Bloomberg Línea — A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou ao ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), que empresas e o governo chegaram a um acordo a respeito do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Só que o acerto deixa de fora questões consideradas inegociáveis por grandes contribuintes não envolvidos nas discussões.
A principal delas é a exigência de apresentação de garantia aos créditos para dar início a discussões tributárias na Justiça, conforme pessoa próxima ao assunto disse à Bloomberg Línea sob a condição de não ser identificada por não ter autorização para falar em nome das empresas.
Para essas companhias, que são grandes contribuintes, a exigência de garantia afeta o caixa e tem implicações na liquidez de suas operações, o que pode comprometer o acesso a linhas de crédito.
O governo, no entanto, aposta na volta do voto de qualidade para arrecadar R$ 50 bilhões por ano, conforme disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o anúncio da medida provisória.
O problema, para essas empresas, é que o voto de qualidade no Carf, mecanismo de desempate por meio do qual o presidente da turma julgadora vota de novo se a discussão terminar empatada, havia sido derrubado pelo Congresso em 2020 - e substituído por um mecanismo pelo qual o empate resultava sempre em decisão favorável ao contribuinte. A volta agora, por meio de medida provisória, é encarada como prejudicial para os contribuintes, que preferem ver a MP rejeitada pelo Congresso.
Por isso eles não se sentem contempladas pelo acordo e dizem não ter sido envolvidos nas discussões, segundo essa fonte, o que indica que a batalha no Congresso pela aprovação da MP será dura.
“Atropelo”
O acordo levado pela OAB ao Supremo foi costurado pelo Grupo Esfera e pela Associação Brasileira de Companhias Abertas (Abrasca). Ele prevê que o voto de qualidade a favor da Fazenda mantenha apenas o valor principal do tributo devido, sem juros e sem multa. Se o contribuinte desejar pagar, pode fazê-lo à vista, ou parcelado em 12 vezes, com correção pela Selic. Se for para a Justiça, voltam os juros de mora, mas nunca a multa.
Quanto às garantias, apenas diz que sua apresentação “suspenderá todos os atos de cobrança da dívida”. Ou seja, mantém a exigência de garantia para início de processo judicial.
Os termos foram levados a Toffoli porque a OAB é autora de uma ação de inconstitucionalidade contra o voto de qualidade e o ministro é o relator. Tecnicamente, a Ordem precisa informá-lo sobre a nova situação, para indicar ao tribunal que governo e contribuintes chegaram a termo em relação à “regulamentação do empate”, que é como o caso tem sido tratado.
Entretanto, o fato de o acordo ter sido levado diretamente ao Supremo sem passar pelo Congresso incomodou, já que a primeira discussão sobre a MP ocorre no Legislativo. A palavra “atropelo” foi usada para definir a movimentação da OAB, segundo a fonte ouvida pela reportagem. Na petição, a OAB cita apenas “representantes de grandes contribuintes e advogados tributaristas”, sem especificar quais.
Dissonância
Há ainda, no entanto, outra ação contra o voto de qualidade no Supremo. E o autor é o PP, partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tem centralizado as discussões sobre o assunto na Casa.
A ação partiu da ala ligada ao senador Ciro Nogueira (PP-PI), ministro da Casa Civil do governo Bolsonaro (PL), e não há petição de acordo informada nesse caso, também de relatoria de Toffoli.
O que há, na verdade, é um pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para que o Supremo suspenda o trecho da medida provisória que trata do voto de qualidade.
A entidade afirma que a volta do mecanismo de desempate trouxe a “confirmação do temor das empresas do setor industrial”: a reversão de decisões que o Carf havia tomado a favor do contribuinte para dar razão à Fazenda por meio do voto de qualidade.
Por exemplo, a condenação da Petrobras a pagar R$ 5,7 bilhões de CSLL de suas controladas no exterior. Ou a imposição da chamada “trava de 30%” para abatimento de prejuízos da base de cálculo de IRPJ e CSLL. Eram teses que haviam sido definidas pelo critério “pró contribuinte” de desempate, criado em 2020 pelo Congresso.
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