Não só a Americanas: por que CFO se tornou o profissional mais procurado

Executivo-chefe financeiro ganhou ainda mais relevância em tempos de cortes de custos e juro alto; varejista contratou Camille Faria, mas ainda não um novo CEO

Paul Bulcke (à esquerda), presidente do conselho da Nestlé, e Francois-Xavier Roger, CFO: importância e prestígio do executivo-chefe financeiro na gigante global de alimentos (Michele Limina/Bloomberg)
Por Sabah Meddings
12 de Fevereiro, 2023 | 08:05 AM

Bloomberg — Os tempos de crise chegaram. O profissional mais valorizado para muitas empresas no momento, nos Estados Unidos, no mundo e também no Brasil, é o CFO, o Chief Financial Officer.

As nomeações para o cargo de executivo-chefe financeiro na Europa, no Oriente Médio e na África subiram quase um terço neste começo de 2023 em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com a empresa de contratação de executivos Spencer Stuart. Como a inflação e as taxas de juros mais altas que sinalizam o fim do dinheiro fácil, as empresas querem mais de seus CFOs.

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“A pandemia da covid destacou para muitos CEOs que seus CFOs eram técnicos, não líderes em uma crise”, disse Chris Gaunt, que lidera as práticas de diretores financeiros da Spencer Stuart na Europa.

Agora que as empresas estão tentando se atualizar, tem havido uma série de trocas.

No Brasil, a Americanas (AMER3) não contratou ainda um novo CEO para substituir Sergio Rial apesar da mais grave crise de sua história, mas se apressou em nomear Camille Loyo Faria como nova CFO, no lugar de André Covre (ex-Grupo Ultra), que também renunciou.

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A profissional, ex-CFO da TIM Brasil (TIMS3) e da Oi (OIBR3), lidera a negociação com credores na recuperação judicial, entre eles os maiores bancos do país, além de organizar a venda de ativos que devem ajudar a reduzir o passivo da ordem de R$ 40 bilhões, antes dos descontos impostos.

Traz na sua bagagem recente também acordos com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para encerrar investigações sobre casos de falhas na comunicação de fatos ao mercado.

Nesta semana, André Natal anunciou que deixará de ser o CFO da Vibra Energia (VBBR3) a partir de abril para assumir o mesmo cargo na Alpargatas (ALPA4). E há outros exemplos recentes.

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Na Europa, Eoin Tonge deixou a Marks & Spencer Group para se juntar à Associated British Foods, e Julie Brown decidiu deixar a Burberry e ir para a GSK. A Asos está à caça de um novo CFO, e a Ahold Delhaize também tem uma vaga.

Mas os bons profissionais na área são escassos, de acordo com Rebecca Morland, co-diretora de práticas de diretores financeiros globais na agência de contratação de executivos Korn Ferry.

Dado que a idade média de um CFO nas empresas do índice de ações FTSE-100 do Reino Unido é de 52 anos, poucos já viram níveis de inflação como os atuais, combinados com as perspectivas de recessão.

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“O CFO não está apenas dirigindo a organização financeira, eles são quase CEOs adjuntos e, em muitos contextos, eles são também, muitas vezes, o diretor de transformação”, disse Morland. “É um momento bastante desafiador e exigente.”

Agora que não são apenas intérpretes do mundo das finanças, os CFOs ocupam o principal assento na sala da diretoria. Durante a pandemia, eles tiveram que levantar bilhões de dólares para manter as operações ativas e dispensar milhares de trabalhadores. Os orçamentos foram cortados e os bancos precisaram ampliar linhas de crédito para manter os negócios funcionando. Precisam agora lidar com as perspectivas econômicas recessivas que poucos imaginavam antes da covid-19.

Mantendo a calma

François-Xavier Roger, que comanda as finanças da Nestlé, disse que não concorda com a reputação dos CFOs como meros contadores. Seu trabalho é “manter a calma” e ter uma visão de longo prazo. Uma parte crítica do papel é garantir liquidez – e imaginar todos os resultados possíveis.

No início da pandemia, a Nestlé não precisava levantar dinheiro, mas o diretor financeiro garantia linhas de crédito de qualquer forma. “Quando entramos naquela crise, não estávamos exatamente certos de para onde o mundo estava indo”, disse. “Como CFO, é necessário se preparar para o pior cenário possível.”

Nos próximos meses, à medida que as empresas buscam novos financiamentos, os CFOs terão cada vez mais que provar seu valor.

Os bancos se tornarão mais exigentes quanto às condições de empréstimo. O crédito vai ficar muito mais caro. Mesmo as empresas que tiveram a sorte de levantar dinheiro quando as taxas estavam baixas terão que enfrentar o desafio de investir para expandir seus negócios.

Nik Jhangiani, CFO da Coca-Cola Europacific Partners, tomou uma decisão difícil em meados de 2021. Enquanto seus colegas estavam convencidos de que as taxas de juros cairiam mais além das mínimas históricas, ele decidiu refinanciar 100% da dívida da engarrafadora da Coca-Cola.

“Eu disse que em algum momento estaríamos em um ambiente de taxas em alta”, disse o CFO. “Naquele momento, o custo da dívida ainda era tão baixo e atraente... Por que eu estava tentando aumentá-la para conseguir mais dois ou três pontos-base, mas nos colocando em risco?”

Hoje, a decisão parece prudente. Com os bancos centrais aumentando as taxas de juros, qualquer empresa que tenha o azar de ser refinanciada nos próximos meses enfrenta uma conta de juros intensa.

A Haleon, que fabrica as pastas de dente Sensodyne e que se separou da GSK em julho, levantou 9,2 bilhões de libras (US$ 11,3 bilhões) em dívidas em março de 2022, com um vencimento médio de pouco mais de oito anos. Um quinto da dívida está exposto às taxas de juros, enquanto o restante é fixo. O próximo grande refinanciamento da Haleon será em 2025.

Planejamento de cenários

O CFO da Haleon, Tobias Hestler, 50 anos, disse que grande parte de seu trabalho se trata de planejamento de cenários.

Hestler disse que não acreditava que alguém pudesse ter previsto a turbulência do orçamento de setembro do Reino Unido, com a então primeira-ministra Liz Truss, que elevou os custos de empréstimos. Agora está preocupado com a covid na China e se preparando para quando a inflação global esfriar.

“Presumimos que estamos atingindo o auge e que a inflação vai cair no segundo semestre do próximo ano, mas então a rapidez dessa queda requer o planejamento de alguns cenários”, disse.

Hestler está procurando economias em áreas como publicidade e disse que a empresa deve reduzir sua dívida para menos de três vezes o Ebitda até o final de 2024.

Gaunt, da Spencer Stuart, disse que as companhias estão buscando diretores financeiros mais adequados para as crises. Eles descobriram que os CFOs existentes nos cargos eram a “pessoa para o crescimento fácil das receitas, não a pessoa para o verdadeiro desafio da liderança”.

Esben Christensen, diretor-gerente de reestruturação na consultoria AlixPartners, disse que os CFOs desempenhariam um papel mais de liderança à medida que o foco mudasse da demonstração do resultado para a valorização de caixa e liquidez. “Quando temos uma reestruturação, a pessoa com quem as pessoas realmente querem falar é o CFO”, disse.

Mudanças de surpresa

Embora o papel tenha mudado significativamente desde que Lavanya Chandrashekar, CFO da Diageo, que fabrica a cerveja Guinness e outras bebidas que estão entre as mais vendidas do mundo, começou sua carreira, há uma responsabilidade crucial que se manteve constante: o domínio firme das finanças de uma empresa. “A parte que nunca pode acabar é o controle”, disse ela.

A saída de um CFO pode muitas vezes acontecer quando uma empresa está passando por uma turbulência financeira.

Em 13 de janeiro, a empresa de apostas 888 Holdings anunciou que o CFO Yariv Dafna deixaria o cargo após dois anos. Desde que a 888 comprou os ativos internacionais da britânica William Hill por 2,2 bilhões de libras (US$ 2,7 bilhões) em setembro de 2021, suas ações caíram cerca de 80%.

“Não é para quem tem coração fraco”, disse Morland, da Korn Ferry.

-- Com a colaboração de Dasha Afanasieva.

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