Na Eve, de carros voadores, parceria com a Porsche e uma startup que foge à regra

Co-CEO André Stein diz à Bloomberg Línea que a empresa controlada pela Embraer tem capital de sobra para investir e cumpre plano para operar, apesar de virada do mercado

Expectativa é de que os eVTOLs comecem a chegar ao mercado a partir de 2026: carteira para entregar perto de 2.800 unidades
16 de Fevereiro, 2023 | 04:32 AM

Bloomberg Línea — O mercado com juros altos e custo de capital mais caro se tornou mais rigoroso para empresas de tecnologia, que precisam entregar resultados imediatos para seus investidores. Mas esse não é exatamente o caso da Eve, a startup de “carros voadores” lançada e controlada pela Embraer (EMBR3).

De acordo com o co-CEO da companhia, André Stein, a Eve tem a vantagem de não precisar captar investimentos neste momento de volatilidade do cenário global para avançar com o desenvolvimento do veículo elétrico de decolagem e pouso vertical (eVTOL, na sigla em inglês).

Além do aporte de investidores privados, a Eve obteve em dezembro a aprovação de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de R$ 490 milhões.

“Com esse adicional de caixa, podemos manter o foco no desenvolvimento sem ter que recorrer ao mercado agora”, disse o executivo em entrevista à Bloomberg Línea.

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“Como temos acesso à infraestrutura e mão-de-obra da Embraer, isso nos permite um consumo de caixa abaixo da média do mercado e podemos focar no desenvolvimento.”

Stein disse que a Eve já conta com uma carteira com 26 clientes para a entrega de cerca de 2.800 unidades, isso antes mesmo de contar com uma certificação. Há também parcerias com gigantes mundiais como a alemã Porsche na frente de desenvolvimento da estratégia industrial.

A listagem da Eve na New York Stock Exchange (NYSE) em Nova York, nos Estados Unidos, no ano passado ocorreu por meio de uma combinação de negócios com a Zanite, empresa norte-americana de propósito específico de aquisição (Spac, na sigla em inglês) focada no setor de aviação. Após o IPO, a Embraer permaneceu como acionista majoritária na empresa.

Desde então, o mercado de “carros voadores” enfrenta a desconfiança do mercado sobre o cumprimento dos prazos para o início da produção. No caso da Eve, a previsão da companhia é obter a certificação em tempo para iniciar a operação comercial em 2026.

“Estamos muito confiantes no processo, que está seguindo dentro do curso planejado”, afirmou Stein.

Confira, a seguir, os principais destaques da entrevista, editada para fins de maior clareza:

A certificação do eVTOL ainda é uma preocupação no mercado. O cronograma de 2026 está mantido?

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André Stein: A certificação [de uma aeronave], mesmo em um ambiente tradicional, é um objetivo bastante difícil. Um dos nossos diferenciais é ter a Embraer por trás, foram 30 modelos de aeronaves [certificadas] só nos últimos 25 anos, isso ajuda a ter um processo bem definido.

Temos usado pessoas e processos da Embraer e estamos muito confiantes no processo, que está seguindo dentro do curso planejado. É uma das nossas zonas de conforto.

A Eve obteve em dezembro um financiamento do BNDES. Os recursos serão utilizados para quais fins?

Os recursos serão usados para desenvolvimento, temos um projeto com foco grande em sustentabilidade, que está sendo feito no Brasil. Também trata-se de uma área de inovação muito grande. Isso se encaixa no foco do BNDES em projetos sustentáveis.

O financiamento nos permite ter uma posição de caixa muito boa. Com esse adicional agora garantimos alguns anos de desenvolvimento com tranquilidade, sem ter que recorrer ao mercado em um cenário ruim. Foi um momento oportuno.

Há muito menos liquidez no mercado global, o que prejudicou as empresas de tecnologia, que amargam quedas de valor de mercado, com restrições de crédito. Nesse contexto, como a Eve está se preparando?

O financiamento do BNDES é um bom exemplo de como estamos nos preparando. Hoje estamos confortáveis do ponto de vista de caixa, particularmente se comparado a outras empresas do segmento.

Como temos acesso à infraestrutura e mão-de-obra da Embraer, isso nos permite um consumo de caixa abaixo da média do mercado, não temos que reinventar muita coisa. Isso nos permite focar no desenvolvimento (do eVTOL).

Estamos focados na certificação do produto. A preparação é justamente não precisar de caixa agora neste período em que o mercado realmente não está favorável para captação de recursos.

São quantos parceiros hoje e qual o tamanho da carteira de pedidos?

Hoje, nossa carteira tem 2.770 unidades, espalhadas por todo o mundo. São 26 clientes, fora os parceiros no nosso ecossistema, incluindo empresas de infraestrutura.

Trabalhamos, por exemplo, com a Porsche para o desenvolvimento da estratégia industrial. Essa filosofia de co-criação, de trazer os parceiros, faz parte do plano.

Também temos seis clientes do software que estamos desenvolvendo de tráfego aéreo, já temos um backlog se formando nessa área.

Como estão as negociações com novos clientes?

Fácil não é, definitivamente. Mas como não se trata de um produto só, mas, sim, de um portfólio completo, incluindo serviços, isso deixa a solução mais robusta. Também temos acesso à toda infraestrutura e suporte da Embraer desde o dia 1, o que custaria centenas de milhões por ano para desenvolver do zero. É uma vantagem adicional.

Quais erros e acertos você considera que a empresa teve ao longo do caminho?

Essa filosofia do “fail fast”, de testar, falhar e aprender faz parte do aprendizado. Temos trabalhado com o conceito de “building blocks”, dividindo o projeto em pedacinhos menores para o desenvolvimento. Vamos fazer testes, mas de um jeito diferente.

Nós temos esse conforto de não precisar levantar investimento agora. Não dá para dizer que poderíamos ter feito algo diferente, tudo está dentro do conceito de tentativa e erro.

Hoje, há menos tolerância no mercado em relação ao desempenho das empresas de tecnologia em geral, na esperar um resultado positivo sem prazo definido. Qual a posição da Eve?

Temos uma base muito sólida, o projeto está bem estruturado. O histórico que a Embraer traz é muito forte, o projeto em si, do ponto de vista de aceitação no mercado, está consolidado, com um produto reconhecido.

O fato de termos uma posição de caixa favorável, tudo isso traz a percepção de que a Eve é uma excelente aposta, que vai além da opções sazonais do mercado.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.