‘Se fizermos o mínimo, haverá reprecificação dos ativos no país’, diz Esteves

‘Há muita boa vontade de investidores estrangeiros, mas é preciso evitar a tentação dos atalhos’, diz presidente do conselho do BTG Pactual em evento em SP

André Esteves, sócio sênior e presidente do conselho do BTG Pactual: ativos do país não estão caros, avalia
14 de Fevereiro, 2023 | 11:07 AM

Bloomberg Línea — É cedo para avaliar o novo governo do presidente Lula, mas há conhecimento prévio suficiente para saber quais políticas econômicas funcionam e não funcionam. Se o país adotar medidas de médio e longo prazos, como a apresentação de um novo arcabouço fiscal, há espaço para uma reprecificação dos ativos do país. Essa é a avaliação de André Esteves, sócio sênior e presidente do conselho do BTG Pactual (BPAC11), no evento CEO Conference, nesta manhã de terça-feira (14) em São Paulo.

“O Brasil está com muita gordura de preço. Nem na moeda nem na taxa de juros nem em ativos financeiros, não acho que esteja caro. Tem espaço para melhorar se fizemos as coisas certas moderadamente. O investidor estrangeiro ainda está relativamente desalocado em ativos brasileiros”, disse.

Veja a seguir as suas declarações por tópicos, editadas para fins de clareza:

Investidor estrangeiro e preço de ativos

“Eu vejo uma boa vontade em todas as classes de investidores. Questões ambientais e de riscos institucionais, que nós vivendo aqui pudéssemos achar distantes da realidade ou da materialidade, impactaram muito. Os tema ambientais e institucionais fizeram muito preço.”

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“Neste ano, em Davos, ao interagir com empresários e investidores internacionais, percebi o quanto isso faz e fez preço. As coisas se acalmam aqui no Brasil e o dólar cai gradualmente. Tanto o investidor direto, de FDI, como de portfólio, de ações ou macro, ele está impactado pela remoção desses problemas.”

“Existe um ambiente muito construtivo em relação ao Brasil. Podemos jogar esse ambiente fora se fizermos bobagens. Mas se fizermos o mínimo certo, haverá uma reprecificação de ativos no país.”

“O Brasil está com muita gordura de preço. Nem na moeda nem na taxa de juros nem em ativos financeiros, microeconômicos, não acho que esteja caro. Tem espaço para melhorar se fizemos as coisas certas moderadamente. O investidor estrangeiro ainda está relativamente desalocado em ativos brasileiros. Na dívida pública, está nas mínimas históricas. Ainda aguenta algum desaforo.”

Tentação do atalho

“O presidente tem uma natural ansiedade, pelo momento de vida, por tudo o que passou, de rapidamente querer atender aquela população que ele vê como seu objetivo de governo, o que eu acho louvável. É bom o governo ter essa preocupação. O risco é com essa ansiedade tentarmos buscar um atalho. No fim, é apenas um atalho que não vai levar a lugar nenhum.”

“Naturalmente, há visões divergentes. Recentemente apareceu uma teoria moderna monetária, que tenta eliminar as restrições fiscais e repensar o papel da política monetária. Seria um wonderland, um mundo sem restrições fiscais nem monetárias. Infelizmente esse mundo não existe e o custo recai sobre a sociedade.”

“Outro dia em percebi que algumas autoridades políticas estavam usando a Turquia como exemplo monetário, onde a taxa de juros é de 9%, e a inflação está em torno de 70%. Ou seja, a taxa de juros não precisaria ser mais alta que a inflação. Ora, isso inverte a causalidade. A inflação está em 70% porque a taxa de juros é de 9%. Sempre haverá ideias alternativas por aí.”

“O mundo hoje é mais conectado e mais transparente, é muito diferente daquele de 20 anos atrás, em que não havia WhatsApp nem redes sociais. Hoje o conhecimento é amplamente difundido, sabe-se o que funciona e o que não funciona.”

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“Quanto mais saudável a política fiscal, menor o juro. Não é novidade. É um benchmark global que funciona há muitos anos, um consenso.”

Juros altos vs. inflação

“A verdade é que o Banco Central tem sido operacionalmente independente mesmo nos governos do PT, deve-se reconhecer.”

“Somos um alcoólatra momentaneamente curado. Acho perigosa a tese de que ‘vamos ter um pouco mais de inflação que o juro vai baixar’ para um país com o passado como o nosso.”

“Para quem está preocupado com o social, o mais pernóstico dos impostos é a inflação, porque gera desigualdade e pobreza.”

“Os próximos passos que podem antecipar a queda do juro, que vão passar pelo Congresso, são o novo arcabouço fiscal e uma nova reforma tributária, a depender de sua amplitude.”

“É o melhor regime tributar o dividendo, mas vamos reduzir o imposto de renda de pessoa jurídica, em uma conta neutra. É um regime tributário mais justo, mais moderno.”

“Qual o objetivo disso tudo? É mostrar para os agentes econômicos e políticos que o Brasil tem uma trajetória sustentável de dívida. Isso vai ter efeito sobre as expectativas e sobre o trabalho do Banco Central.”

Críticas ao Banco Central

“Ele [Roberto Campos Neto] subiu a taxa de juros de 2% para 13,75% no ano eleitoral. Está claro que ele está performando um trabalho técnico. Não hesitou em subir o juro em ano de eleição, foi um julgamento da área técnica do Banco Central. É um argumento que encerra a discussão.”

Desinflação no mundo

“Eu ainda estou um pouco cético com esse processo de desinflação no mundo, que claramente está acontecendo e é possível perceber por meio de índices ou de medidas. O preço do frete, por exemplo, voltou ao que era antes da pandemia. O preço do gás na Europa explodiu com a guerra da Rússia na Ucrânia, mas houve algumas medidas, ajuda do inverno moderado, e ele mais ou menos normalizou.”

“Por outro lado, a mudança de 4%, 5% para 2% ainda é uma untold story. Vai desinflacionar, não vai ter nem mesmo recessão. Não sei se é a minha formação brasileira, mas acho que está muito otimista. Acho que ainda vai ter alguma confusão. Deve ter alguma recessão e mais desemprego.”

Eleições e governo Lula

“Não foi uma vitória nem de um partido nem de uma ideologia. Um segmento da sociedade acreditava que a defesa da democracia passava pela alternância de poder. Foram eleições limpas e transparentes e das mais modernas do mundo.”

“Espero que o governo espelhe essa aliança mais ampla, que vá além do partido do presidente, que obviamente tem o seu papel e deve ter uma presença, que criou programas sociais que são muito importantes e atendem a população que ficou à margem da sociedade.”

“Estamos com 45 dias do novo governo, é injusto e cedo ainda para avaliar se o governo está mais para um lado ou para outro. As pessoas estão se conhecendo e formando processos decisórios.”

Incentivo à indústria

“Parte [do que o governo tem falado em propor] vai funcionar, parte não vai. Por exemplo, o presidente [Aloizio] Mercadante, do BNDES, fala em inovação, pequenas empresas e um Eximbank para exportações. Eu vejo com bons olhos.”

“Você citou a indústria naval e eu não acredito nisso. Já paguei a minha conta e não vou estar na próxima. Muita gente já pagou essa conta. Precisa de mais uns 15 anos para tentarmos a indústria naval [novamente]. Mas acredito em sermos líderes em tecnologia na produção de alimentos.”

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.