Carro zero quilômetro vira sonho distante para a classe média após alta de preço

Custo médio de um veículo novo nos EUA chegou a quase US$ 50 mil, um salto de 30% desde 2019, de acordo com o JPMorgan; montadoras preferem ter estoques baixos e focam lucro

Nos EUA, na Europa, no Japão, na China e no Brasil os preços dos veículos novos e usados tiveram alta expressiva
Por David Welch - Keith Naughton
19 de Fevereiro, 2023 | 07:45 AM
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Bloomberg — Ter um carro zero quilômetro na garagem é um símbolo de prosperidade da classe média há gerações. Mas, para uma típica família americana, esse é um sonho cada vez mais distante.

O pagamento necessário para comprar um carro zero bateu um recorde de US$ 777 por mês em média, quase o dobro do valor do final de 2019, de acordo com a Cox Automotive, proprietária da Kelley Blue Book. Isso é quase um sexto da renda média de famílias americanas descontando impostos. Mesmo os modelos usados tiveram um aumento de preço e elevou o pagamento para US$ 544 por mês em média.

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O choque se estende muito além dos Estados Unidos, onde a inflação é uma questão política complicada para o presidente Joe Biden à medida que as eleições de 2024 se aproximam. Na Europa, os preços se aproximam de recordes. Os preços dos carros usados dispararam no Japão no ano passado, e na China, um rápido incentivo do uso de veículos elétricos significa que os consumidores terão que pagar mais em algumas cidades.

A raiz do problema é o novo mantra das montadoras: manter os estoques baixos e os preços altos. Três anos após a pandemia desencadear uma escassez global de chips semicondutores e fabricação de carros diminuir, a Ford Motor (F), a General Motors (GM) e suas concorrentes no exterior estão aferindo grandes lucros. Mesmo quando a escassez de chips mostra sinais de desaceleração, as empresas se comprometem a manter a produção sob controle.

Como os veículos elétricos custam cerca de 25% mais que os carros comuns, fazer a troca vai piorar ainda mais a crise de acessibilidade. Soma-se a isso as taxas de juros elevadas, os carros novos – assim como a casa própria – estão rapidamente se tornando um privilégio dos mais ricos.

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“A ideia de ter um carro zero na garagem não é condizente com o mundo em que vivemos”, disse Charlie Chesbrough, economista sênior da Cox.

Preços de carros zero nos EUA

Pagamentos exorbitantes

Durante uma década, a média de pagamento por veículos novos nos EUA foi de aproximadamente US$ 400. Isso é quase o valor que uma típica família americana pode gastar e ainda assim cobrir outras despesas importantes, disse Jonathan Smoke, economista-chefe da Cox. Mas em novembro de 2019, esse valor ultrapassou o limite e só vem aumentando desde então.

O preço médio de um veículo novo nos EUA saltou para quase US$ 50 mil, 30% a mais desde 2019, de acordo com o JPMorgan (JPM). Embora os preços tenham recuado um pouco nas últimas semanas à medida que a produção se recupera, a queda não é suficiente para que a maioria dos consumidores compre confortavelmente um carro zero. Contudo, o preço médio de um carro usado agora é de cerca de US$ 27 mil, segundo dados da Cox.

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Os fabricantes estão colhendo os frutos de vender menos carros, mas por um valor mais alto. No ano passado, as montadoras venderam cerca de 13 milhões de veículos nos EUA, 8% a menos que em 2021 e o número mais baixo em uma década. Mas o lucro bruto da Ford aumentou 4,4% em 2022 em relação ao ano anterior, e o lucro ajustado da GM cresceu cerca de US$ 200 milhões, atingindo US$ 14,5 bilhões. As margens para alguns fabricantes devem diminuir este ano em meio à fraqueza econômica global.

Na Europa, entretanto, os preços dos carros zero atingiram recorde e estão aumentando ainda mais, de acordo com dados da ING Research. A escassez de veículos fez com que os preços de carros usados subissem no Japão durante a maior parte do ano passado. A desaceleração econômica da China tem mantido os preços controlados, mas as grandes cidades estão dificultando o registro de veículos de combustão interna em meio a um incentivo para o uso de veículos elétricos, que tendem a ser mais caros.

Mantendo estoques em baixa

É uma mudança radical do modelo de negócio que definiu a fabricação de automóveis durante décadas: fabricar a todo vapor e então usar descontos para vender os automóveis. Nos EUA, as montadoras costumavam ter de 60 a 100 dias de estoque. Hoje em dia, os fabricantes estão visando cerca da metade para reduzir as despesas gerais e manter os preços altos.

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Nunca voltaremos aos níveis de estoque do passado”, disse a diretora executiva da GM, Mary Barra, aos investidores no ano passado.

O CEO da Ford, Jim Farley, disse que não quer pagar bilhões de dólares em estoque nem oferecer descontos e outros incentivos para escoar o produto. A Toyota e a Nissan prometeram tentar a mesma estratégia.

“Você não vai ver a maioria dos fabricantes voltarem para sua posição de três ou quatro anos atrás”, disse Judy Wheeler, vice-presidente de vendas de veículos dos EUA para a Nissan, em uma entrevista. “Vamos manter essa oferta e demanda em um estado nivelado.”

No entanto, há alguns sinais de que os problemas para o consumidor vão diminuir um pouco à medida que a cadeia de abastecimento voltar ao normal. O CFO da Ford, John Lawler, disse este mês que espera que os preços dos carros novos caiam 5% em 2023, enquanto as montadoras de automóveis aumentam os descontos, enquanto Wheeler, da Nissan, previu que os preços cairão para “um nível mais normal”. A Tesla (TSLA) e a Ford reduziram os preços dos veículos elétricos.

Alívio que dura pouco

As concessionárias estão céticas de que as montadoras manterão os estoques sob controle, disse Rhett Ricart, cujo do Ricart Automotive Group, que é uma das principais concessionárias de veículos da Ford, Nissan e Chevrolet.

“Todas falam de 30 a 45 dias de fornecimento. Elas não vão fazer isso”, disse Ricart em uma entrevista. “Os chips não são mais um grande problema. As guerras automobilísticas voltaram.”

Mas qualquer recuperação no fornecimento provavelmente ocorrerá de forma desigual. Barra e Jack Hollis, vice-presidente executivo de vendas da Toyota Motor North America, acreditam que o setor receberá chips suficientes para vender 15 milhões de veículos nos EUA este ano, cerca de 12% abaixo do nível de vendas de três anos atrás. Hollis disse que poderia haver mais de 4 milhões de veículos com uma demanda reprimida devido à escassez de chips, impedindo que os preços caiam rapidamente.

“Teremos mais um ano com um número de vendas limitado”, disse Hollis. “Os preços continuam subindo. É evidente que a demanda ainda está superando a oferta”.

Para carros usados, Smoke acredita que os preços cairão apenas 4% este ano, em parte porque as montadoras não estão fazendo tantos aluguéis. Isso se traduz em menos carros de modelos recentes voltando ao mercado.

Sercy Sanders anda de ônibus desde que a correia de seu Acura TL modelo 2006 explodiu no início de janeiro. Quando o custo do conserto superou o valor do carro, Sanders foi pré-aprovado para um empréstimo de sua cooperativa de crédito e tentou encontrar um Honda Accord de 2016 por menos de US$ 17 mil. Mas ele não encontrou nada por menos de US$ 19 mil e agora está procurando modelos com mais de uma década.

“É assim que vai ser se eu quiser manter minha faixa de preço e não ter uma parcela muito alta”, disse Sanders, de 48 anos, representante de atendimento ao cliente e pai solteiro de filhos no ensino médio. “É muito frustrante. Eu queria um veículo mais novo, que eu achava que seria mais confiável. Com um carro usado mais velho, nunca se sabe o que se vai ter.”

E para quem procura um carro novo dentro do orçamento, as opções são limitadas. As montadoras nacionais pararam de construir carros compactos nos EUA porque não conseguiam ganhar dinheiro com eles.

A escassez de modelos mais baratos significa que mais carros novos estão sendo comprados por consumidores abastados. Quase 30% do mercado é de famílias com renda anual superior a US$ 150 mil, ante 22% em 2016, disse Mark Wakefield, diretor administrativo da consultoria AlixPartners.

“Pessoas mais ricas estão comprando carros”, disse Wakefield. “A parte de baixo do mercado meio que desapareceu.”

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