quadrado na ordem de R$ 40 mil, e os demais, de R$ 16 mil.

São valores que, segundo ele, subiram nos últimos anos, especialmente para a alta renda, mas ainda não cobrem outro fator de risco do setor. “Os custos de insumos subiram muito nos últimos anos e nem tudo conseguimos repassar para os preços. As margens acabaram ficando muito comprimidas. Só agora é que começam a haver sinais de normalização dos custos”, afirmou.

Mas, segundo ele, a recomposição das margens deve levar mais tempo. “Infelizmente vamos ter que trabalhar com margens menores por mais tempo. Dependemos da economia. Não vejo perspectiva de curto prazo de aumento da renda da população, que permitiria o pagamento de preços muito maiores dos imóveis, principalmente em São Paulo, onde estamos concentrados.”

Os dados mais recentes do mercado em São Paulo, o maior do país, resumem a dimensão do impacto dos juros e do mercado de trabalho que desacelera. Em dezembro, foram vendidas 5.730 unidades na capital paulista, o que representou queda de 34% na base anual e de 22% na mensal.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.