Estresse na folga: por que é tão difícil curtir o descanso?

O chamado stresslaxing é um fenômeno real na América Latina, mas por que os funcionários acham tão difícil aproveitar o descanso sem pensar no trabalho?

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Bloomberg Línea — O stresslaxing, fenômeno caracterizado pela dificuldade de aproveitar o presente e o tempo livre diante de picos de estresse, gerou debate em diferentes partes do mundo sobre a saúde mental dos trabalhadores e as repercussões de viver em um mundo de trabalho constantemente agitado e hiperconectado, no qual é necessário lidar com múltiplos estímulos externos.

O estresse gerado durante os períodos de descanso e pausas começou a ser abordado de diferentes ângulos, e as empresas de recursos humanos na Colômbia já estão identificando alguns padrões que devem ser levados em conta pelas organizações no país.

“Acreditamos que os colombianos têm dificuldades para curtir o tempo livre em geral, e os latinos sofrem por questões culturais”, disse Adriana Garcés, diretora de Talent Solutions da ManpowerGroup, à Bloomberg Línea.

“Acredito que ser tão prestativo e querer colaborar distorce isso, porque essa gentileza ou essa disponibilidade significa que muitas vezes temos que estar trabalhando, atendendo uma ligação ou entrando em uma reunião durante as horas em que não estamos trabalhando. Se é algo que acontece de vez em quando, é normal, mas às vezes isso se torna parte da vida cotidiana”, completou.

Segundo ela, o stresslaxing em países como a Colômbia deriva das características culturais das próprias organizações e “é aí que são necessárias políticas claras. Hoje temos leis que nos apoiam na desconexão do trabalho; no entanto, é necessário um esforço para separar esses dois mundos: trabalho e pessoal”.

Foi aprovada na Colômbia no início do ano passado uma lei que regulamenta a desconexão do trabalho, que é o período que começa após o fim da jornada de trabalho. Ela estabelece que o exercício deste direito “responderá à natureza do cargo, dependendo se corresponde ao setor privado ou ao setor público”.

Da mesma forma, “o empregador deve garantir que o trabalhador ou funcionário público possa gozar efetiva e plenamente do tempo de descanso, licenças, férias e vida pessoal e familiar”, diz o Artigo 4 da lei em questão.

As empresas estão se adaptando a esse novo ambiente no qual visam garantir melhores condições para os trabalhadores e proteger sua saúde mental, embora ainda existam inúmeros desafios para evitar fenômenos como o stresslaxing.

Além do ambiente de trabalho, o stresslaxing também é influenciado por outras práticas nas quais as pessoas ficam imersas durante o dia. É o caso, por exemplo, de ficar hiperconectado à internet em diferentes dispositivos, o que leva as pessoas a interromper seu descanso para verificar se receberam uma chamada ou um e-mail, se há alguma pendência, qual é a agenda do dia seguinte, entre outros.

Laura Franco, gerente de recursos humanos da PageGroup para a Colômbia e a América Central, disse em entrevista à Bloomberg Línea que com a conectividade permanente é muito mais difícil conseguir uma desconexão total do trabalho.

Isso acontece devido a algumas práticas com e-mail corporativo, ferramentas de trabalho virtuais, chats comerciais e outros aplicativos de trabalho instalados no celular e que fazem com que o funcionário em descanso não deixe de estar conectado.

“Com o trabalho híbrido, essas práticas dispararam e as empresas migraram toda sua segurança para que os funcionários possam ter um perfil corporativo em seus telefones celulares. Isso certamente agiliza a maneira como trabalhamos, mas é fundamental que você possa suspender esse perfil para garantir que não esteja disponível quando estiver descansando”, disse.

E “isso realmente significa que às vezes a desconexão não acontece plenamente”, acrescentou Adriana Garcés, que acredita que outros fatores também desempenham um papel. É o caso de trabalhar com pessoas de outros países e ter que responder em horários de outras geografias

“Há tipos de liderança que não favorecem a desconexão e o conceito de produtividade. Sabemos que as conversas e reuniões são valiosas, mas às vezes é investido muito tempo e os projetos e atividades são deixado de lado, o que exige fazer hora extra. Aqueles que não administram bem seu tempo em casa então precisam se dedicar a fazer seu trabalho em momentos em que possivelmente todos os outros já estão descansando”, disse.

Como mudar a situação?

Para criar uma melhor cultura de gerenciamento de tempo e permitir período de descanso, Garcés avalia que o principal é trabalhar o autoconhecimento a fim de reconhecer “o que são esses ‘ladrões de tempo’ e como ser mais produtivo”.

Em segundo lugar, ela afirma que é fundamental que dentro das próprias empresas sejam estabelecidas políticas que sejam muito claras sobre a questão e que os líderes as legitimem. “Isto, sem dúvida, ajuda muito a gerar uma nova cultura de apoio à desconexão e à saúde mental.”

“E, sem dúvida, uma organização que tem pessoas que aproveitam seu descanso será muito mais produtiva, inovadora e saudável para atrair talentos”, concluiu.

Para responder ao fenômeno, a conscientização é fundamental, de acordo com Laura Franco, da PageGroup, que pediu às empresas que “incluam a desconexão em suas políticas de saúde mental e trabalhem em uma mentalidade cultural na qual o líder seja o porta-voz e advogue pela inexistência de contato com funcionários que estão em descanso”.

Ela também defendeu a implementação de práticas como respostas automáticas “fora do escritório”, deixando alguém encarregado de assuntos pendentes e aconselhando que outra pessoa seja contactada durante seu descanso. “Estas são pequenas ações que as pessoas podem praticar para mitigar um possível contato do trabalho durante um período de ausência”.

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