Colapso da Americanas eleva o risco de crise ampla de crédito

Crescimento econômico morno, inflação persistente, juros altos e confiança comprometida pelas revelações da Americanas podem alimentar crise

varejista entrou em recuperação judicial no mês passado depois de revelar rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço
Por Vinícius Andrade e Maria Elena Vizcaino
15 de Fevereiro, 2023 | 04:12 PM

Bloomberg — Investidores começam a perder a confiança em algumas empresas brasileiras mais endividadas após a implosão da Americanas (AMER3) e questionam o discurso de que o colapso da varejista tenha sido um caso isolado.

Nas semanas seguintes ao pedido de recuperação judicial da companhia, Light (LIGT3), Marisa (AMAR3) e CVC Brasil (CVCB3) contrataram assessores financeiros para reestruturar suas dívidas.

A Oi (OIBR3) ganhou uma liminar que suspende temporariamente suas obrigações e sinalizou novo pedido de recuperação judicial, enquanto a agência de classificação de risco S&P Global Ratings avisou que a Gol (GOLL4) pode aprovar uma reestruturação que equivaleria a um default.

Haverá um “aperto de crédito razoável” após os eventos recentes, disse André Jakurski, sócio-fundador da JGP Asset Management. As empresas estão pagando 25%, 30% de juros e “vão quebrar aos borbotões”, disse Jakurski disse em evento do BTG Pactual (BPAC11) nesta quarta-feira (15).

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A Vista Capital, que gere o fundo multimercado de melhor desempenho no Brasil nos últimos três anos, aconselha cautela e diz que as sementes de uma crise de crédito foram germinadas no país nos últimos anos.

Agora, com crescimento econômico morno, inflação persistente, juros altos e confiança comprometida pelas revelações de suposta fraude na Americanas, essas sementes podem estar prestes a brotar.

“O resultado é um inevitável e importante aperto nos bancos, o que pode potencializar e acelerar um ciclo de crédito que já parecia desfavorável”, disse a Vista em carta aos investidores na semana passada. Isso significa “problemas não apenas para empresas insolventes, mas possivelmente também para empresas com problemas de liquidez”.

  

A Americanas entrou em recuperação judicial no mês passado depois de revelar um rombo de R$ 20 bilhões em seu balanço relacionado à forma como contabilizava o dinheiro devido aos fornecedores. Os títulos e ações da empresa despencaram, e os principais bancos do país correram para fazer provisões contra perdas.

Analistas e investidores como William Blair International, Stone Harbor Investment Partners e BI Asset Management classificaram os problemas da Americanas como isolados, não indicativos de questões mais amplas no mercado de crédito corporativo do Brasil, e pediram calma.

Eles foram amplamente ignorados, e agora os gestores de recursos demonstram uma aversão a deter dívida da maior economia da América Latina.

“O momento é de cautela”, disse Octavio de Lazari Junior, CEO do Bradesco (BBDC4), a analistas. “Temos ouvido dos nossos clientes que eles estão muito mais cautelosos.”

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Com isso, as emissões domésticas caíram. As empresas brasileiras emitiram cerca de R$ 15,4 bilhões em dívida corporativa local neste ano, uma queda de 26% em relação ao mesmo período de 2022, segundo dados compilados pela Bloomberg.

Um índice de debêntures indexadas ao CDI calculado pela JGP Asset Management registrou perda de 4,3% desde que a Americanas revelou seu rombo contábil – seu pior desempenho desde os primeiros dias da pandemia.

Os títulos corporativos externos do país caíram 2,6% nesse período, muito pior do que a queda de menos de 0,1% em um índice de dívida global de empresas de mercados emergentes.

Títulos de dívida corporativa do Brasil estão entre os de pior desempenho no último mês

Marcos Schmidt, da Moody’s, diz que, embora os níveis de endividamento das empresas sejam moderados, um grande risco é o ambiente de juros mais altos, tanto no ambiente doméstico quanto no exterior.

A inflação persistente nos Estados Unidos, junto com incertezas sobre as políticas de gastos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), podem levar o Federal Reserve e o Banco Central do Brasil a manter os custos de empréstimos elevados por mais tempo, o que pode acelerar inadimplências ou reestruturações, principalmente para emissores com classificação de grau especulativo, disse Schmidt.

Em algum momento, aquelas com liquidez mais fraca “enfrentarão a escolha de continuar como estão ou tentar preservar o caixa e reestruturar sua dívida para que a empresa seja sustentável no longo prazo”.

As agências de classificação de risco já identificaram algumas vulnerabilidades. A Fitch rebaixou o rating da Azul para ‘CCC-’ de ‘CCC+’, citando entre outros fatores um mercado de crédito local mais restritivo.

A S&P, por sua vez, rebaixou o rating da Gol para CC de CCC+, dizendo que o plano recente de refinanciamento da companhia aérea – se aprovado – seria uma “reestruturação de fato”.

Os investidores podem ter longas negociações com a Americanas, que devem começar em breve.

A BR Partners foi contratada pela Marisa Lojas e pela CVC para assessorá-las em negociações de reestruturação de dívidas, enquanto a Light trabalha com Laplace. Uma empresa menor, de capital fechado – o Grupo DOK, dono da marca de calçados Ortopé – também entrou recentemente com pedido de recuperação judicial no Brasil.

“Não achei que a Americanas fosse o início de uma tendência”, disse Ray Zucaro, diretor de investimentos da RVX Asset Management, em Miami. “Mas talvez seja mesmo.”

  Analistas dizem que custos mais altos de empréstimo podem machucar as finanças das empresas brasileiras

-- Com a colaboração de Barbara Nascimento.

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