A conta bilionária que Esteves lembrou que já pagou, mas que Lula quer recriar

Presidente da República defende investimentos públicos e privados na indústria naval, uma política setorial que deixou bilhões em prejuízos em governos passados

Por

Bloomberg Línea — O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu no início deste mês a retomada de investimentos públicos e privados na indústria naval, em estaleiros e na cadeia de óleo e gás. É uma política de incentivos e subsídios que fez parte de seu segundo mandato e do governo de Dilma Rousseff, mas que deixou uma herança de prejuízos públicos e privados sem resultados concretos e perenes.

“Na indústria naval eu não acredito particularmente. Eu já paguei minha conta. Cada geração de empresários paga a sua conta da indústria naval brasileira. Vai ficar para a próxima. A minha geração já pagou essa conta”, disse o sócio sênior e presidente do conselho do BTG Pactual (BPAC11), André Esteves, no evento CEO Conference na última terça-feira (14) ao ser questionado sobre o tema.

Esteves fez referência ao investimento do BTG e de outros bancos privados como Bradesco (BBDC4) e Santander (SANB11) como sócios da Sete Brasil, a empresa criada em 2010 para atender ao aumento da demanda de afretamento de sondas para a exploração no pré-sal, então recém-descoberto.

Os maiores fundos de pensão de estatais do país, a Previ (de funcionários do Banco do Brasil), a Petros (da Petrobras) e a Funcef (da Caixa Econômica), estavam também entre os principais investidores.

Quando pediu recuperação judicial em 2016, a Sete Brasil tinha cerca de R$ 18 bilhões em dívidas, sem contar um investimento a fundo perdido de cerca de R$ 9 bilhões dos acionistas.

O naufrágio da Sete Brasil e do plano de reviver a indústria naval teve origem na euforia que se seguiu à descoberta do pré-sal, com o então presidente Lula e a ministra da Casa Civil Dilma Rousseff.

A exploração do pré-sal demandava equipamentos sofisticados para viabilizar a exploração. A Sete Brasil teria capacidade de atender as então novas exigências da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) de 60% de conteúdo local da indústria para a participação em leilões do pré-sal, sob pena de multas em caso de não cumprimento. O objetivo era estimular a indústria nacional.

Além dos bancos, a própria Petrobras (PETR3, PETR4) era sócia da Sete Brasil, o que em tese transferia parte do risco do negócio de sondas – equipamentos caros e complexos – para a petroleira e garantia que haveria demanda e expertise de um player relevante da indústria mundial.

Após vencer em 2012 uma licitação da Petrobras para afretamento e operação de 21 navios-sondas, chegando a 28 encomendas no total, a Sete Brasil tinha caminho aberto para ganhar escala e se tornar uma líder mundial na indústria naval em tamanho - os contratos em carteira somavam cerca de US$ 75 bilhões (em valores atuais, cerca de R$ 390 bilhões de reais).

A empresa contratou estaleiros locais para a produção da encomenda e contava também com apoio financeiro, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco estatal chegou a aprovar desembolso de R$ 8,8 bilhões em crédito para financiar os projetos.

Os acionistas investiram inicialmente mais de R$ 8 bilhões para tirar o projeto do papel, esperando linhas de crédito de longo prazo para sustentar a produção.

Mas os planos não saíram conforme o esperado. O principal obstáculo foi o início da Operação Lava-Jato pela Justiça, com investigações do que se revelou um dos maiores esquemas de corrupção da história do país, envolvendo contratos da Petrobras com a própria Sete Brasil.

Isso atrasou e inviabilizou a a liberação de recursos do BNDES previstos em contrato de financiamento de longo prazo da Sete Brasil. Adicionalmente, o preço do barril de petróleo despencou.

No mercado doméstico, a crise econômica se aprofundou, a tal ponto que a companhia acabou pedindo de recuperação judicial em 2016.

Conteúdo local

O colapso bilionário da Sete Brasil talvez tenha sido o caso mais notório, mas não um incidente isolado. Centenas de empresas de pequeno e médio porte enfrentaram dificuldades financeiras graves no contexto da política de conteúdo local no setor de óleo e gás na última década, especialmente quando os preços internacionais do petróleo despencaram.

“A ideia de incentivar a indústria naval está ligada ao conteúdo local, que não é um conceito brasileiro”, disse o sócio fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.

Na visão do especialista, o grande problema foi o que classificou de deturpação do conceito de conteúdo local. “Os preços dos produtos nacionais eram, em boa parte, muito mais altos. Quando um projeto é feito a qualquer custo, acaba sendo uma reserva de mercado. Foi o que aconteceu com a Sete Brasil.”

Pires disse que, hoje, há desconfiança do setor sobre o retorno dessa política. “Não dá para ser bom em tudo, temos que desenvolver a indústria nos setores em que temos vantagem competitiva.”

Ele apontou que um dos exemplos de vantagem competitiva é dispor de mão-de-obra especializada, algo considerado fundamental na indústria naval.

“Para termos uma indústria naval, temos que desenvolvê-la dentro de um cronograma. O governo não pode dar incentivo para sempre, pois isso desestimula a produtividade”, disse Pires.

Esteves compartilhou de visão semelhante ao comentar o assunto. “Precisamos de mais uns 15 anos para tentarmos a indústria naval [novamente]”, disse no evento da semana passada.

Leia também

Choque do petróleo atinge em cheio cadeia de produção do plástico

Crise energética está longe do fim e gás é oportunidade, diz CEO da Shell

Como o Brasil conseguiu destruir sua própria indústria de fertilizantes