Bloomberg Línea — A eficiência operacional se tornou o foco para os fundadores da América Latina. Diante da maior dificuldade de obter financiamento no mercado de venture capital, as empresas optam por fazer restruturações internas, montar equipes mais enxutas, além de renegociar contratos de fornecedores e reduzir despesas com vendas e marketing. As conclusões são de uma nova pesquisa da Lavca (Associação para Investimento em Capital Privado na América Latina), que entrevistou fundadores de startups latino-americanas.
De acordo com o estudo, 34% das startups da região consideram fazer demissões em massa, 28% consideram congelar novas contratações e 23% dizem que devem reduzir os investimentos (capex). Além disso, 18% afirmam que pretendem reduzir bônus ou salários. O objetivo é preservar o caixa e, assim, ampliar o tempo que a empresa pode operar sem realizar novas captações. Mesmo assim, outros 21% dizem considerar fazer novas captações de venture capital para atravessar o atual cenário de mercado.
O crescimento inorgânico por meio de aquisições de negócios não era o foco principal dos entrevistados no momento da pesquisa da Lavca (0%) e 18% consideram reduzir gastos com marketing e vendas.
O resultado do estudo traz visibilidade sobre as estratégias usadas pelas startups para enfrentar a maior dificuldade para levantar investimentos de capital de risco.
Desde o ano passado, startups que levantaram grandes volumes de investimento nos últimos anos anunciaram cortes de funcionários e o enxugamento da operação, incluindo as empresas chamadas unicórnios (com avaliação acima de US$ 1 bilhão).
Valuations amplos
O estudo também chama a atenção para a grande diferença entre o valor atribuído às startups latino-americanas que estão no mesmo estágio de desenvolvimento. Enquanto a maioria das startups em estágio Seed (semente) na América Latina têm uma avaliação divulgada de menos de US$ 20 milhões, as empresas em estágio inicial relataram ter valuations que variam de menos de US$ 20 milhões a mais de US$ 1 bilhão. Segundo a Lavca, quase 80% diz ter abaixo de US$ 300 milhões.
Em seu relatório de 2023 sobre fundadores da região, a associação descobriu que as startups latino-americanas contam com balanços bem capitalizados para navegar nos atuais ajustes do mercado, “com 39% das empresas entrevistadas não captando fundos no momento da pesquisa”.
“Daqueles que estão no mercado, 84% afirmam que o processo de captação de recursos está demorando mais do que o esperado, sendo as empresas do estágio Seed as que mais enfrentam desafios”, disse a Lavca.
Globalmente, as avaliações de startups em estágio avançado caíram significativamente em 2022 em relação a 2021. Mas não foi assim para as empresas iniciais (em estágio semente ou anjo de investimento), segundo outra pesquisa do CB Insights.
Para as empresas do chamado late-stage, as medianas das avaliações caíram significativamente em relação ao quarto trimestre de 2021, registrando quedas ano contra ano variando de 24% a 50% por conta do aumento das taxas de juros, turbulência nas ações públicas e um mercado de IPOs estagnado, de acordo com o CB Insights.
Enquanto isso, no ano passado, as avaliações de empresas de tecnologia em estágio semente e anjo estiveram 3% acima dos níveis do quarto trimestre de 2021 (US$ 12,6 milhões no último trimestre de 2022 contra US$ 12,2 milhões no quarto trimestre de 2021), segundo dados do CB Insights.
O interesse dos investidores de risco está, principalmente, em startups geradoras de Inteligência Artificial, que, em boa parte ainda está em um estágio inicial. Segundo o CB Insights, 2022 foi um ano recorde para investimento neste tipo de empresa: US$ 2,6 bilhões investidos em 110 transações.
Mesmo assim, Tom Loverro, investidor experiente da IVP, uma das empresas de venture capital mais respeitadas do Vale do Silício, disse recentemente em um tuíte uma “previsão” de que haverá uma “extinção em massa para startups de estágio early e mediano”.
“O final de 2023 e 2024 fará com que a crise financeira de 2008 pareça estranha para as startups”, disse, em uma mensagem com conselhos aos fundadores sobre como sobreviver a esse cenário.
“As ‘grandes’ startups sempre serão financiadas, embora não nos termos de 2021. Muitas startups ‘boas’ sofrerão rodadas com valuations abaixo dos anteriores ou valuations estáveis. Muitas startups meramente ‘ok’ e pré-adequadas ao mercado do produto morrerão – em uma taxa maior do que qualquer coisa que vimos desde 2008″, disse.
Loverro explica que muitas startups arrecadaram cerca de dois anos de caixa em 2021 e 2022 e cortaram a queima de caixa no segundo semestre de 2022 para estender a vida sem precisar captar. Mas não importa o que aconteça, essas empresas vão precisar de dinheiro novamente no final de 2023 e 2024.
“Quatro em cada cinco empresas em estágio inicial têm menos de 12 meses de ‘runway’ [de caixa], de acordo com uma pesquisa da January Ventures. Tudo isso aponta para uma inundação de startups chegando ao mercado para levantar capital a partir do segundo semestre de 2023 e continuando até 2024″.
Ou seja, para Loverro, terá mais empresa buscando capital do que recebendo e isso significa que o final de 2023 até 2024 será pior do que a grande crise financeira de 2008 e 2009 para startups apoiadas por capital de risco.
“A grande crise financeira de 2008 estava centrada em Wall Street. Avaliações de startups privadas, tamanhos das rodadas e queima de caixa não foram esquecidos nos anos que antecederam à grande crise. Desta vez é diferente. 2021, para startups, foi mais tóxico que a grande crise financeira. A ressaca começará ainda este ano e será mais severa.”
Leia também
Demissões nas big techs comprometem metas de diversidade e inclusão