Bloomberg Opinion — Não sou inimigo da inteligência artificial e conheço o conceito de autoria combinada entre homem e computador. Já escrevi sobre o apelo tolo dos filmes roteirizados por redes neurais. Para um projeto da faculdade, apresentei um programa de computador que gerou esboços para episódios de Star Trek. Mas, como um romancista, estou naturalmente preocupado com a perspectiva de que o ChatGPT e seus semelhantes possam desempregar autores humanos. Esse é o assunto recentemente, pois os grandes modelos de linguagem trazem uma nova era de IA.
O fim dos romances é um alerta frequente, mas após diversas conversas com o ChatGPT, acredito que dessa vez seja real. Pelo menos um pouco real.
Os romances são importantes. Ler uma literatura séria aumenta a empatia e a apreciação da complexidade humana. Por isso há muito argumento que os romances são cruciais para fazer a democracia funcionar.
Mas o ChatGPT é bom para escrever ficção? Eu fiz dezenas de testes, desde pedir ao chatbot para imitar o tom de um escritor conhecido até convidá-lo a criar por conta própria.
Os resultados foram variados.
O chatbot foi péssimo ao tentar reproduzir o tom de um grande romancista de épocas anteriores e dos grandes sucessos de hoje. Por exemplo, sua versão de Stephen King começou como uma sinopse meio ruim: “um dia, coisas estranhas começaram a acontecer em Millfield. As pessoas começaram a desaparecer, e estranhos sussurros ecoavam pelas ruas à noite”.
Certo. O ChatGPT (ainda) não consegue acompanhar os grandes nomes. Nem o resto de nós. Mas quando permitimos que o chatbot exerça sua própria imaginação, as coisas começam a ficar interessantes.
Por exemplo, quando pedi ao software que escrevesse histórias assustadoras, os resultados me surpreenderam. O ChatGPT aprendeu claramente uma ou duas fórmulas chave. Veja este parágrafo de abertura:
Sarah sempre gostou de correr. Ela participava da equipe de corrida no ensino médio e na faculdade, e mesmo agora, com seus vinte e poucos anos, ela ainda gostava correr pela vizinhança. Mas hoje, Sarah corria para fugir.
Nada mau! Embora a prosa não ganhe prêmios, desafio qualquer editor ou agente a ignorar uma história que comece dessa maneira.
Mas suponho que esperamos que um LLM seja bom em desenvolver uma história guiada pelo enredo. O chatbot é treinado com base em textos existentes para prever qual sintagma viria a seguir. Gertrude Stein escreveu certa vez que no verdadeiro romance não lemos para descobrir o que acontece a seguir. Mas é exatamente isso que a maioria dos leitores faz, e é esse desejo que faz com que a ficção contemporânea continue existindo. O ChatGPT, embora ainda primitivo, está começando a entender como isso é feito.
Não estou dizendo que o chatbot está pronto para produzir um romance decente. Ele obtém os elementos da ficção, mas não sabe ao certo como organizá-los. Seus finais são bem fracos. Mas o objetivo a curto prazo dos pesquisadores de IA não escrever romances – é transformar a ficção em um empreendimento colaborativo entre o humano e a máquina.
Em novembro, pesquisadores do Google (GOOG) relataram experiências com Wordcraft, um chatbot projetado para auxiliar a escrita criativa. Os participantes, todos autores publicados de poesia ou ficção, poderiam, quando quisessem, pedir conselhos ou ideias ao Wordcraft. Embora os conselhos fossem frequentemente úteis, os participantes relataram problemas, entre eles uma dificuldade em conseguir que o chatbot mantivesse um tom distinto.
Talvez, com tempo e treinamento suficientes, os LLMs descubram como fazê-lo. A Microsoft (MSFT) certamente acredita que isso vai acontecer. A decisão da empresa de investir US$ 10 bilhões na OpenAI, startup que criou o ChatGPT, sinaliza uma crença de que, à medida que o chatbot aprender mais, o futuro colaborativo chegará. O acordo das empresas é que o chatbot será integrado ao Bing e ao Office. Um escritor que tenha um bloqueio criativo poderá pedir ao programa para continuar a história.
Para testar a capacidade atual do ChatGPT de ajudar um romancista, tentei o seguinte pedido:
Termine este parágrafo: Quando olhei pela janela, fiquei aterrorizado. Eles tinham me encontrado. Não havia mais nenhum lugar para me esconder.
Esta foi a resposta:
Vi um grupo de silhuetas se aproximando de minha casa, seus rostos obscurecidos por capuzes e máscaras. Eu sabia que vieram me buscar e não havia nada que eu pudesse fazer para detê-los. Senti meu coração batendo forte ao perceber que meu destino estava selado. O fim estava próximo.
Impressionante. Novamente, a resposta não foi exatamente uma prosa inesquecível, mas o pedido não ajudou. Eu certamente adoraria continuar lendo.
Com elementos mais literários, porém, o programa (até agora) continua fraco. Eu pedi uma descrição de um “belo pôr-do-sol” e recebi um longo e complexo parágrafo que incluía esta passagem - “um espetáculo de tirar o fôlego no qual o céu é pintado com uma vibrante variedade de cores” – uma frase que parece ter sido feita por um aluno do ensino médio. Além disso, em meus testes, o ChatGPT gerou inúmeros “corações pela boca” e “carne e unha” e outros clichês escritores costumam evitar.
Isso não quer dizer que o ChatGPT e seus concorrentes não vão melhorar. O chatbot já entendeu a literatura o suficiente para escrever um artigo que passe em uma prova. Se ele pode analisar romances, não há motivo para pensar que não pode aprender a escrevê-los.
Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Stephen L. Carter é colunista da Bloomberg Opinion. Ele é professor de Direito na Universidade de Yale e é autor de “Invisible: The Forgotten Story of the Black Woman Lawyer Who Took Down America’s Most Powerful Mobster.”
Veja mais em Bloomberg.com
Leia também
O preço do trabalho remoto em Manhattan, centro financeiro global: US$ 12,4 bi