Bloomberg Línea — O colapso da Americanas (AMER3) fez estragos também nos balanços do quarto trimestre de bancos de médio porte, como ABC Brasil (ABCB4) e Daycoval (capital fechado desde 2016).
Os chamados “bancos de middle market”, credores da varejista, tiveram que elevar as provisões para créditos de liquidação duvidosa, a exemplo das três maiores instituições financeiras do país, no caso Santander Brasil (SANB11), Itaú Unibanco (ITUB4) e Bradesco (BBDC4).
O provisionamento pressionou os indicadores de rentabilidade e o retrato da situação financeira dos bancos médios, que ofertam produtos de crédito principalmente aos clientes do segmento corporate (atacado), que é o atendimento das contas de corporações empresariais.
Em entrevista à Bloomberg Línea, executivos do ABC Brasil e Daycoval trataram o rombo da ordem de R$ 20 bilhões, anunciado pela Americanas em 11 de janeiro, como um “evento subsequente”, sem menção nominal à empresa devido ao compromisso com sigilo bancário.
O Daycoval provisionou 50% da sua exposição à Americanas, que é de R$ 509 milhões, valor que consta na lista de credores divulgada pela varejista em 24 de janeiro. O percentual foi confirmado pelo diretor de relações com investidores, Ricardo Gelbaum, sem citar nominalmente a empresa.
“Foi um evento inesperado e fora da curva com um cliente de muitos anos. Em março, vamos complementar as provisões”, afirmou o executivo do Daycoval.
O ABC Brasil contabilizou 30% de provisão, em uma soma R$ 117 milhões, segundo o diretor de relações de investidores da instituição, Ricardo Moura. O banco tem uma dívida de R$ 415,6 milhões a receber, segundo a lista de credores.
Até o momento, os bancos que adotaram uma provisão de 100% da dívida foram o Itaú Unibanco (R$ 1,3 bilhão antes de impostos) e o Bradesco (R$ 4,9 bilhões). O Santander Brasil, outro credor, provisionou 30% (cerca de R$ 1,1 bilhão), estimaram analistas.
“Vamos monitorar o caso. Caso haja uma deterioração, faremos provisões adicionais, dependendo do fluxo de informações”, disse Moura.
Tanto os diretores do Daycoval como do ABC Brasil consideraram que o calote da Americanas é um “caso isolado”, como também classificaram as administrações de Santander e Itaú Unibanco. Para eles, não existe um risco sistêmico de contágio que possa provocar um efeito dominó no setor e na cadeia de fornecedores do grupo varejista, que entrou em processo de recuperação judicial.
“Fizemos uma análise detalhada para ver se teria impacto, mas não achamos nada relevante. Ao que tudo indica, isso acabou sendo um evento isolado”, disse o diretor do ABC Brasil.
O calote da Americanas deve, no entanto, deixar os bancos médios mais rigorosos na hora de emprestar nos próximos meses. “A concessão de crédito vai ficar mais seletiva. Haverá uma reprecificação da safra de crédito”, afirmou o executivo do Daycoval.
A visão do mercado
Apesar de valores absolutos mais baixos, o ABC Brasil é o banco mais exposto à Americanas em percentual da carteira de crédito, apontou o BB Investimentos em relatório divulgado nesta quarta-feira (8), considerando seu universo de cobertura no setor financeiro.
“O ABC optou por diluir o impacto em um primeiro momento, aproveitando-se do seu elevado índice de cobertura, dado o tamanho relativo da exposição e a incerteza do desfecho”, segundo o relatório do BB Investimentos, assinado pelo analista Rafael Reis.
O analista avaliou que, sem “o tropeço com este caso atípico, o resultado do quarto trimestre do ABC teria sido um lucro líquido de R$ 224 milhões e ROE [retorno sobre o patrimônio] de 17,7%, mantendo as boas tendências que o banco vinha apresentando”. O lucro líquido recorrente no período foi de R$ 197 milhões, equivalente a um ROE de 15,6%.
O diretor de RI do ABC Brasil disse à Bloomberg Línea que o primeiro impacto negativo da provisão na linha final do resultado trimestral ficou próximo de R$ 30 milhões.
Já o Daycoval reportou um lucro contábil de R$ 378 milhões no quarto trimestre, um valor R$ 16,2 milhões abaixo do lucro líquido recorrente de R$ 394,2 milhões. Por sua vez, o ROE, dado o impacto parcial da Americanas nas despesas com provisão, ficou em 26,8% no período, abaixo dos 27,9% apontados no resultado recorrente.
“É difícil adivinhar o futuro, mas dá para dizer que teremos um semestre mais restritivo principalmente com as taxas de juros nesse patamar [13,75% ao ano] por período mais longo. Há um apetite mais reduzido para o risco”, disse o executivo do Daycoval.
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