Bloomberg Línea — A revelação do rombo contábil da ordem de R$ 20 bilhões na Americanas (AMER3) completa um mês neste sábado (11), com o grupo varejista em busca de conseguir recursos para manter suas operações, evitar o fechamento de lojas e a perda de sellers do marketplace e de funcionários.
Diante das incertezas sobre o desfecho da recuperação judicial (RJ) e das negociações com os bancos credores, o CEO interino da companhia, João Guerra, enviou uma carta aos funcionários em que busca motivá-los e abre informações da estratégia para o funcionamento da operação.
Ele diz que a promoção tradicional de vendas de ovos de Páscoa dos próximos meses será realizada, apesar da crise. Ele anunciou um projeto piloto para pagamento semanal aos lojistas por vendas realizadas no marketplace, além do cumprimento de repasses quinzenais aos sellers.
Por enquanto, a Americanas tem conseguido evitar demissões em massa, apesar da dispensa de terceirizados, e nega elo entre os fechamentos de algumas lojas com o processo de RJ. Diz que as medidas já estavam previstas antes da crise, a fim de otimizar seus recursos.
“Os sindicatos que representam nossa gente estão sendo informados de cada passo à medida em que decisões são tomadas. Manteremos esse diálogo franco. Sabemos que muito do futuro da companhia depende de fatores que não controlamos inteiramente”, citou o executivo na mensagem divulgada pela companhia em comunicado à imprensa, na noite da sexta-feira (10).
A semana foi marcada pela aprovação do juiz responsável pela RJ do pedido de financiamento emergencial de R$ 2 bilhões, sendo que metade do valor deve ser coberto pelo trio de bilionários da 3G Capital, os acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Outro destaque foi a divulgação dos balanços do quarto trimestre de alguns dos principais bancos credores, como o Itaú Unibanco (ITUB4) e o Bradesco (BBDC4), que decidiram se antecipar e fazer provisões integrais da exposição à dívida da Americanas.
‘Seriedade do momento’
Na carta aos funcionários, o CEO da varejista disse que o financiamento “ajudará a companhia a manter o curso normal de negócios, seu fluxo de caixa e reforçar sua liquidez”.
Ele também indicou que, mesmo com os desafios, a Americanas não vai deixar de lançar sua temporada de vendas de ovos de chocolate para a Páscoa, em abril.
“Estamos confiantes em dizer que já aceleramos os preparativos para a nossa Páscoa, um evento que é tão simbólico para os brasileiros e tão significativo para nós”, escreveu Guerra.
Ele expressou o clima de ansiedade entre os colaboradores da empresa. “Ao longo dos últimos 30 dias, ainda que sob o impacto constante de notícias que nos deixam ansiosos, fizemos aquilo que mais sabemos fazer: trabalhamos com dedicação para nossos clientes. Quero começar aqui, portanto, com um agradecimento. Todos sabemos da seriedade do momento.”
O executivo assumiu, na carta, o compromisso de manter a normalidade nas operações.
“Salários, benefícios e direitos são a prioridade da administração. Tudo segue – e seguirá – exatamente como está contratado”, afirmou.
Ele lembrou ainda outras decisões da companhia. “A consultoria global Rothschild & Co está cuidando do acordo com os bancos, essencial para nosso futuro; a consultoria Alvarez & Marsal, da condução do projeto de Recuperação Judicial (RJ) e um comitê independente, da apuração dos fatos.”
O executivo, que comandava a área de Recursos Humanos, assumiu o cargo de CEO de forma interina logo após a renúncia de Sergio Rial, anunciada no dia 11 de janeiro no fato relevante que revelava as “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões nos balanços da companhia.
“Recebemos a importante contribuição de Camille Loyo Faria, que chegou em fevereiro como diretora financeira e de relações com investidores e traz uma valiosa experiência em reorganização financeira de empresas”, enfatizou o CEO interino.
A executiva, que atuou como CFO da Oi (OIBR3) no seu processo de recuperação judicial, entrou no lugar de André Covre, que renunciou à função no mesmo dia que Rial.
Em outro fato relevante, ontem, a varejista divulgou uma versão atualizada da lista de credores, inicialmente divulgada em 25 de janeiro. A nova relação aponta uma dívida superior a R$ 42 bilhões com mais de 9,5 mil credores. No último dia 2 de fevereiro, a companhia tinha estimado que sua dívida total, incluindo valores de debêntures, alcançava a cifra de R$ 47,9 bilhões.
Entre os principais credores, estão os maiores bancos do país: Bradesco (R$ 5,2 bilhões), Itaú Unibanco (R$ 4,3 bilhões), BTG Pactual (R$ 3,5 bilhões), Santander Brasil (R$ 3,6 bilhões), Safra (R$ 2,527 bilhões), Banco do Brasil (R$ 1,6 bilhão), Caixa Econômica Federal (R$ 500 milhões), BV (R$ 207 milhões). Alguns desses valores aumentaram em relação à primeira lista, porque incorporam aplicações em fundos geridos pelas instituições. Considerando só os cinco maiores bancos do país, a dívida da Americanas saltou de R$ 13,1 bilhões (primeira lista) para R$ 15,2 bilhões.
Confira a seguir a íntegra da carta da Americanas aos funcionários:
“Amigos da Americanas,
Ao longo dos últimos trinta dias, ainda que sob o impacto constante de notícias que nos deixam ansiosos, fizemos juntos aquilo que mais sabemos fazer: trabalhamos com dedicação para nossos clientes. Quero começar aqui, portanto, com um agradecimento. Todos sabemos da seriedade do momento. Nem por isso perdemos a garra. Nossa resposta foi mais esforço e mais foco. Muito obrigado.
Para nossos clientes, o resultado do que estamos fazendo juntos é que a experiência nas lojas, no site e no app continua sendo exatamente a mesma. As lojas seguem abertas e com prateleiras cheias. As entregas, garantidas. Protegemos nosso maior aliado e amigo de toda hora: o cliente.
A resposta que recebemos não poderia ser mais tocante. Nas nossas redes sociais ganhamos mais de 100 mil novos seguidores. Só no Instagram, já somos mais de 13 milhões. Nossa nota no site Reclame Aqui continuou sendo destaque em nosso setor, com a certificação RA 1000.
Em uma palavra, a resposta do nosso cliente foi carinho.
É essa força de mercado que nos dá a confiança em superar os obstáculos. Ao fim do caminho que iniciamos, provavelmente seremos uma empresa diferente. E chegaremos lá cuidando sempre de todas as nossas pessoas, que fizeram e farão a força da Americanas.
Quero reafirmar aqui um compromisso que já assumimos em outras oportunidades: salários, benefícios e direitos são a prioridade da administração. Tudo segue – e seguirá – exatamente como está contratado.
Os sindicatos que representam nossa gente estão sendo informados de cada passo à medida em que decisões são tomadas. Manteremos esse diálogo franco.
Sabemos que muito do futuro da companhia depende de fatores que não controlamos inteiramente. Para cuidar dessas diversas frentes de trabalho, trouxemos de imediato equipes experientes e qualificadas.
A consultoria global Rothschild & Co está cuidando do acordo com os bancos, essencial para nosso futuro; a consultoria Alvarez & Marsal, da condução do processo de Recuperação Judicial (RJ), e um comitê independente, da apuração dos fatos.
Essas frentes de trabalho seguem seu curso em paralelo, com cada uma delas respeitando sempre os limites que a Recuperação Judicial exige de nós e com foco na solução e no plano de recuperação.
Para reforçar tudo isso, recebemos a importante contribuição da Camille Loyo Faria, que chegou em fevereiro como Diretora Financeira e de Relações com Investidores e traz uma valiosa experiência em reorganização financeira de empresas.
Enquanto os esforços do plano de recuperação seguem curso, posso prometer que nós, aqui, seguiremos mantendo a chama acesa no máximo, com parceiros e clientes a cada dia mais engajados. Como exemplo, além do cumprimento dos repasses quinzenais aos sellers, anunciamos um projeto piloto para pagamento semanal aos nossos lojistas por vendas que fazem em nossa plataforma.
Em outra frente, conseguimos a aprovação, pelo juiz da RJ, de um financiamento DIP de R$ 1 bilhão feito pelos acionistas de referência, que pode chegar a R$ 2 bilhões, e que ajudará a companhia a manter o curso normal dos negócios, seu fluxo de caixa e reforçar sua liquidez.
Com isso, estamos confiantes em dizer que já aceleramos os preparativos para a nossa Páscoa, um evento que é tão simbólico para os brasileiros e tão significativo para nós, Americanas.
Seguiremos fazendo o que mais sabemos fazer.
Juntos Somos Americanas
João Guerra, CEO interino da Americanas S.A.”
(Atualiza às 19h com dados da lista atualizada da lista de credores)
Leia também
Não só os bancões: como o calote da Americanas impactou o middle market
‘Fomos vítimas de uma fraude’, diz Verde, de Stuhlberger, sobre Americanas