Bloomberg Línea — No Brasil e no mundo, as startups enfrentam uma das etapas mais desafiadoras de sua história, depois de passar por um período de crescimento vertiginoso nos últimos anos, que se refletiu em um boom de nascimento de novas empresas e valuations de centenas de milhões - ou até bilhões - de dólares.
Com mais dificuldade das empresas para ter acesso a capital, especialistas avaliam que muitas startups podem não conseguir manter a operação em 2023, especialmente aquelas que dependem da queima de caixa para crescer. “Os anos de baixa mortalidade de startups estão chegando ao fim”, afirmam analistas da consultoria especializada PitchBook, em um relatório recente.
Por enquanto, os dados mostram que, até o ano passado, o número de empresas apoiadas por capital de risco que entraram com pedido de falência ou fecharam as portas em todo o mundo se manteve estável em 1.000 por ano, em média, desde 2016.
No ano passado, as empresas apoiadas capital de risco que faliram ou fecharam totalizaram 868, ante 1.021 em 2021. Enquanto isso, o número de empresas que receberam seu primeiro financiamento de capital de risco caiu de 16.501 em 2021 para 13.461 em 2022.
No entanto, as taxas de juros elevadas e a perspectiva de desaceleração da economia mundial em 2023 são fatores que podem contribuir para um aumento do fechamento de startups este ano.
“Os fundos de capital de risco estão investindo menos, as startups precisam ampliar sua runway (tempo de operação que pode ser sustentado com o caixa atual) e sua rentabilidade. E muitas não têm dinheiro suficiente para durar um ano e meio ou dois”, diz María Mercedes Agudelo, gerente sênior de Transformação e Inovação da KPMG, em entrevista à Bloomberg Línea.
A especialista da KPMG acrescenta que a escassez de capital poderia afetar principalmente as startups que precisam de muito fluxo de caixa para sobreviver, que não têm a capacidade de ser economicamente sustentáveis, para levantar capital, atrair investidores e vender.
“O problema é que muitas startups começaram a crescer rapidamente sem ter um modelo de negócios estável e sustentável, queimando dinheiro e sem uma retenção adequada de clientes. Portanto, essas são as que podem ser mais afetados – podem ser fintechs, edtechs, healthtechs, não há um setor que seja mais afetado”, disse.
Até quando dura o caixa das empresas?
Para Santiago Rojas Montoya, CEO do fundo Cube Ventures, várias verticais foram afetadas, mas as empresas que levantaram capital com base no FOMO (”Fear of missing out”, em inglês, ou “medo de perder algo”) são as que estão sendo mais afetadas, independentemente do setor a que pertencem.
“O desafio será transformar seus negócios em empresas que ampliem ao máximo sua runway (de preferência, Ebitda positivo para que ela seja teoricamente infinita) e que continuem crescendo em alta velocidade”, disse o executivo, em entrevista à Bloomberg Línea.
Ele analisa que no contexto atual os investidores estão esperando por sinais claros de aumento de valor das ações de tecnologias cotadas em bolsa para apostar mais fortemente em startups, mesmo que o capital de risco não esteja correlacionado diretamente com os mercados públicos.
“Este cálculo de quando o investimento em startups irá aumentar depende de quando começarmos a ver crescimento nesses mercados públicos”, acrescentou.
De acordo com Miguel Araújo, gerente de pesquisa e M&A do fundo brasileiro Bossanova, embora o ecossistema de startups esteja passando por um inverno e o capital de risco tenha sentido isso, ainda não houve impacto significativo na taxa de mortalidade de startups em sua carteira, que inclui empresas em diferentes mercados da América Latina.
“Uma boa parte dessas startups foram capitalizadas tanto em 2021 quanto pelo menos no primeiro semestre de 2022. Portanto, são startups que ainda estão capitalizadas e talvez entrem em um ciclo de fim de runway em meados de 2023 a 2024. Podemos ver mais impacto para o próximo semestre ou próximo ano, mas nada significativo”, diz Araújo.
Quanto aos setores mais afetados, ele diz que provavelmente serão aqueles que têm uma elasticidade ligeiramente maior e que acabam sofrendo mais em eventuais reajustes de preços.
“Aquelas que não conseguem ser essenciais para o consumidor. Um produto nice to have será provavelmente o primeiro a ser cancelado. É um produto agradável e bom de ter, mas não é necessário para o funcionamento de um negócio, ao contrário do produto must have, aquele que uma empresa não pode dispensar e que uma pessoa não pode viver sem. Portanto, o espaço está ficando cada vez mais apertado para os produtos must have”, disse Araújo.
Novo panorama
As condições mudaram para as startups, e, neste contexto, as empresas são forçadas a ter consciência de seu caixa, já que não é hora de queimar dinheiro desenfreadamente sem estabilizar as finanças e chegar ao equilíbrio, segundo o executivo da Bossanova.
“É hora de ser mais conservador, fazer uma gestão financeira mais cautelosa, administrar melhor o caixa, ampliar um pouco essa runway. Ter margem para pelo menos 12 meses quando o mercado tende a estar menos quente para ter a melhor saúde financeira possível”, disse.
Santiago Rojas Montoya da Cube Ventures, por sua vez, acredita que este é o momento de as empresas começarem a se destacar por serem financeiramente responsáveis, enquanto continuam crescendo rapidamente, assegurando sua capacidade financeira para sobreviver pelo menos este ano (de preferência por dois anos), seja através de reservas de liquidez e baixas taxas de queima ou, melhor ainda, por serem lucrativas.
“Devemos entender que estamos em um fenômeno cíclico onde a cada 8-10 anos a economia contrai, cai em recessão ou crise, a liquidez é reduzida e a dívida se torna cara. Historicamente isso acontece depois de um boom e marca o início do próximo ciclo de crescimento econômico até o próximo ‘boom e crise’”, disse.
Considerando que as empresas vêm enfrentando uma onda significativa de demissões, a KPMG considera importante que as startups planejem cada vez mais seu pessoal, projetando cargos e funções que requerem de acordo com o setor em que cada uma está.
Será cada vez mais vital para as empresas planejar os planos de crescimento e desenvolvimento de seu pessoal, de acordo com o gerente sênior de Transformação e Inovação da KPMG.
Isso envolverá revisar os benefícios que as startups podem oferecer em comparação às empresas tradicionais, a fim de se tornarem mais competitivas na atração de talentos.
E dentro do planejamento, verificar se o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional é adequado para atingir os objetivos.
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